Revista da Folha

Morar

30/03/2007

Lugar comum: Aquários urbanos

Condomínios tentam reduzir a sensação de confinamento e se integrar mais à cidade trocando grades de ferro por muros de vidro

por RENATA VALDEJÃO
fotos CAIO ESTEVES

Caio Esteves
Edifício na rua Ceará, em Higienópolis
Edifício na rua Ceará, em Higienópolis
É o que se poderia chamar de projeto de redução de danos. Bom mesmo seria morar em uma cidade amigável e em imóveis sem grades, mas, numa metrópole como São Paulo, melhor procurar alternativas mais pés-no-chão. Para tentar driblar o confinamento que virou regra de segurança, alguns condomínios residenciais estão trocando grades de ferro e altos muros de concreto por um tipo inusitado de "cerca": o vidro.

À primeira vista, a equação muros de vidro x (in)segurança parece não fazer lá muito sentido - mas faz.

Para os arquitetos, o principal atrativo do material é sua aparente "inexistência", já que a transparência reduz a sensação de viver atrás de grades e permite enfatizar o paisagismo e a relação com a cidade. "Na maioria dos casos, a visão do exterior é um fator que atua de forma positiva sobre os seres humanos", afirma a arquiteta Lúcia Pirró, professora da Fupam (Fundação para a Pesquisa Ambiental), da Universidade de São Paulo.

Além disso, dizem os arquitetos, o vidro confere um ar mais moderno ao edifício e permite o maior aproveitamento dos recursos da iluminação natural, favorecendo a economia de energia. Mas como ficam os principais interessados, os habitantes desses prédios?

Transitam entre o medo e a moda, mas acabam fazendo as pazes com a transparência. "No começo dava insegurança", conta o morador de um prédio de Higienópolis, um empreendimento da construtora Quota, que já ergueu na cidade dez prédios de alto padrão cercados por vidro. "Pensamos que qualquer um poderia jogar uma pedra e quebrar o muro. Hoje, considero o vidro até melhor que o ferro. Dificulta a escalada, por exemplo", acredita o empresário, que pediu para não ser identificado.

Para José Roberto Graiche, ex-presidente da Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios) e administrador de condomínios, a novidade não compromete a segurança. "Sobre os vidros é possível instalar uma parafernália de equipamentos, como sensores e alarmes."

A arquiteta Lúcia Pirró também não vê problema, desde que se associe o melhor tipo de caixilho ao vidro mais adequado. "Os vidros laminados são bastante resistentes à quebra e podem ser utilizados em grandes áreas, o que resulta em maior qualidade estética para o edifício e sensação em uma de amplitude", afirma.

Caio Esteves
Graiche discorda da afirmação de que o vidro escancara a visão do prédio para a rua, reduzindo a privacidade. "É muito raro um condomínio residencial ter muros. Geralmente tem gradil, que também é vazado e oferece a mesma possibilidade de visão", afirma.

Outro argumento pró-vidro é o de que sua transparência aumenta a visão que funcionários e moradores têm do lado externo, sem que o mesmo aconteça de fora para dentro - tudo depende do tipo e da técnica empregada. Um exemplo é o edifício Ducalle, nos Jardins, projetado pelo arquiteto Marco Donini e equipado com vidro laminado pontilhado, de 10 milímetros de espessura, em toda a área frontal do terreno.

Glossário

Vidro float - É o comum, liso, transparente e que serve de matéria-prima para os outros tipos. Sua composição inclui sílica, sódio, cálcio, magnésio, potássio e alumina. Atualmente, no Brasil, é produzido com espessuras que variam de 3 mm a 19 mm

Laminado - É um sanduíche de vidros. Duas ou mais placas são unidas por uma camada intermediária de polivinil butiral (PVB) ou resina. Em caso de quebra, é nessa camada intermediária que os cacos ficam presos, tornando o produto seguro. É o tipo mais usado nos muros

Refletivo - É chamado popularmente de espelhado. É um vidro com desempenho energético, ou seja, é capaz de interferir no grau de transmissão luminosa e de calor para dentro do ambiente

Serigrafado - Recebe esmalte cerâmico ou tinta, que podem ou não ser incorporados à lâmina, a qual adquire cor e textura

Temperado - Obtido pelo aquecimento gradativo e resfriamento abrupto num forno de têmpera, em caso de quebra, fragmenta-se em pedaços pequenos e pouco cortantes
O pontilhamento, ou serigrafia, é uma texturização que limita a transparência. De longe, mal se vêem os pontinhos, e a visão da rua é perfeita. Ao se aproximar do muro, no entanto, aumenta a dificuldade de enxergar o outro lado. "Para quem está fora do prédio, à medida que escurece, vai ficando mais difícil avistar o interior", conta o gerente do condomínio, que também mora no prédio, Valdomiro Repa.

No Ducalle, o muro de vidro alimentou muitas reuniões de condomínio e há três anos (quatro anos depois da inauguração), ainda sentindo-se inseguros, os moradores pediram a instalação de uma "eclusa", que funciona como um dique de pedestres: suas duas "comportas" confinam os visitantes, que precisam esperar a primeira porta se fechar para que a segunda se abra. Concordaram, porém, que ela também fosse de vidro. Em seu interior, vasos com plantas e pedras dão um certo ar de aquário ao ambiente.

Caio Esteves
Edifício Ducalle, na rua Peixoto Gomide, Jardins
Edifício na rua Ceará, em Higienópolis
"Sendo bem instalado, o vidro é seguro e fica muito bonito", diz Repa, ao contar que os moradores aprovaram o "layout". Sua ressalva é quanto ao trabalho de limpeza. "É preciso ter funcionários qualificados, porque, se não for limpo direito, fica manchado." Segundo ele, está proibido o uso de piaçaba para fazer o serviço. "Lava-se com vassoura de crina de cavalo, para não riscar", explica.

Não é só a limpeza que requer atenção. A professora Lúcia Pirró ressalva que é preciso tomar cuidado com os ambientes envidraçados e fechados _o hall, por exemplo_ que geralmente acompanham os portões de vidro nos projetos modernos.

"Quando há proteções solares exteriores, como um toldo, e a radiação não atinge o vidro diretamente, pode-se usar laminado incolor, que permite uma boa passagem da luz difusa. Se exposto ao sol, melhor o laminado refletivo, com baixo fator solar, para reduzir em parte a radiação, mas de cor clara, para não escurecer demais o ambiente", recomenda Lúcia Pirró.

Caio Esteves
Condominio também na rua Ceará, Higienópolis
Condominio também na rua Ceará, Higienópolis
Outro cuidado é a sensação térmica. A radiação atravessa o vidro em forma de raios ultravioletas e infravermelhos, aquece o ambiente e é devolvida em raios do tipo infravermelho longo, que não conseguem atravessar o vidro com a mesma facilidade e acabam criando um efeito estufa no local.

"Da mesma forma, a radiação luminosa em excesso pode causar ofuscamento e outras perturbações visuais aos ocupantes", declara a professora da USP.

Para resolver o problema, ela sugere que a área envidraçada corresponda a, no máximo, 50% da área da fachada e receba proteção solar exterior, como venezianas, toldos etc.

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