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25/04/2004 - 09h27

A desconhecida saga de Ayrton Senna da Silva, um menino de capacete

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FÁBIO SEIXAS
da Folha de S.Paulo

Ayrton Senna da Silva bate os pés e grita: "Quero fazer xixi!".
O pai diz que não é hora. "Agora não. Faltam só dez minutos pra fechar a pista. Vai treinar, vai."

O menino de seis anos obedece. Senta no kart número 15 com motor afinado pelo preparador Tchê. Bate na viseira. Acelera.

Não é mais uma retrospectiva sobre a carreira do tricampeão da F-1 às vésperas dos dez anos de sua morte, em Imola. A cena aconteceu na última quarta, dia 21, em Itu, a 103 km de São Paulo.

"Deus lhe deu o dom de pilotar. Ele vai substituir o Ayrton Senna, com certeza", diz José Nilton da Silva, 54, empresário de Paulínia, próximo a Itu, fanático por automobilismo. "Quando ele morreu, prometi que, se tivesse um filho homem, daria o nome dele."

O filho de José Nilton, Ayrton Senna da Silva, nasceu em Campinas em 1º de dezembro de 1997.

Não é o único. Promessa idêntica foi feita no norte do Estado.
Um ano e meio antes, em 10 de julho de 1996, em São José do Rio Preto, a 440 km da capital, nasceu Ayrton Senna da Silva. "Quando aconteceu o acidente, imaginei que, se casasse e Deus me desse um filho, seu nome seria Ayrton Senna", diz Aparecido da Silva, 53, comerciante de Sertãozinho.

Em comum, além de nome e sobrenome, os meninos respondem pelo apelido de Senninha, personagem lançado pelo piloto e que hoje é marca do Instituto Ayrton Senna. Pilotam karts. E, na visão dos pais, são futuros heróis da F-1. Para eles, é só questão de tempo.

O Senninha mais velho, que vive em Sertãozinho, começou aos cinco, em um torneio regional. Em 2003, aos sete, foi o terceiro na categoria cadete --até 12 anos.

"Ele tem talento, ele sabe as manhas. É como o Senna. Na escola, corre o tempo todo. Até o cabelo dele é ruim, igualzinho ao do campeão", afirma Aparecido.

O mais novo começou no kart aos quatro e já conseguiu resultados. Em 2003, venceu em Itu na categoria baby (4 a 7 anos). Neste ano, está também na cadete.

"Tudo indica que o Senninha vai ser igual ao Senna. A primeira palavra que falou não foi papai nem mamãe. Foi carro", declara a mãe, Rose Pinto, que, como o pai, só chama o filho de Senninha.

Os dois têm rotinas pouco comuns para crianças de sua idade.
Na última quarta, feriado e garoa. Pouco antes das 8h, um Gol todo adesivado com fotos do garoto chega ao kartódromo de Itu. "Com a gente não tem essa de feriado, não. Aproveitamos para treinar", proclama José Nilton.

Segundo ele, um grupo de empresários ofereceu R$ 350 mil no ano passado por um contrato de longo prazo, recusado. Logo depois, fechou patrocínio com uma rede de postos de gasolina da região. A empresa paga R$ 25 mil por mês. "Coloco R$ 5.000 na poupança do Senninha e uso o resto para investir nele", explica.

O próximo passo, de acordo com José Nilton, é comprar um microônibus e seguir o rumo do colega de Sertãozinho, que promove na região de Ribeirão Preto o evento "Senna Super Show".

A variedade de atrações é grande. Todas idealizadas pelo pai.
"A gente vai para as cidades da região, e o Senninha faz sucesso. Ele leva as crianças pra andar de minibuggy, anda só em duas rodas, dá cavalo de pau, corre de ré... Agora, nós vamos começar a ensaiar salto sobre rampa e a passagem por uma barreira de fogo", conta Aparecido, que não revela quanto recebe das prefeituras pelos shows --só ressalta que são arrecadados alimentos e roupas.

Especialistas criticam a postura dos pais de igualar os filhos a um ídolo do país, campeão da F-1.

"Dar aos filhos um nome famoso é até comum. O problema é transferir para os filhos um sonho deles. Se, até agora, os meninos respondem bem, isso não significa que serão campeões. Se eles não conseguirem, podem virar adultos frustrados", diz a pedagoga Maria Angela Carneiro, do Núcleo de Cultura, Estudos e Pesquisas do Brincar da PUC-SP.

Para o psicanalista Flávio Carvalho Ferraz, o problema começa já no nome. "Quando um pai define um nome, mesmo inconscientemente, já está traçando um projeto para a criança. O peso do nome Senna é muito grande. O sentimento de um eventual fracasso, no futuro, será proporcional."
Na conversa, em Itu, José Nilton tenta escapar pela tangente.

"Se ele não virar piloto, se ele decidir ser médico ou engenheiro, não vou ficar decepcionado. Mas sei que ele não vai mudar de idéia", afirma o empresário, cuja firma presta serviços de limpeza para a Prefeitura de Paulínia --cujo prefeito é padrinho e dono da rede que paga o menino.

No material promocional da criança, porém, o discurso é diferente: "É possível nascer um novo Ayrton Senna da Silva? A resposta está sendo dada (...) O clone do tricampeão mundial iniciou sua carreira em janeiro de 2002".

O uso da marca Ayrton Senna não parece ser problema. Respaldado pelo nome do filho, José Nilton já abriu a Ayrton Senna Competições Automobilísticas Ltda. Em Sertãozinho, Aparecido comanda a Asenna, loja de lingerie.

Falta as crianças falarem

O de Sertãozinho conversou pelo telefone com a reportagem. "Vou ser piloto, quero isso da vida. Quero cobrir a vaga que o Senna deixou na F-1", declarou.

Em Itu, o menino que vive em Paulínia sentou-se numa mureta da pista e desandou a falar. "Quando crescer, quero ser piloto de F-1. Vou chegar lá daqui a 12 anos e vou ser 14 vezes campeão. Já capotei aqui e rezo todo dia para que Deus me proteja para que eu nunca me machuque no kart."
 

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