Revista da Folha

Morar

30/03/2007

Habitat: Modelos de arquitetos

por ALBERTO BARBOUR

Arquitetura, especialmente a doméstica, tem prazo de validade _isso você já sabia_; o problema é que ela vence cada vez mais rápido.

O próprio conceito de "morar" já foi mais perene; hoje você entra em casa e sua cozinha não está mais lá, mas no térreo, ao lado da academia de ginástica. Esse intercâmbio entre espaços domésticos e públicos não é novo, mas só hoje em dia é possível cogitar a possibilidade de entrar na própria garagem e encontrar um serviço de vallet te esperando.

Além disso, com o tempo, a casa perde ou ganha novos moradores; filhos e parentes entram e saem deixando um rastro de móveis inúteis e meias perdidas. Chega a hora de você admitir que a validade da sua casa virou pó e que precisa de um arquiteto. Resta descobrir qual.

Antes de embarcar em questões de preço, o importante é decidir que tipo de arquiteto você prefere, baseado no quanto você vai querer interferir no projeto. Saiba que a grande maioria deles se encaixa em três categorias: os clientes-de-si-mesmo, os recicláveis e os homens-catálogo.

O primeiro é auto-explicativo. Você não é o cliente, é o mecenas de um espetáculo que, na melhor hipótese, te deixam assistir. O "arquiteto-artista" acredita que o cliente só tem o direto de calar a boca e, quem sabe, vender um filho, se aquele quarto a mais colocar em risco sua obra-prima.

Muitos deles têm mesmo talento e fazem obras premiadas, motivo de sobra para você se orgulhar, enquanto derrete em seu quarto artisticamente desprovido de janelas.

Já o último é o oposto. Você é o arquiteto, e ele o contra-regra, presente para materializar qualquer desejo seu. Sua flexibilidade "estética" é insuperável: sofá zebrado de verde-amarelo, grama sintética no lavabo, pode testar que ele aceita tudo. Ou você sabe exatamente o que quer, ou é provável que sua casa se torne um showroom psicodélico.

Resta o reciclável. Reciclável porque a cada projeto ele recicla todas as idéias e ainda incorpora algumas que você tenha trazido. Se você não tiver muita noção do que quer, sem problemas; a princípio, ele também não.

Você vai ter o direto de ser escutado (e ele, claro, o de evitar erros graves) e, depois de muitas dúvidas e crises existenciais, um dia vocês chegarão juntos a uma certeza: a de que, uma vez pronto, só mesmo usando para ver se a idéia é boa.

Claro que esses três tipos acabam se cruzando; existem tanto os "artistas" que escutam quanto os "recicláveis" que se perdem em suas referências. Só o homem-catálogo não muda de idéia; muda, no máximo, de catálogo.

Complicado? Fique tranqüilo: em qualquer caso, o resultado será o que você queria: um novo lugar para morar. Pode ser uma bela e congelante escultura de concreto e vidro ou um palácio neoclássico (cada dia mais "neo" e menos "clássico") _o que, convenhamos, é normal em uma cultura que toca valsa em formatura de crianças nascidas no ano que Kurt Kobain estourou os miolos.

A alternativa mais provável é que sua casa, mesmo que inteiramente nova, seja mesmo um lugar "reciclado". Não só pelas referências garimpadas em projetos descolados, mas principalmente pelas suas próprias idéias sobre o que considera um lar.

Essa é a essência da escolha do arquiteto: não importa se você vai realmente catapultar a cozinha para o telhado ou instalar o tal ofurô na lavanderia; o que realmente conta no final é que você não gaste suas energias se digladiando com ninguém, e sim com as questões que fazem realmente a diferença para construir a sua casa.

Há três tipos de arquiteto: os clientes- de-si-mesmo, os recicláveis e os homens-catálogo

ALBERTO BARBOUR é arquiteto

FolhaShop

Digite produto
ou marca