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Coração Patriótico

"O Patriota" expõe rivalidades históricas


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Martin (Mel Gibson) leva o filho Gabriel (Heath Ledger) à guerra
JOÃO BONTURI *
especial para o Fovest Online

Têm razão aqueles que comparam "O Patriota" a "Coração Valente". Não se trata da só da presença de Mel Gibson nos dois, mas sim da estrutura do filme, uma fórmula clássica da literatura romântica, muito anterior à invenção do cinema. Apresentando a narrativa e os personagens igualmente lineares, sem flash backs nem elipses.

O filme tem como pano de fundo a Revolução Americana. De acordo com o produtor Mark Gordon, ela não é o tema central da trama. Portanto, o filme pode ser digerido com facilidade pelos norte-americanos, familiarizados com a sua história, mas não por aqueles que pretendiam ou gostariam de aprendê-la através dele.

Fatos como a Guerra Contra os Franceses e Índios, a convocação de Martin para uma assembléia, a questão jurídica sobre o direito do Parlamento inglês decretar impostos sobre as colônias, a existência da pequena e média propriedade trabalhada por um casal e seus filhos, e a ética calvinista não têm paralelo na história brasileira, induzindo o espectador a acreditar que os colonos são anjos, e os ingleses terríveis vilões, nazistas de farda vermelha. Portanto, cuidado!

Sob o ponto de vista da História, o filme é o elemento provocador da discussão. Nas palavras grifadas abaixo, são colocados subsídios para você entender melhor o pano de fundo encoberto pelas peripécias de Benjamin "The Ghost" Martin.

O idílio

O início é um idílio de contentamento calmo e harmonioso, que conquista a simpatia do espectador. Acompanhando a chegada de um carteiro, é mostrada a propriedade de Benjamin Martin (Mel Gibson), um herói da "guerra contra os franceses e índios", denominação aplicada nas colônias daquela época para a Guerra dos Sete Anos. Na fazenda, os filhos Gabriel (Heath Ledger), Thomas (Gregory Smith), Samuel (Bryan Chafin), Nathan (Trevor Morgan) e o pequeno William (Logan Lerman) se empenham no trabalho, com a colaboração de um punhado de negros livres. Ao anoitecer, Gabriel e Thomas esperam ansiosamente a autorização do pai para abrir a correspondência, cujas notícias os levarão a Charles Town.

Na cidade, vão à casa de Charlotte Selton (Joely Richardson), cunhada de Martin. Ambos são viúvos, e desde o princípio rola a atração entre eles. Gabriel, o filho mais velho, também se aproxima de Anne (Lisa Brenner), filha do comerciante Peter Howard (Joey D. Vieira), com a qual se casará. O amor ficaria para depois, pois a cena se transfere para a Assembléia, onde se discute a entrada da Carolina do Sul na guerra pela independência. O clima é tenso, e os impostos são o objeto das queixas. Martin discursa sob um ponto de vista pacifista e conservador; Gabriel o contraria, alistando-se no exército.

A ameaça ao idílio: o bad boy

Na fazenda de Martin, Gabriel aparece ferido; a propriedade é invadida pelas tropas inglesas comandadas pelo coronel Tavington (Jason Isaacs) que se transforma no arquiinimigo de Martin. O espectador se emociona, sai da posição relaxada, e aguarda o início da vingança. Numa cena rocambolesca, Martin liberta Gabriel, então condenado à morte por Tavington, e se alista nas milícias. Para o recrutamento, treinamento e ação, Martin recebe o auxílio do Major Jean Villeneuve (Tchéky Karyo), do exército francês.

A eliminação dos obstáculos e o triunfo do bem

Benjamin Martin promove tentativas heróicas para reverter a situação. Entre escaramuças, reviravoltas e batalhas, o filme evidencia a informalidade dos norte-americanos em contraste com a rigidez hierárquica dos ingleses representada pelo General Cornwallis (Tom Willkinson).. No happy end a independência dos E.U.A. se consuma, e Martin reconstitui a idílica situação inicial... E assim, foram felizes para sempre...

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Detalhes cruentos retratam violência das batalhas
Sangue na tela

Muitos críticos e espectadores reclamam dos detalhes cruentos de diversas cenas. Os antigos filmes de ação e aventura dispensam essa morbidez, mas a história real, contemporânea à época da ação do filme, é de ampliação da violência.

A independência dos Estados Unidos (1776), também tratada como Revolução Americana, e a Revolução Francesa, iniciada em 1789, não são lutas pela mera posse de territórios, mas sim conflitos estruturais, que respectivamente abrem a crise do sistema colonial mercantilista, e o colapso do "Antigo Regime" como um todo.

Os defensores da velha economia e os aristocratas resistem em seu canto de cisne até o último suspiro. Por sua vez, os revolucionários devolvem na mesma moeda. Os versos do atual hino nacional francês, "A Marselhesa", na época escritos para uma marcha militar, demonstram uma agressividade sem precedentes. No início do século 19, quando os franceses invadem a Espanha, Goya retrata magistralmente os momentos cruciais do sofrimento dos combatentes.

Para atenuar a questão da violência, o herói hesita entre a cruz, visualizada pelo espectador ao fundo do acampamento da milícia no pântano, e a espada. De comum acordo com o Reverendo Oliver (Rene Auberjonois), Martin deixa de promover execuções sumárias nas suas ações, deixando a falta de ética para Tavington.

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Fardas dos ingleses ficaram mais vermelhas para criar contraste
Um visual caprichado

A figurinista Deborah L. Scott, observou obras de Copley e Gainsborough, pintores ingleses do século 18, e também consultou o Smithsonian Institution, que possui trajes autênticos da época. As fardas dos soldados sofreram poucas modificações; apenas a do regimento de Tavington, os "Dragões Verdes", foi redesenhada com predomínio do vermelho, para identificá-los na tela mais precisamente como ingleses.

* JOÃO BONTURI é professor de história do colégio Singular e do cursinho Singular-Anglo. Escreva para o professor.


 

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