|
Seis meses depois de sua morte, em 9 de outubro
do ano passado, João Cabral de Melo Neto começa a
receber as primeiras homenagens de peso.
Durante
a Bienal, a obra do poeta será tema de mesa-redonda com o
professor de literatura Antônio Carlos Secchin e o poeta Ivan
Junqueira (sucessor do autor de "Morte e Vida Severina"
na Academia Brasileira de Letras).
A
editora Nova Fronteira preparou também uma justa homenagem
ao escritor pernambucano. Justa porque, ao contrário da mania
nacional pelos bustos e discursos, ela se prende simplesmente à
reedição de sua obra completa, acompanhada do CD "João
Cabral por João Cabral".
As
reedições, porém, não param por aí:
saem também "Morte e Vida Severina e Outros Poemas para
Vozes" e "Idéias Fixas de João Cabral de
Melo Neto", organizado por Félix Athayde.
Enfim, uma homenagem sob medida, que faz com que o leitor reencontre
a voz (no papel e na fala) deste que se dizia um antilírico,
antimusical e "marginal da poesia luso-brasileira".
O
toque gracioso deste pacote cabralino é o CD com 20 poemas,
no qual se pode ouvir "a voz de sacristão" de Cabral,
como ele mesmo brinca na faixa "Autobiografia do Poeta",
que, mesmo não sendo um poema, pode muito bem ser ouvido
como se fosse.
Mas
por que ouvir Cabral, se a voz não ajudava e sua leitura
era quase que monocórdia? Porque, de certa forma, elas servem
de exemplo da sua própria maneira de pensar a poesia, algo
que não era para embalar, e sim para despertar; e que se
distanciava da oratória, esse vício que deixa muito
brasileiro com a boca torta. Conta-se que certa vez, Cabral, já
não podendo ler mais, pois estava cego, pediu a uma pessoa
próxima que lesse para ele seus poemas. Mas logo a interrompeu,
irritado e exclamando que a leitura estava estropiando seus versos,
que deveriam ser lidos sem nenhuma entonação interpretativa.
A
clareza do poeta chama a atenção para o próprio
desenvolvimento do poema, que se fazia a partir de uma imagem. Como
ele mesmo afirmava, "a poesia é uma composição",
"uma coisa construída, planejada, de fora para dentro".
E, ao ouvi-lo, percebe-se nitidamente esse caminho, como o de quem
descasca ao contrário uma metáfora.
O
novo CD, na verdade, pouco se difere do recentemente lançado
"João Cabral de Melo Neto por Ele Mesmo", na reedição
do histórico disco do selo Festa, gravado originalmente em
1969. Traz como atrativo, porém, a "Autobiografia do
Poeta", um depoimento marcado pelo refinado humor deste que
foi -como disse o crítico Antonio Candido- um dos maiores
poetas do século.
Heitor
Ferraz é jornalista e poeta, autor de "Resumo do Dia"
e "A Mesma Noite"
|