Folha de S.Paulo Moda
* número 21 * ano 6 * sexta-feira, 23 de março de 2007
Folha Online
 
Texto anterior | Índice | Próximo texto

moda /minitecnologia

Bem-vindo à infância 00

iPod para ninar, sites próprios e videogames de última geração tirados de letra.Quem são as crianças de hoje em dia?



Julia Hossepian, 5, herdou um laptop do avô e tem até um site próprio

Julia Cotta Hossepian tem 5 anos, mas já usa podcasts com mais desembaraço que muito adulto por aí. É por meio deles que ela escuta as historinhas da avó, que vive em Minas Gerais. Para matar as saudades dela, a pequena usa a câmera e o microfone do laptop da mãe, a assessora de imprensa Priscila Cotta, de 28 anos.

Mesmo com tão pouca idade, Julia também ganhou um site próprio dos avós maternos, cheio de gifs animados e com links favoritos. Do avô paterno ela herdou um laptop e ali brinca com CD-ROMs de joguinhos. A irmã Laís, de apenas 2 anos, ainda não liga muito para eletrônicos ou internet, mas refere-se a tudo o que é da Barbie –incluindo aí sua escova de dentes– como "site da Barbie".

Prima de Julia, Lara Hossepian Hojaij tem 6 anos e acha que "só vai ganhar um celular com 15 anos...". Enquanto isso ela se diverte com o iPod do pai. Música preferida? "Hmmm, aquela assim: "I like Chopin... love me now and again", cantarola. Seu irmão, Matheus, de 8 anos, adora mandar e-mails e costuma escrever sempre para o pessoal do "Jornal Nacional", seus ídolos.

Pedro Souza Lima tem 7 anos e um corte de cabelo digno de um Rolling Stone. Mas gosta mesmo é de 50 Cent e Beyoncé. Usa Mac em casa e PC na escola, principalmente para jogos (já acabou vários) e para ver trailers de filmes.

Mesmo antes de saber ler, Rafael Mazza Policastro, 7, surpreendeu a mãe, a designer Patricia, 35, quando pediu que digitasse para ele o endereço do Cartoon Network na internet: "É só ponto com, mãe!". Hoje em dia, ele só pega no sono com o iPod para niná-lo.



Lara Hojaij, 6, guarda suas músicas preferidas no iPod

Nova infância, novos pais

Filhos da classe média e alta, estas crianças são uma síntese da nova infância. A geração que cresce no mundo ultratecnológico dos anos 2000 prefere TV a cabo à aberta, acessa a internet com facilidade, carrega celulares desde muito cedo e não se atormenta com as diferenças entre o mundo real e os virtual.
Há quem julgue que essa não é uma boa maneira de se passar a infância, em meio a tantos gadgets eletrônicos. Mas existem pais que discordam. "Acho ótima a infância atual. Há muito mais estímulos do que na minha época", diz Mauro Hossepian, 33, assessor de imprensa. "E a Julia tem tanto prazer em usar a internet, como em brincar no escorregador."

Nativos e cativos

Membro do Núcleo de Pesquisas de Psicologia em Informática da PUC-SP (NPPI), que estuda a relação dos homens com as tecnologias, a psicóloga Andrea Jotta Nolf não vê uma ameaça às crianças no acesso a computadores e outros acessórios de ponta. "A tecnologia não afrouxa relações entre pais e filhos, apenas preenche lacunas, criando casos de sedentarismo e babás eletrônicas. Crianças são naturalmente ativas, e no ambiente ideal elas rapidamente se cansam de fazer a mesma coisa por muito tempo", analisa.
Andrea explica que a idade que divide as novas crianças e as outras são os 10 anos. Até essa idade, elas são chamadas de "nativas", exatamente por terem crescido com todas as facilidades da tecnologia à mão. "Para elas a tecnologia não tem cunho de novidade, de exploração. Elas brincam de videogame e assistem TV, mas também seguem com a vida e fazem a lição de casa", afirma.
Segundo Andrea, com a banalização da tecnologia, estas crianças tendem a ser cada vez menos propensas ao exagero no uso das máquinas do que as gerações anteriores. Mas impor um limite é sempre bom. "Educação é a mesma coisa tanto na vida presencial como na vida virtual. Computador não é babá, mas uma ferramenta que abre caminhos para um novo mundo, com gente boa e ruim", diz Andrea.
A psicóloga, que também é mãe de duas crianças, só aconselha a navegação solitária dos pequenos pela internet se eles já tiverem bom senso para distinguir o que é confiável e o que é suspeito. Caso contrário procure estar sempre presente quando eles brincarem com a internet. Ela também não vê sentido em dar um celular enquanto a criança não começar a andar sozinha por aí.

Uma realidade múltipla

Muito mais do que acesso a um mundo de informações e pessoas, as novas tecnologias também são um ambiente perfeito para a criação de realidades "paralelas", caso do Second Life, um mundo absolutamente virtual na internet. "Hoje nós questionamos se o Second Life é uma segunda personalidade", conta Andrea. "Para nós, adultos, o real e o virtual ainda são muito distintos. Mas estas crianças lidam muito bem com a amplitude de personalidades que este mundo virtual propicia. É normal ser moreno na vida real e louro na virtual, por exemplo."
No âmbito pedagógico, há jogos eletrônicos nos quais você é um conquistador português que chega ao Brasil, por exemplo. "Isso está entrando com força nas escolas, mesmo para crianças de classe baixa, devido a iniciativas de doações de laptops mais baratos", diz a psicóloga. É graças a este conjunto de novas possibilidades que ela acredita que as crianças dos anos 2000 chegarão à vida adulta com uma desenvoltura intelectual e criativa muito maior do que a de gerações anteriores.

* O NPPI responde às dúvidas do público em relação ao uso de tecnologias, inclusive por e-mail.
Endereço: nppi@pucsp.br
Website: www.pucsp.br/nppi

por Gabriela Sampaio
fotos Paulo Ferreira

Texto anterior | Índice | Próximo texto
 

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).