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02/11/2000
-
16h16
da Folha de S.Paulo
As comédias dos irmãos Coen às vezes lembram os filmes de Almodóvar: remetem a um imaginário existente, que trabalham meio à moda dos escultores _desfiguram o original à medida mesmo que o evocam.
Com isso, estamos às voltas, se a operação é bem-sucedida, com algo de novo, mas nunca perdemos a lembrança do antigo.
Em "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?", essa operação é dupla: trata-se de partir da "Odisséia", de Homero, ao narrar a longa volta ao lar de um presidiário, Ulysses (George Clooney). Ele foge de uma prisão do Mississippi, durante a Depressão dos anos 30, acompanhado de dois colegas (John Turturro e Tim Blake Nelson), em busca de um suposto tesouro enterrado num local que, dentro de dias, será inundado para dar lugar a uma represa.
Estamos às voltas, portanto, com uma saga de vários braços _os presidiários, o Sul, a Depressão_, o que convém a esse tipo de operação. Estamos às voltas, também, com um perigo que, durante certo tempo, rondou os filmes de Almodóvar: ao evocar certo tipo de narrativa tradicional, transfigurando-a e transformando-a em comédia, corre-se o risco da inconsequência, de o espectador, ao final de tudo, perguntar-se: muito bem, mas e daí?
Almodóvar safou-se dessa nos últimos tempos, colocando o humor em surdina e abraçando decididamente o melodrama. Porque esse tipo de humor dá ao autor a sensação de superioridade em relação ao passado evocado.
Daí, também, o sentimento de inconsequência: não é por ser presente que o tempo presente e sua maneira de sentir as coisas tornam-se melhor que o passado. Cada momento é fechado em si, possui sua verdade intransferível.
Joel Coen, diretor, e Ethan, seu co-roteirista e produtor, parecem estar, neste filme, em um estágio intermediário: não renunciam à tradição que pretendem renovar (e que alimenta sua ficção) nem aderem a ela de todo.
Talvez por isso, o que há de mais interessante em "E Aí, Meu Irmão" venha justamente da reconstituição de um tempo histórico. São as músicas, os rostos e os lugares mostrados que criam o encanto para que as aventuras dos atores se tornem aceitáveis.
Se algumas sequências são muito fortes, como a da entrada de Baby Face Nelson, clássico facínora, ou a do ritual da Ku Klux Klan, existem inúmeros momentos, no entanto, em que somos soterrados por signos. Se certas imagens dão bem idéia dessa tendência confortável a desacreditar das coisas, o filme tem, por outro lado, um belo faro para reviravoltas e momentos em que as coisas conseguem impor sua verdade a este filme nem sempre convincente, mas, no todo, agradável.
Irmãos Coen reconstituem 'Odisséia' nos anos 30
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As comédias dos irmãos Coen às vezes lembram os filmes de Almodóvar: remetem a um imaginário existente, que trabalham meio à moda dos escultores _desfiguram o original à medida mesmo que o evocam.
Com isso, estamos às voltas, se a operação é bem-sucedida, com algo de novo, mas nunca perdemos a lembrança do antigo.
Em "E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?", essa operação é dupla: trata-se de partir da "Odisséia", de Homero, ao narrar a longa volta ao lar de um presidiário, Ulysses (George Clooney). Ele foge de uma prisão do Mississippi, durante a Depressão dos anos 30, acompanhado de dois colegas (John Turturro e Tim Blake Nelson), em busca de um suposto tesouro enterrado num local que, dentro de dias, será inundado para dar lugar a uma represa.
Estamos às voltas, portanto, com uma saga de vários braços _os presidiários, o Sul, a Depressão_, o que convém a esse tipo de operação. Estamos às voltas, também, com um perigo que, durante certo tempo, rondou os filmes de Almodóvar: ao evocar certo tipo de narrativa tradicional, transfigurando-a e transformando-a em comédia, corre-se o risco da inconsequência, de o espectador, ao final de tudo, perguntar-se: muito bem, mas e daí?
Almodóvar safou-se dessa nos últimos tempos, colocando o humor em surdina e abraçando decididamente o melodrama. Porque esse tipo de humor dá ao autor a sensação de superioridade em relação ao passado evocado.
Daí, também, o sentimento de inconsequência: não é por ser presente que o tempo presente e sua maneira de sentir as coisas tornam-se melhor que o passado. Cada momento é fechado em si, possui sua verdade intransferível.
Joel Coen, diretor, e Ethan, seu co-roteirista e produtor, parecem estar, neste filme, em um estágio intermediário: não renunciam à tradição que pretendem renovar (e que alimenta sua ficção) nem aderem a ela de todo.
Talvez por isso, o que há de mais interessante em "E Aí, Meu Irmão" venha justamente da reconstituição de um tempo histórico. São as músicas, os rostos e os lugares mostrados que criam o encanto para que as aventuras dos atores se tornem aceitáveis.
Se algumas sequências são muito fortes, como a da entrada de Baby Face Nelson, clássico facínora, ou a do ritual da Ku Klux Klan, existem inúmeros momentos, no entanto, em que somos soterrados por signos. Se certas imagens dão bem idéia dessa tendência confortável a desacreditar das coisas, o filme tem, por outro lado, um belo faro para reviravoltas e momentos em que as coisas conseguem impor sua verdade a este filme nem sempre convincente, mas, no todo, agradável.
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