São Paulo, domingo, 13 de maio de 2001


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FAST FOOD

Best-seller critica lanches rápidos nos EUA; no Brasil, essa alimentação preocupa médicos

Falta de fiscalização faz da comida de rua um risco

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Na hora do almoço, paulista troca a refeição convencional por um cachorro-quente, na região dos Jardins, em São Paulo; sanduíches vendidos por ambulantes podem causar doenças alimentares


GUILHERME WERNECK
DA REPORTAGEM LOCAL

O McDonald's é o primeiro local a ser atacado em manifestações antiglobalização e alvo da maior parte das críticas em relação à padronização do gosto. Mas, no mundo todo, cada vez mais gente vai atrás do mesmo Big Mac e de batatas fritas que estabeleceram um padrão único de sabor e, por que não, de beleza.
No começo do ano, a rede americana sofreu um ataque mais contundente do que a depredação de suas lojas com a publicação do livro "Fast Food Nation" (Nação Fast Food, editora Houghton Mifflin, US$ 25), do jornalista Eric Schlosser.
A crítica de Schlosser não se limita ao McDonald's, mas a maior parte dos ataques se referem diretamente à cadeia. O McDonald's não se pronuncia a respeito do livro.
Em dois aspectos, Schlosser alimenta o medo de comer fast food: ao analisar o aumento da obesidade e a maneira como se comporta a indústria da carne nos EUA.
Desde os anos 70, as porções servidas nos restaurantes de fast food foram se tornando maiores, e uma refeição padrão sofreu um incremento calórico significativo.
Para Schlosser isso implica perda para os EUA. "Somente o gasto anual com obesidade é hoje o dobro do total de impostos recolhido pela indústria de fast food", escreve.

Os perigos da carne
Segundo o livro, no começo do século 20, o hambúrguer era considerado "comida de pobre", feito de carne podre -cheia de conservantes- e arriscado de comer. A White Castle, primeira rede americana de hambúrgueres, teve muito trabalho para tirar a imagem negativa dos sanduíches.
Hoje, o americano médio come três hambúrgueres por semana. Mas quem vê as cozinhas altamente tecnológicas com grelhas capazes de fritar hambúrgueres congelados em poucos segundos não imagina que possam existir problemas com aquela carne. A realidade é diferente.
A maior parte da produção de carne dos EUA está centralizada em 13 empresas processadoras, que passaram a trabalhar num ritmo intenso para atender às redes de fast food.
Schlosser destaca que a pouca fiscalização por parte do governo americano, mantida pelo lobby republicano, deixa essas empresas vulneráveis à contaminação, sobretudo por fezes.
Ainda hoje, estômagos e intestinos são tirados do boi à mão, num ritmo de 60 animais por hora. Se o trabalho não for bem feito, o conteúdo das tripas pode vazar sobre a carne, contaminado-a com uma série de bactérias causadoras de doenças, como a salmonela e a Listeria monocytogenes.
O maior perigo é a contaminação pelo E. coli 0157:H7, uma bactéria que, em crianças, pode levar à morte. Um único animal infectado por E. coli pode contaminar 14,5 mil quilos de carne moída numa fábrica processadora, e um único hambúrguer de um restaurante de fast food contém carne de dúzias de animais diferentes.
Para matar a bactéria, é preciso fritar a carne a uma temperatura superior a 74C. A maior parte dos restaurantes de fast food, inclusive o McDonald's no Brasil, implantaram essa rotina. Mas a fiscalização fica por conta dos funcionários.

Dieta empobrecida
Os brasileiros que trocam sua dieta tradicional pelo fast food têm de enfrentar os problemas da insegurança alimentar e da obesidade.
Uma pesquisa realizada entre 1996 e 1997, coordenada pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, revelou que a alimentação do brasileiro está cada vez mais calórica e com menos qualidade.
O professor Carlos Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP, explica que isso se dá porque a dieta baseada no fast food tem menor valor nutricional do que a considerada básica do brasileiro, que inclui arroz, feijão, vegetais frescos, frutas e produtos animais em pequenas quantidades.
Para ele, quem se alimenta de fast food corre o risco de "aumentar exageradamente a participação de gorduras prejudiciais à saúde na dieta".
Com relação à insegurança alimentar, pesa o fato de haver um grande mercado informal de alimentação. No Estado de São Paulo, a fiscalização da comida é feita pelos municípios.
Na capital, a prefeitura, responsável por fazer a inspeção alimentar, não pode fiscalizar ambulantes, uma vez que, por lei, toda a comida de rua deveria ser reprimida. Isso não acontece na prática.
Para trabalhar com uma hipótese mais realista, a atual gestão está propondo mudanças na legislação para que possa ter mais controle sobre a situação. Enquanto não há mudanças, comer na rua é um risco.
Nesse contexto, as cadeias de fast food, os bares e os restaurantes que vendem sanduíches são mais seguros.
Não existem dados concretos sobre o tamanho do mercado informal de venda de alimentos no Brasil. Mas é possível ter a dimensão do problema ao analisar um best-seller da comida de rua: o cachorro-quente.

Cachorro de rua
A grande São Paulo possui cerca de cinco mil "dogueiros" motorizados, segundo a Adamesp (Associação dos Dogueiros Autônomos Motorizados do Estado de São Paulo). E aí não se computam os carrinhos de rua.
Apenas os "dogueiros" motorizados vendem aproximadamente 50 mil cachorros-quentes por dia, segundo uma estimativa "por baixo", do presidente da Adamesp, Matusalém Mateus Gregório da Silva.
Para Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, comer cachorros-quentes nesses carrinhos que não são fiscalizados é um risco.
"A água da salsicha é um caldo de cultura de uma série de bactérias -como a salmonela, a shigela e o estafilococo- que podem causar intoxicações alimentares. O mesmo vale para a maionese", diz. "Isso sem contar os possíveis problemas com o mal cozimento da salsicha, que podem causar cisticercose ou toxiplasmose."
Ele ressalta que a armazenagem precária e a falta de higiene na manipulação dos alimentos podem originar outras doenças, como a hepatite.
A Adamesp sabe dos perigos alimentares que cercam o cachorro-quente. "Estamos buscando a regulamentação para acabar com esses problemas. Nós orientamos os associados da Adamesp no cuidado com a higiene e com a armazenagem de produtos, por meio de cursos", afirma Silva. Porém, só 1.500 "dogueiros" são associados da entidade.
Já existe uma lei em tramitação na Câmara dos Vereadores de São Paulo para regulamentar a profissão de "dogueiro" motorizado, mas, segundo Silva, o projeto está parado desde a administração Pitta.
Em matéria de alimentos de rua e segurança alimentar, contudo, ainda há muito o que regulamentar. Para um especialista no assunto, o professor da UFRJ Renato Maluf, devem ser adotadas medidas até mesmo para desestimular o consumo de fast food.
Segundo ele, uma saída seria a oferta, pelas administrações municipais, de alternativas de alimentação de qualidade e baixo preço -os chamados restaurantes populares.


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