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20/04/2001
-
04h33
INÁCIO ARAUJO, da Folha de S.Paulo
O nome nouvelle vague (onda nova) não veio do cinema, mas do jornalismo, e designava a rápida mudança de costumes que se esboçava na França na segunda metade dos anos 50.
O que o cinema fez foi, de certa forma, cristalizar essa onda jovem, que apontava para uma oposição clara entre o mundo dos adultos e o dos jovens.
Nesse sentido, "Os Incompreendidos" talvez seja o filme que melhor representa a primeira fase da nouvelle vague.
Em primeiro lugar, porque marcava a estréia no longa-metragem de François Truffaut, o mais polêmico dos jovens críticos franceses da época, que desde o início da década invectivavam o cinema do realismo psicológico que, segundo eles, representava o triunfo acabado do academismo.
Em segundo lugar, porque esse filme rompeu a barreira da "classe cinematográfica" francesa para ser o primeiro filme da nova corrente a representar a França no Festival de Cannes (o que na época era bem importante).
Por fim, porque o filme de Truffaut tratava justamente do conflito entre pais e filhos, alunos e professores, instituições e luta pela liberdade.
Tratar é uma palavra leve. Na verdade, Truffaut promoveu um terrível acerto de contas com sua infância, já que seu trabalho é em larga medida autobiográfico. Essa infância é digna de romance: a fraqueza do pai, o desinteresse da mãe, a incompreensão dos mestres, a paixão pelo cinema, as grandes amizades, o flerte com a marginalidade. Tudo isso que está no filme aconteceu.
Mas não é o fato de ter acontecido que lhe confere um interesse que permanece atual até hoje (aliás, é um desses filmes que podem ser recomendados com entusiasmo a qualquer adolescente).
Antes disso, é a absoluta ausência de rancor em relação a fatos doloridos. Truffaut vinha embuído do gosto pelos clássicos do cinema americano e não estava disposto a dar vazão a nenhuma profundidade, a nenhum estudo sobre a dor de crescer ou sobre o que há de inóspito no mundo.
Truffaut evita a ênfase na dor, para depositá-la, ao invés, no imenso humor que certas situações dramáticas propiciam (por exemplo: a sequência em que o retrato de Balzac pega fogo).
Humor não significa que Truffaut quisesse fazer piada disso. Trata-se de uma maneira de olhar as coisas pela ótica do que acontece e não de elucubrações intelectualizantes. Portanto, de observar que em cada fato, por mais dramático, existe humor.
Truffaut aprendera com o cinema americano, assim como o coloquialismo, a necessidade de observar o mundo sem a mediação de um aparato intelectual. Antes de ser bom ou mau, o mundo é o que é -postulado realista que cada um dos fundadores da nouvelle vague desenvolveria à sua maneira e que não vinha apenas dos americanos, mas, sobretudo, da teoria realista de André Bazin.
É preciso acentuar esse aspecto porque hoje Truffaut tornou-se um nome de referência associado com frequência a um cinema complacente ou omisso em relação justamente à realidade (sua mais recente discípula é Sandra Werneck, de "Amores Possíveis", o que beira o risível).
O cinema de Truffaut foi comercial até o fim de sua vida -no sentido mais elevado dessa palavra. Seu desejo de falar a um público amplo nunca se confundiu com a necessidade de agradar o espectador.
"Os Incompreendidos" é um filme inteiramente bem-sucedido. Um clássico moderno, que fala da infância e da juventude com uma pertinência certeira.
Os Incompreendidos
Les Quatre Cents Coups
Direção: François Truffaut
Produção: França, 1959
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc
"Os Incompreendidos" é clássico moderno com pertinência certeira
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O nome nouvelle vague (onda nova) não veio do cinema, mas do jornalismo, e designava a rápida mudança de costumes que se esboçava na França na segunda metade dos anos 50.
O que o cinema fez foi, de certa forma, cristalizar essa onda jovem, que apontava para uma oposição clara entre o mundo dos adultos e o dos jovens.
Nesse sentido, "Os Incompreendidos" talvez seja o filme que melhor representa a primeira fase da nouvelle vague.
Em primeiro lugar, porque marcava a estréia no longa-metragem de François Truffaut, o mais polêmico dos jovens críticos franceses da época, que desde o início da década invectivavam o cinema do realismo psicológico que, segundo eles, representava o triunfo acabado do academismo.
Em segundo lugar, porque esse filme rompeu a barreira da "classe cinematográfica" francesa para ser o primeiro filme da nova corrente a representar a França no Festival de Cannes (o que na época era bem importante).
Por fim, porque o filme de Truffaut tratava justamente do conflito entre pais e filhos, alunos e professores, instituições e luta pela liberdade.
Tratar é uma palavra leve. Na verdade, Truffaut promoveu um terrível acerto de contas com sua infância, já que seu trabalho é em larga medida autobiográfico. Essa infância é digna de romance: a fraqueza do pai, o desinteresse da mãe, a incompreensão dos mestres, a paixão pelo cinema, as grandes amizades, o flerte com a marginalidade. Tudo isso que está no filme aconteceu.
Mas não é o fato de ter acontecido que lhe confere um interesse que permanece atual até hoje (aliás, é um desses filmes que podem ser recomendados com entusiasmo a qualquer adolescente).
Antes disso, é a absoluta ausência de rancor em relação a fatos doloridos. Truffaut vinha embuído do gosto pelos clássicos do cinema americano e não estava disposto a dar vazão a nenhuma profundidade, a nenhum estudo sobre a dor de crescer ou sobre o que há de inóspito no mundo.
Truffaut evita a ênfase na dor, para depositá-la, ao invés, no imenso humor que certas situações dramáticas propiciam (por exemplo: a sequência em que o retrato de Balzac pega fogo).
Humor não significa que Truffaut quisesse fazer piada disso. Trata-se de uma maneira de olhar as coisas pela ótica do que acontece e não de elucubrações intelectualizantes. Portanto, de observar que em cada fato, por mais dramático, existe humor.
Truffaut aprendera com o cinema americano, assim como o coloquialismo, a necessidade de observar o mundo sem a mediação de um aparato intelectual. Antes de ser bom ou mau, o mundo é o que é -postulado realista que cada um dos fundadores da nouvelle vague desenvolveria à sua maneira e que não vinha apenas dos americanos, mas, sobretudo, da teoria realista de André Bazin.
É preciso acentuar esse aspecto porque hoje Truffaut tornou-se um nome de referência associado com frequência a um cinema complacente ou omisso em relação justamente à realidade (sua mais recente discípula é Sandra Werneck, de "Amores Possíveis", o que beira o risível).
O cinema de Truffaut foi comercial até o fim de sua vida -no sentido mais elevado dessa palavra. Seu desejo de falar a um público amplo nunca se confundiu com a necessidade de agradar o espectador.
"Os Incompreendidos" é um filme inteiramente bem-sucedido. Um clássico moderno, que fala da infância e da juventude com uma pertinência certeira.
Os Incompreendidos
Les Quatre Cents Coups
Direção: François Truffaut
Produção: França, 1959
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc
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