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22/05/2001 - 04h27

Música: Podem não ser do primeiro time, mas merecem ser ouvidos

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EDSON FRANCO
da Folha de S.Paulo

Eles não são do primeiro time. Não vieram ao mundo com a missão de ajudar o jazz a pisar em terrenos inexplorados. Apesar disso, merecem ser ouvidos, pois, além de terem desenvolvido uma abordagem própria do estilo, colaboram com classe para a sedimentação da criação alheia. A gravadora Trama está lançando uma dúzia de CDs reunindo músicos que se encaixam na definição acima.

Red Norvo, Earl "Fatha" Hines, Joe Farrell e Chick Webb não são os primeiros nomes que vêm à cabeça quando o assunto é, respectivamente, o vibrafone, o piano, o saxofone tenor e as big bands no jazz. Mas os títulos que estão chegando ao mercado nacional provam que seria um pecado relegá-los às trevas do esquecimento.

Mas, antes dos CDs, vale uma explicação. A Trama está trazendo álbuns lançados nos EUA pela Drive Archive, gravadora especializada em adquirir e recolocar no mercado títulos de selos que tiveram seus tempos de glória, mas que a história fez por torná-los obscuros. Mesmo entre fãs fervorosos de jazz é difícil encontrar algum familiarizado com nomes como Alamac Records, TKO, SDEG, Rondo-Lette e RealTime.

Esses selos davam emprego para músicos de talento reconhecido por todos, exceto pelos empresários da RCA Victor, Verve, Prestige, Blue Note, Atlantic, Columbia e outras gigantes do registro jazzístico.

Um desses "desempregados", o baterista John Dentz, conseguiu da RealTime a oportunidade de gravar seu primeiro CD como líder. Convocou amigos com quem já havia tocado. O baixista Andy Simpkins, o saxofonista Ernie Watts e o pianista Chick Corea. Assim nasceu "Four Tune", o melhor título do pacote.

Antes de ser relançado, esse disco tinha cópias disputadas nos sebos. Ao ouvi-lo, fica fácil entender o porquê. Depois de tanta experimentação com o free jazz e o fusion, Corea e Watts apostam na simplicidade para dar destaque às melodias. O esmero técnico só entra em campo quando necessário. Exímio baterista, Dentz entrou para a história do jazz com esse disco. Após a gravação, ele resolveu fazer jus ao nome e passou a trabalhar em um laboratório dentário, tocando eventualmente.

O caráter de documento histórico é o que dá sustentação à maioria dos títulos lançados. O mais importante deles é "Standing Tall", que registra duas apresentações no rádio da orquestra do baterista e band leader Chick Webb, em fevereiro e maio de 1939.

Em relação aos discos perpetrados pela orquestra em estúdio, nota-se aqui que a empolgação responde por uma leve aceleração das músicas, elevando o poder dançante e dando a Webb a chance de revelar seu talento para executar passagens na bateria com a velocidade da luz. Em compensação, Ella Fitzgerald, no auge do frescor vocal, viu diminuídos os espaços para seus floreios. Mesmo assim, ela não emite nenhum som que seja menos que soberbo.

Um degrau abaixo no quesito importância está "Honor Thy Fatha", um dos últimos registros do pianista Earl Hines e o primeiro que ele gravou direto no acetato. Ele passeia pelos pianos de Thelonious Monk, Fats Waller, Horace Silver e Joe Zawinul. Apesar de visitar vários estilos, o resultado é puro Hines.

Sempre convivendo com a sombra onipresente de Lionel Hampton, o vibrafonista Red Norvo mostra em "Good Vibes" que, tecnicamente, ele não devia nada ao mestre. O problema é que ele não sabia muito bem para onde direcionar seu talento. Meio atordoado com o fim da era de ouro do swing, ele junta um octeto para tentar soar diferente das big bands e criar algo novo. Não consegue nem uma coisa nem outra.

Nos títulos capitaneados por saxofonistas, o pacote traz duas situações conflitantes entre si. "Darn That Dream" põe uma pulga na orelha do ouvinte. Como um saxofonista tão competente como Joe Farrell não é louvado como um deus do instrumento?

Baseado apenas em "Flipped", é legítimo questionar o culto ao talento de Stanley Turrentine para fundir o jazz com pop, rhythm and blues e soul. Diluído, seu sopro parece sair de um amador esforçado. Em outros álbuns,
ele daria razões para o culto. Principalmente em "Wonderland" -disco de 86 totalmente dedicado à obra de Stevie Wonder- e "Common Touch" -trabalho de 68 em que Turrentine opera o milagre de tornar a dylanesca "Blowin" in the Wind" melodicamente interessante.

Se, acostumado a Count Basie e Duke Ellington, você torce o nariz para a idéia de músicos brancos liderando big bands, o pacote traz dois títulos que manterão as suas narinas fora de prumo.

"On Your Toes", de Bunny Berigan, e "Ain't We Got Fun", dos irmãos Les e Larry Elgart, são discos possíveis de acompanhar com o estalar dos dedos -primeiro mandamento do swing-, mas não há ali a centelha que espouca a dança ou qualquer traço que torne inesquecível e indissociável o som dessas big bands.

No caso de Berigan, é uma pena, pois, apesar de não ter conseguido manter a sua banda a léguas do obscurantismo, ele foi, entre 1935 e 1939, um dos mais notáveis trompetistas do jazz. Seus principais concorrentes na época atendiam pelos nomes de Louis Armstrong e Roy Eldrige.

Só o fato de, nos anos 20, cantoras como Bessie Smith serem admiradas tanto por jazzistas como por blueseiros pode justificar a inclusão de "Mighty Tight Woman", da vocalista Sippie Wallace, no pacote. Se era para mostrar os cruzamentos de blues e jazz, seria bom ter escolhido um álbum gravado por alguém que não estivesse tentando lustrar, no final dos anos 60, um brilho perdido havia quase 40 anos.

Fecham o pacote três coletâneas. Duas dedicadas a big bands -"Swing-Dance Volume One" e "Swing-Dance Volume Two"- e uma só com saxofonistas -"Tenor Men". Em comum, elas trazem nomes fundamentais do jazz em gravações que raramente são as que entraram para a eternidade. Com uma ou outra exceção, as faixas não cumprem a principal função de coletâneas como essas: a de estimular o ouvinte a partir para explorações mais profundas.
 

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