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20/05/2003 - 10h12

Presidente do STJD diz que está desiludido com o futebol

da Folha de S.Paulo

O homem que tem o poder de decidir campeonatos, de impugnar regulamentos e de calar cartolas, técnicos e atletas se diz desiludido com o esporte que comanda.

Luiz Zveiter, 48, viúvo, não gosta de ir ao estádio. Orienta os quatro filhos a ficarem longe da violência dos campos brasileiros. Afirma ter saudade de um futebol com menos interesses comerciais.

Palco de alguns dos maiores escândalos do futebol nacional _como o caso Ivens Mendes, que escancarou a corrupção na arbitragem_ e conivente com as viradas de mesa dos últimos campeonatos, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva, órgão presidido por Zveiter, voltou à cena no início deste Brasileiro ao mudar no tapetão resultados do campo.

Com as instâncias estaduais esvaziadas pelo novo calendário e uma relação simbiótica com a toda-poderosa CBF (negada pelos dois lados), o STJD segue como um tipo de foro único do futebol.

A diferença para o passado, segundo Zveiter, é que o tribunal é outro. O juiz carioca se desculpa por viradas de mesa e diz que, na nova ordem do esporte, não há espaço para ações oportunistas.

Nesta entrevista, Zveiter promete não permitir mudança nas regras, mesmo que seu Botafogo não suba para a Série A. Refuta a fama de proteger times do Rio. E conta como deixou de ser um magistrado anônimo para agitar o esporte mais popular do país.

Folha - Como começou a ligação do senhor com o futebol?

Luiz Zveiter - Era advogado e integrava o tribunal do vôlei. Em 96, o Ricardo Teixeira me chamou. Eu não o conhecia, e o Carlos Arthur Nuzman, que presidia a Confederação de Vôlei e era meu cliente, me indicou.

Folha - O sr. costuma ir a estádio?

Zveiter - Não.

Folha - Deixa seus filhos irem?

Zveiter - Também não. Eu sou da época em que o futebol era paixão. Chorei muito no Maracanã quando o Botafogo perdeu para o Flu, em 1971. O futebol perdeu o ar desportista. Começaram os interesses financeiros, e eu me desiludi. Tem a questão da violência, a torcida agride. Fui desabituando.

Folha - Quando foi ao campo pela última vez?

Zveiter - Há uns dois anos, para ver Botafogo x Juventude.

Folha - O sr. é mais importante que muito craque em algumas decisões. Como vê isso?

Zveiter - Os grandes artistas do futebol são os atletas. Eu, os tribunais, os dirigentes tínhamos que ficar no anonimato. Somos forçados a intervir. Não sei se fazem um regulamento ambíguo de propósito. Sempre colocam umas cascas de banana para alguém poder se beneficiar. Arrumam brechas na lei, como no Paulista-03.

Folha - A culpa dos holofotes sobre o sr. é dos dirigentes?

Zveiter - Pode ser. Não são os jogadores que tumultuam. Não são eles que invadem campo. Para ressurgir, tivemos que ir ao fundo do poço. E o futebol já foi. Acho que a nova legislação deve bolar um regulamento, uma espinha dorsal para todos os campeonatos. Sempre que muda, gera descrédito. Por que os estádios estão vazios? O torcedor não acredita.

Folha - Os tribunais esportivos se reuniram pela primeira vez neste fim de semana. Em que podem contribuir para melhorar o futebol?

Zveiter - Fizemos um projeto para mudar o CBDF [Código Brasileiro Disciplinar do Futebol]. Abriremos uma cruzada antiviolência, usando imagens de TV para punir. Não é normal que um atleta entre em campo só para fazer faltas. Faz 20 e fica impune. O código, de 1985, é arcaico, feito para atender a alguns setores.

Folha - Muitos apontam que o sr. tem uma ligação umbilical com a CBF. O que diz sobre isso?

Zveiter - É uma agressão não só a mim, mas aos outros auditores. O doutor Ricardo não é meu amigo. Fui à casa dele uma vez. Tenho uma relação respeitosa com ele. Fui indicado pelo doutor Ricardo, mas não tenho vinculação a ele.

Folha - O tribunal teve participação decisiva em episódios que mancham o futebol brasileiro. No Brasileiro-97, Edmundo (Vasco) estava pendurado, tomou amarelo e foi expulso na primeira final, mas acabou liberado para pegar o Palmeiras... Não acha que a imagem do STJD é ruim?

Zveiter - Tem de perguntar aos auditores do tribunal especial, o equivalente à atual Comissão Disciplinar. Não chegou ao STJD porque não houve tempo. Julgaram o caso horas antes da partida.

Folha - Outro exemplo são as constantes viradas de mesa. A Copa JH foi feita pelos clubes. Em 1999, Fluminense e Bahia não estavam na elite. Não seria natural que eles disputassem a segunda divisão em 2001, quando o Nacional voltou para a CBF?

Zveiter - Se formos rever só os erros do passado e viver deles, não vamos progredir. Que tudo tenha servido de experiência. Os desmandos eram diferentes há cinco anos. Por que não fez naquela época? Daqui para a frente, a regra é essa. Se aconteceu, paciência, que sirva de lição. Podemos nos penitenciar de alguns equívocos, mas estamos procurando acertar. A prova é que Botafogo e Palmeiras estão na Série B. Se não subirem em campo, ficarão lá.

Folha - Muitos dirigentes têm medo de uma repetição neste Nacional do caso Gama, por causa do uso de uma regra já cassada pela CBF. Neste caso, o Inter perderia os dois pontos que ganhou no tapetão, com a punição à Ponte Preta. O sr. tem o mesmo temor?

Zveiter - Não tem caso Gama nada. Não temos medo. Até a edição da Lei Pelé, a CBF tinha poder para modificar alguns artigos do CBDF por resolução de diretoria. Até aí a CBF podia tudo. A partir de 1998, as alterações tinham que ser feitas pelo Conselho Nacional do Esporte. Tudo o que existia antes, vale. O que vem depois, não. A CBF não pode revogar nada. Por isso o STJD decidiu não punir o clube que utiliza jogador irregular com a perda de cinco pontos.

Folha - Mas, se houver brecha, os times vão ao tapetão...

Zveiter - Tem uns grupinhos de cartolas que não querem enxergar uma nova realidade no futebol brasileiro, com ética, princípio de moralidade, credibilidade. Esses podem ir à Justiça comum. Mas que fiquem advertidos. Se o fizerem, seus clubes serão prejudicados. O tribunal não comporta mais esse tipo de atitude.

Folha - Os clubes fogem da punição usando laranjas. O que garante que isso não voltará a ocorrer?

Zveiter - Qualquer pessoa pode ir à Justiça. O clube se sente prejudicado, vai a um sindicato que o representa e ganha uma liminar. Se o clube a utiliza, passa a ser beneficiário, co-autor. A CBF tem a obrigação de punir com rigor. Se no passado ela não o fez, não quero julgar questões políticas. Hoje a CBF está consciente de que não pode mais se prestar ao papel de se curvar a quem quer que seja.

Folha - Por que o STJD nunca puniu quem usou laranja? O Gama, por exemplo, foi ao PFL-DF e se valeu da liminar para ficar na elite.

Zveiter - Quem tem que responder é a CBF. É ela quem tem poder para oficiar a Fifa e pedir punição.

Folha - O que mudou de 1999 para cá no STJD que o faz ameaçar com tanta veemência quem for à Justiça comum?

Zveiter - Eu não estava no tribunal na época. Nós temos instrumentos. Determinaremos à CBF que ela oficie a Fifa. Se ela não o fizer, afastaremos sua diretoria.

Folha - O sr. já foi acusado de bairrista e de proteger os times do Rio. O escritório da família Zveiter defendeu clubes cariocas, por exemplo o Vasco no caso Dener. Não acha isso antiético?

Zveiter - Sou magistrado, o escritório segue atuando. E nunca atuei em processos do escritório. É questão de foro íntimo. Não vejo problema. É só ver quantas vezes o Vasco ganhou no tribunal. Minha vida é aberta.

Folha - Por que Armando Marques, chefe da Comissão de Arbitragem da CBF, não foi punido pela alteração da súmula de Caxias x Figueirense, pela Série B-2001?

Zveiter - Não tenho base para dizer isso. Estava ausente do país por motivos particulares. O STJD julgou e entendeu que não havia elementos para provar que ele pediu a adulteração da súmula.

Folha - Seu filho Flávio Zveiter não concluiu a faculdade de direito e, aos 19 anos, já era auditor do STJD. Não acha isso antiético?

Zveiter - Não. Ele continua lá e é um grande auditor. É só perguntar aos clubes de São Paulo. O filho do desembargador Paulo César Salomão também faz um grande trabalho. Eles têm notável saber jurídico na área esportiva. É o que basta para estar na lei. Só tive elogios. Dele e do Paulinho. Continuam e vão continuar. Tem uma coisa que tem que ser dita. Nenhum de nós recebe um tostão.

Folha - A que se deve o ato altruístico de trabalhar de graça?

Zveiter - Eu gosto do esporte. Acho que todo brasileiro que ama o esporte gostaria de ter tido a possibilidade de contribuir para sua melhoria. Nossa satisfação não passa pela remuneração.

Folha - O que se faz do dinheiro das multas impostas pelo STJD?

Zveiter - Vai tudo para a CBF. Toda a verba destinada a suprir os funcionários, o material, é pago pela entidade. Essas multas têm que ser revistas. Poderiam ser revertidas para o Fome Zero. Vamos aumentar as multas. Se mexer no bolso do atleta, ele vai pensar antes de usar a violência. Multa de R$ 30 é irrisória para quem ganha R$ 200 mil. Se colocar 50% do que ele ganha, o governo vai comprar muito leite.

Folha - O sr. teve o nome envolvido no caso do "vôo da alegria", em que foi convidado para ver a Copa-98 sem custos. Voltaria a viajar se fosse convidado?

Zveiter - Fui porque era presidente do tribunal naquela época. Fui convidado pela Fifa, não pela CBF. Não recebi favor. Mas não aceitaria outro convite.

Folha - Pretende ingressar na política, como seu irmão, Sérgio, que é secretário de Justiça do Rio?

Zveiter - Sou magistrado, não posso. E não tenho vocação.

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