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O casamento entre o cinema e a história


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Computadores reconstroem o Coliseu em "Gladiador", do diretor Ridley Scott
JOÃO BONTURI *
especial para o Fovest Online

O cinema está dentro de casa. A diversão é garantida através do videocassete ou do DVD. Incremente esse clima, selecionando entre as comédias, aventuras e romances, filmes que, além do passatempo, ajudem a compreender a história, a geografia e a literatura.

Escolhendo o filme

Consulte professores, pais, parentes e amigos para que lhe forneçam algumas opções. Antes da era do vídeo, as pessoas iam constantemente ao cinema e se recordam dos filmes marcantes; pesquise os títulos levantados utilizando um guia atualizado de filmes em videocassete, que em geral pode ser consultado nas videolocadoras; leia a(s) sinopse(s) sobre o(s) filme(s) disponível(eis) relativo(s) ao período que você deseja estudar, pegue o que mais lhe agradar, prepare o seu saco de pipocas, sente-se confortavelmente em frente à TV, de preferência num horário em que os pais ou irmãos não vão disputá-la. Só não vale dormir durante a sessão.

A lição de História

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Estudo sobre costumes de época foi obsessão em "O Leopardo", de Lucchino Visconti
O filme histórico serve para aproximá-lo do acontecimento, dos personagens, dos problemas que formam o seu argumento. Esta aproximação será naturalmente mais acertada em função da seriedade, do respeito histórico, do propósito com o qual o filme foi realizado.

Existem filmes de reconstituição histórica, que podem ser vistos da mesma maneira tal qual se lê um livro, no qual o diretor assume o papel de historiador. Um exemplo é o italiano Lucchino Visconti, diretor, entre outros filmes, de "O Leopardo" , "Ludwig, o Último Rei da Baviera" e "Os Deuses Malditos"; ele levava os atores aos museus, para verem quadros de época e aprenderem através deles a gesticulação e a postura para as cenas; em "O Leopardo", passou os figurantes em revista, para ver se todos tinham os tipos físicos compatíveis; se as cenas exigiam copos ou xícaras, só admitia fazer com peças legítimas do século 19, sem uso de imitações.

Há também os filmes classificados como ficção histórica, que abordam uma passagem, ou se baseiam em personagens históricos, com a finalidade de narrar acontecimentos do passado, porém centrado sob um enfoque menos rigoroso, pendendo para o legendário e novelesco. O clássico "E o vento levou..." é o modelo desse ramo.

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"Spartacus", com Kirk Douglas (centro) foi combatido pelo macartismo nos EUA
Até chegar à tela, um fato histórico pode ter percorrido um longo caminho. Por exemplo, Spartacus foi um escravo que liderou uma revolta em Roma, entre 73 a 71 a.C.; sobre essa revolta manifestaram-se vários historiadores desde os romanos até os contemporâneos; um escritor, Howard Fast, criou o romance "Spartacus" e finalmente o ator Kirk Douglas comprou os direitos do romance para a sua adaptação ao cinema, que foi feita pelo roteirista Dalton Trumbo e filmada sob a direção de Stanley Kubrick. Esses degraus sugerem uma série de interrogações:

a) Como foi o fato histórico em si, narrado por cronistas da época e qual(is) a(s) análise(s) do(s) historiador(s)? O diretor do filme apresenta as coisas de modo dramático, visual e direto, portanto escolhe um único caminho, que vai para a tela sob três pontos de vista: o onisciente, o protagonista e o antagonista.

b) O mesmo fato contado por um romance histórico ou peça teatral, envolve diálogos. Neste ponto, houve a inclusão de personagens fictícios? Como eles se comportam?

c) Um romance ou uma peça teatral baseados num fato histórico passam por uma adaptação pelo roteirista do filme, que reescreve os diálogos. Neste ponto, houve a inclusão ou retirada de personagens fictícios? Como eles se comportam?

Cinema e poder

Um filme pode ser conveniente ou inconveniente a um regime político. Quando os governos perceberam o poder do cinema, logo quiseram utilizar ou controlar a indústria cinematográfica. O estalinismo na antiga URSS e o macartismo nos EUA foram os melhores exemplos. Isso sugere questões de outra ordem:

a) A história das filmagens, o "making-of". Houve, nessa última fase, acréscimos ou cortes ao filme, durante a montagem? O roteiro foi alterado em função de críticas ou da censura do país em que o filme foi feito?

b) Quando o filme foi distribuído internacionalmente, houve interferência da censura em algum país? O filme foi proibido em um ou vários países? Quais as razões das proibições?

c) A montagem apresentada foi definitiva, ou posteriormente foram acrescentadas ou retiradas cenas?

Através desses degraus pode-se separar não só a realidade possível da ficção criada na tela, mas detectar a alteração das características dos personagens, do roteiro e da montagem do filme.

Para compreender o filme, anote as seqüências, estabeleça a hierarquia entre elas, daí retire a idéia principal. Um filme não é montado necessariamente em uma seqüência cronológica, e a narrativa pode passear por vários momentos históricos e de envolvimento direto ou indireto dos personagens dentro deles.

Alguns títulos básicos

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Mais do que um romance, "Casablanca" mostra uma visão sobre a 2ª Guerra Mundial
Um filme essencial para ser visto é "1900" (Novecento), de Bernardo Bertolucci, aluno de Pasolini e Fellini, no qual o diretor busca resumir a história da primeira metade do século 20, a partir da história de um camponês e seu patrão, e como as relações entre eles vão se modificando no decorrer do tempo. Antes que o historiador Eric Hobsbawn afirmasse que o século 20 foi caracterizado pela luta entre o Capitalismo e o Socialismo, Bertolucci o fez através do cinema.

Para sentir o clima da Segunda Guerra Mundial, não é preciso ver as cenas realistas de "O Resgate do Soldado Ryan". Assista ao clássico "Casablanca", de Michael Curtiz, com um elenco composto por atores de várias nacionalidades que, por si sós, simbolizam os povos em conflito; a guerra é vista através dos freqüentadores de um bar, o "Rick's" , onde você tem as músicas, do tema romântico "As Time Goes By" à "La Marseillaise", o hino nacional francês; a luta pela fuga para a liberdade entre Victor Laszlo e o oficial nazista; a corrupção e o arrependimento patriótico do capitão Renault, e o triângulo amoroso entre Rick Blaine, Ilsa Lund, e Victor Laszlo.

Com relação à Antigüidade Clássica, veja "Spartacus", dirigido por um Stanley Kubrick jovem, com Kirk Douglas, no papel título e também como produtor do filme. Os bastidores saborosos estão em "O Filho do Trapeiro", autobiografia de Kirk Douglas. Além de muita ação e cenas brilhantes de lutas e batalhas, o filme foi combatido pelo macartismo reinante na política americana dos anos 50, mas aplaudido pelo então presidente Kennedy e um grande sucesso de público na U.R.S.S., em pleno auge da Guerra Fria, durante a Crise dos Mísseis. O filme se baseia na revolta liderada pelo escravo Spartacus, contra o Estado romano, em 73 a.C., época da crise da República Romana, na qual a luta dos generais pelo poder era clara nas figuras de Júlio César, Crassus e de uma oposição política sem forças, liderada por Gracus, um personagem histórico fictício. Quando o filme fez trinta anos, em 1990, os tempos já eram outros; foram incluídas cenas, na época censuradas, que insinuavam relações homossexuais entre o fictício Antoninus e o poderoso general Crassus, dando portanto um outro caráter a essas duas figuras.

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"Joana D'arc", com Milla Jovovic, remonta o interesse pela história das mulheres
Sobre a Idade Média há um leque interessante, que vai desde a genial comédia "O Incrível Exército de Brancaleone", de Mario Monicelli, com Vittorio Gassman, uma sátira baseada em crônicas medievais; passa pelo realismo de "O Leão no Inverno", de Anthony Harvey, com um elenco superstar que inclui Peter O'Toole, Katherine Hepburn, como Henrique 2º e Eleonora de Aquitânia, e um jovem Anthony Hopkins como Ricardo Coração de Leão, futuro rei da Inglaterra, e Timothy Dalton, depois Agente 007, como Felipe 2º, o "Augusto, rei da França", e chega ao romance histórico "O Nome da Rosa", escrito por Umberto Eco e filmado por Jean-Jacques Annaud, com o charme de Sean Connery no papel de William of Baskerville; o recente interesse pela história das mulheres recria "Joana D'Arc", na visão de Luc Besson, com Milla Jovovich, no papel-título.

Acerca da Idade Moderna podem ser apontados "Elizabeth", de Shekar Kapur, com Cate Blanchett; "Giordano Bruno", de Giuliano Montaldo, com Gian Maria Volonté, mostrando o processo e as torturas aos quais foi submetido o filósofo, queimado vivo pela Inquisição em 1600; o divertido "O Rei Pasmado e a Rainha Nua", dirigido por Imanol Uribe, com Gabino Diego e Laura del Sol, ficção sobre um rei espanhol do século 17, que após ver uma prostituta nua, exigiu que a rainha assim para ele se exibisse; um padre fanático leva o caso à Inquisição e por aí a história corre saborosa; "Amadeus", de Milos Forman, com Tom Hulce no papel do compositor Mozart e F. Murray Abraham como o invejoso Salieri, sobre os últimos anos da vida de Mozart, tendo como pano de fundo o despotismo esclarecido do imperador José 2º, da Áustria, e as intrigas entre os partidários do absolutismo tradicional e os adeptos das idéias iluministas.

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Tom Hulce interpreta Mozart. Despotismo esclarecido é o pano de fundo para "Amadeus"
Fechando essa época , a Revolução Francesa é abordada em "Danton, o Processo da Revolução", do polonês Wajda, com Gérard Depardieu no papel título, numa visão democrática e pessoal do diretor, sobre o líder jacobino guilhotinado no período do Terror, e também em "Casanova e a Revolução" ou "A Noite de Varennes" (existem os dois títulos em português para o mesmo filme), de Ettore Scola, com Marcello Mastroianni como Casanova, o célebre conquistador, então envelhecido, durante uma ficção criada em torno da fuga do rei Luís 16 e sua prisão em Varennes, fato capital para explicar uma derrapagem e radicalização do processo revolucionário.

Bem, esse pacote encerra uma filmografia básica aplicada à História Geral. O Cinema Brasileiro é um capítulo à parte. Agora, não espere pela véspera da prova; fique antenado nos lançamentos dos filmes, tanto no cinema quanto nas videolocadoras, e aprenda se divertindo.


* JOÃO BONTURI é professor de história do colégio Singular e do cursinho Singular-Anglo. Escreva para o professor.


Danton
Baseado na peça teatral "O Caso Danton" (1929), de Stanislawa Przybyszewska, é centrado nas figuras de Robespierre e Danton, líderes jacobinos que se desentendem diante dos rumos da Revolução Francesa (1789 - 1799). Leia mais

O Coração Patriótico
Têm razão aqueles que comparam "O Patriota", de Roland Emmerich, a "Coração Valente". Não se trata da só da presença de Mel Gibson nos dois, mas sim da estrutura do filme, uma fórmula clássica da literatura romântica, muito anterior à invenção do cinema. Leia mais

Gladiador, o ciberépico
"Gladiador", de Ridley Scott, tem a fórmula certa para uma grande bilheteria: o herói ‘do bem‘, que arrasa quarteirões, a mulher instigadora e sedutora, o jovem imperador ‘do mal‘, um velho imperador fisicamente debilitado e duas crianças, uma crucificada e a outra ameaçada em todos os momentos. Leia mais
 

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