Folha Online 
Revista da Folha

Em cima da hora

Brasil

Mundo

Dinheiro

Cotidiano

Esporte

Ilustrada

Informática

Ciência

Educação

Galeria

Manchetes

Especiais

Erramos

BUSCA


CANAIS

Ambiente

Bate-papo

Blogs

Equilíbrio

Folhainvest em Ação

FolhaNews

Fovest

Horóscopo

Novelas

Pensata

Turismo

SERVIÇOS

Arquivos Folha

Assine Folha

Classificados

Fale com a gente

FolhaShop

Loterias

Sobre o site

Tempo

JORNAIS E REVISTAS

Folha de S.Paulo

Revista da Folha

Guia da Folha

Agora SP

Alô Negócios

Revista Morar
27/10/2006

Habitat: À sua imagem & semelhança

MARCO DONINI

Em geral, cada um de nós guarda desde a infância importantes referências de moradia. A noção de ocupação e percepção de espaço começa cedo, e a necessidade de intervir no entorno é sempre mais livre nessa idade. Nem é preciso vasculhar muito a memória para pinçar dela a imagem primitiva de cabanas construídas entre o sofá e a mesa de centro.

Marco Donini

É uma pena que essa espontaneidade vá se perdendo ao longo da vida. Se hoje o ser humano tem condições de escolher onde e como morar, esse arbítrio vem carregado de informações e sensações que, importantes ou não, devem seguir pela vida atuando como guia. Assim como na infância, não é possível erigir a cabana ideal sem considerar o lugar onde será montada ou o caminho que leva até lá.

A profusão de informações existentes ajuda muito pouco, quando não atrapalha. Fala-se demais de estilo, tendências, móveis, eletroeletrônicos, cores e materiais incríveis, mas pouquíssimo de algo fundamental --a interpretação do próprio espaço.

Em cidades como São Paulo, morar bem é tarefa árdua. Os bairros, escolhidos por afeto ou conveniência, propõem muito pouco, instigam ainda menos e agregam uma sobrecarga de problemas urbanísticos. As casas são pensadas para resolver problemas práticos do cotidiano (quantos banheiros são necessários para organizar o rush familiar?), mas dificilmente reservam espaço para a subjetividade e as compensações necessárias. Conseguir suprir no espaço privado o descontentamento de cada um com seus arredores é uma vantagem imensa.

Se a cidade traz sensação de aperto, a casa tem de simular espaço. Contra a sensação de morar em um deserto e sofrer dessa vastidão, um espaço contido pode trazer mais aconchego. Se o externo é barulhento, que ela garanta um pouco de silêncio. Se o caminho até ela oprime ou mete medo, que a primeira emoção ao abrir a porta seja de calma e bem-estar. Se a carência for de cores, que elas se materializem em paredes ou acessórios; se for de viver rodeado de gente, que isso fique explícito em cada canto.

É comum que as pessoas pensem em festas, jantares e reuniões eventuais e se esqueçam do cotidiano na hora de projetar suas casas. Ou que, quase esquizofrênicas, imaginem uma visita que nunca vem e reservem para ela uma sala especial.

O segredo na ocupação de uma casa é exatamente a mistura dela com seus moradores. Informações garimpadas em programas de TV ou revistas de decoração e arquitetura só servem se misturadas à intuição de cada um, aquela esbanjada quando criança. Fórmulas prontas podem, no máximo, dar uma dica de como um determinado espaço foi interpretado diante de todas as variantes que o cercavam.

Muitas vezes, habitar o espaço vazio por algum tempo é a melhor maneira de a pessoa descobrir com clareza o que realmente faz falta em sua vida. É fácil: basta insistir nessa casa ôca para ver crescer a irritação com a ausência do que é fundamental --e isso inclui todas as referências afetivas capazes de garantir o bem-estar de cada um. Elas podem estar em móveis e utilitários, mas também em fotos, obras de arte, revistas, livros, roupa espalhada, lembretes grudados na geladeira... Quem sabe a própria geladeira?

Pensar nesse universo de coisas como nossas extensões naturais ajudaria a escolhê-las de forma mais isenta, livre de obrigações com o universo de consumo, aquilo que os catálogos oferecem como última tendência.

Tenho medo do que é tendência. Ela banaliza, emburrece, mediocriza, enfraquece nossa capacidade de escolha. Ainda que o exercício de escolher possa parecer mais simples a uns que a outros, nenhum mal fará enfrentar um pouco desse embate: qualquer descoberta será sempre mais importante que a receita pronta.

Tendência é sempre algo que já passou, mas não é só isso que a desqualifica; ela perde força por representar uma massa anacrônica de realidades fragmentadas. É o caldo de tudo, pois trata do que agrada a todos. Num assunto tão sério como é morar, a tendência deveria ser justamente a de não prestar atenção a fórmulas, de inventar as próprias regras e um modo genuíno de habitar.

Não há nada pior do que uma casa que ostenta móveis em desacordo com a personalidade de seus ocupantes
A casa é só um espelho da vida, o resto é supérfluo. Certamente existirão móveis mais confortáveis ou duráveis que outros, ambientes mais bem-tratados e revestidos, mas isso só não é capaz de garantir o conforto, se não carregar junto um tanto de tempero de seus ocupantes --que seja aquela fruteira que denuncia suas frutas prediletas ou a coleção de imãs de geladeira de seu filho.

Mau gosto? Talvez exista, mas é irrelevante nessa matéria. Não é de comparativos que trata o ato de morar, e, sim, de coisas indispensáveis à felicidade --e, aí, vale tudo mesmo, até poltrona revestida de zebra, se isso te fizer mais feliz. Não há nada pior do que uma casa que ostenta móveis, objetos e revestimentos em desacordo com a personalidade de seus ocupantes.

Morar bem é morar livre, leve e solto de obrigações estranhas ao assunto. Não tenha medo de ser arquiteto de sua própria vida.

Marco Donini, 47, é arquiteto e mora em uma casa com poucos móveis e ambientes sem nomes, mas que lhe cai como uma luva.

     

Assine a Folha

Classificados Folha

CURSOS ON-LINE

Aprenda Inglês

Aprenda Alemão


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).