Revista da Folha

Morar

30/03/2007

Dueto: Desconstrução criativa

Mais folclore do que realidade, a falada rixa entre engenheiros e arquitetos só é boa para gerar piadas mútuas

por CHANTAL BRISSAC

Arquitetos falam que engenheiros são retrógrados, sem gosto e querem edificar não prédios, mas caixotões. Estes rebatem dizendo que as "viagens" arquitetônicas são quase sempre caras, loucas e inúteis e que os profissionais da área não passam de decoradores mais graduados.

A crítica mútua é um esporte praticado pelas duas categorias, com nuances exclusivas para cada profissão. Quando querem carregar nas tintas, os engenheiros questionam a sexualidade dos arquitetos, por causa de seus "dons artísticos". Já estes vêem o pendor pela exatidão da outra categoria como sinal explícito de burrice.

Caio Esteves/Folha Imagem
O engenheiro Julio Franco e o arquiteto Vicente Cunha
O engenheiro Julio Franco e o arquiteto Vicente Cunha
Há quem se divirta com os gracejos, há quem se irrite. O arquiteto Reginaldo Luiz Nunes Ronconi, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo, faz um muxoxo quando ouve alguma anedota do gênero. "Essas piadas nunca me agradaram porque denotam um preconceito, o de que o arquiteto é incapaz de construir e o engenheiro, incapaz de projetar".

Na FAU, ele tenta provar justamente o contrário. Ronconi está à frente de um programa de educação continuada nas escolas de engenharia (Politécnica) e arquitetura da USP.

"A idéia é reatar um casamento que já aconteceu no passado. Para aproximar a construção do projeto, ministramos cursos de arquitetura na Poli (engenharia) e vice-versa, ampliando os alicerces das duas profissões", diz.

A engenharia brasileira teve origem na área militar, quando dom João 6º criou, em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, hoje Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Até 1930 incluía a arquitetura, com a profissão de engenheiro-arquiteto.

Foram formados nesse período de unificação alguns dos principais nomes da arquitetura moderna de São Paulo, gente como Vilanova Artigas, Eduardo Kneese de Mello, Ícaro de Castro Mello e Oswaldo Arthur Bratke.

Assim, depois da mudança, coube ao engenheiro civil determinar o local apropriado para a construção, prever a resistência dos materiais a serem empregados, chefiar equipes e acompanhar todas as etapas da construção. O arquiteto ficou com a responsabilidade pelo projeto e a organização de espaços externos e internos, é chamado para cuidar de reformas e desenvolver projetos de iluminação.

Quando os filhos de Oswaldo Bratke, morto em 1997, resolveram seguir os passos do pai, a cisão de encargos de cada categoria já era realidade consolidada e cada um assumiu um braço da atividade. Sem rusgas: há 30 anos, o mais velho, o engenheiro Roberto, viabiliza projetos saídos da prancheta do caçula, o arquiteto Carlos Bratke, fazendo cálculos, planejamento, orçamento e execução.

"Mas às vezes eu palpito bastante no desenho e o Carlos reclama", conta, rindo, o engenheiro cujo sobrenome virou praticamente sinônimo de um trecho do Brooklin, o da avenida Luiz Carlos Berrini, onde as linhas do caçula ditaram a paisagem de muito vidro e ar futurista.

Para além dos chistes disparados de lado a lado, as opiniões mais representativas das categorias negam rivalidades. "O relacionamento é pautado por uma visão diferente de mundo. O engenheiro é o profissional da realização, e seu repertório é a experiência passada, consagrada; já o arquiteto projeta o futuro", compara José Eduardo Tibiriçá, vice-presidente da AsBea (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura). "Mas eles são parceiros, não rivais."

Isso não significa que os interesses sejam exatamente os mesmos. A categoria é filiada ao Crea, o mesmo conselho de engenheiros e agrônomos e, com apenas 20% de seus integrantes, amarga os reveses de quem é minoria. "Os arquitetos precisam de um conselho uniprofissional, que defenda os interesses exclusivos da profissão", afirma Tibiriçá.

Quando a união entre as duas áreas acontece com equilíbrio, melhor para todo mundo, inclusive a comunidade. Enquanto os engenheiros dão prioridade ao cálculo estrutural e à realização concreta do edifício, os arquitetos desenvolvem a forma e a funcionalidade dos espaços. Também visualizam cores, texturas, luzes. A objetividade de um dá sustentação à criatividade do outro.

"O Julio é um engenheiro quase arquiteto", "elogia" João Vicente Cunha, que projetou com o sócio, Luiz Otávio Mello, a nova casa do engenheiro Julio Franco, no Morumbi. "Mas ainda não cheguei ao ponto de escolher os tons das roupas de cama", rebate o engenheiro, revelando a camaradagem bem-humorada adquirida após os 17 meses de convivência, alimentada por constantes negociações em torno da obra.

Quem circula pela construção de 1.200 m2, com deslumbrante vista para o estádio do Morumbi, nota o que foi pensado por cada parte. O engenheiro fez questão, por exemplo, de embutir caixilhos nos imensos vidros que dão para os jardins e a piscina da casa. "É uma questão de segurança. Com os ventos, poderia haver trepidação." Os arquitetos defendiam placas de vidro sem junções ou reforços. "Ficaria mais bonito."

Julio também brigou pelo aquecimento solar, não só pelo fator ambiental, mas também pela economia. "É uma boa diferença no bolso", diz. Os arquitetos sugeriram um projeto moderno e limpo, que fez da casa uma escultura branca. "No final, o resultado foi ótimo", avalia João Vicente. Inclusive para o bom humor.

TROCA DE GENTILEZAS

Sobre arquitetos

1. Leis da arquitetura
LEI DO LOTE ESTREITO
Em todos os lotes falta um metro de largura
LEI DO CARTOON
Se um cliente chama o anteprojeto de "desenhinho", não vai querer pagá-lo
LEI DO "NINGUÉM SABE"
O cliente nunca sabe o que quer. O arquiteto tampouco sabe o que quer o cliente. O cliente nunca entende o que quer o arquiteto. E o projeto nunca reflete o que quer o arquiteto nem o que quer o cliente
LEI DA SATISFAÇÃO
Se um cliente fica satisfeito:
a) não entendeu o projeto
b) não pagou o projeto
c) o arquiteto se enganou
LEI DA EMPREGADA DOMÉSTICA
Se o quarto de empregada está projetado para que caiba uma empregada, o apartamento é velho; caso contrário, o projeto é moderno
LEI DO ORÇAMENTO
Um orçamento nunca é cumprido. Se for, alguém cometeu um erro
LEI DO "FICOU"
Nas obras, as coisas não são feitas: elas ficam. Exemplo: "ficou torcido", "ficou curto", "ficou torto"...
LEI DO INEVITÁVEL
O último parafuso a ser colocado sempre arrebentará um cano de água

2. Qual é a sua profissão?
- Sou arquiteto
- O que o sr. faz?
- Adorno fachadas conforme as tendências da moda.
- Como assim?
- Negócios de curto prazo.
- O que vai acontecer a longo prazo?
- Todos os prédios vão ficar fora de moda.

Sobre engenheiros

1. Para o otimista, o copo está meio cheio. Para o pessimista, o copo está meio vazio. Para o engenheiro, o copo é duas vezes maior do que deveria ser.

2. Pergunte a um engenheiro: o que é um urso polar?
"É um urso retangular, depois de uma troca de coordenadas."

3. Você pode ser um engenheiro se...
  • tem uma calculadora científica e conhece TODAS as suas funções
  • já usou o AutoCAD ao projetar uma pipa para seu filho
  • diz sempre que qualquer curso não científico é fácil
  • quando uma criança de quatro anos lhe pergunta por que o céu é azul, você tenta explicar a teoria da absorção atmosférica
  • já tentou consertar alguma coisa usando elásticos, clipes de papel e fita adesiva
  • lembra de sete senhas de computador, mas não da data do aniversário da sua mãe
  • sabe qual será o sentido de rotação da água quando puxar a descarga
  • já abriu alguma coisa "só para ver como é por dentro"
  • não tem vida. E pode provar isso matematicamente
Para uso mútuo

Dois estudantes conversam no campus:
- Onde você conseguiu essa magnífica bicicleta ?
- Bem, eu estava caminhando por aí pensando em meus trabalhos, quando apareceu uma linda mulher de bicicleta. Ela atirou a bicicleta ao solo, tirou toda a roupa e disse: "Pegue o que quiser".
E outro, rápido:
- Boa escolha! A roupa não teria servido para você!

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