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24/05/2001 - 04h52

Alcântara Machado ganha obras completas, biografia e exposição

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RODRIGO MOURA
da Folha de S.Paulo

Desde que surgiu no meio da orquestra modernista de renovação literária, um tanto tardiamente, em 1925, com as crônicas de viagem de "Pathé Baby", o escritor paulistano António de Alcântara Machado não parou de ser considerado por seus pares como figura central no movimento.

Nos dez anos que separam sua estréia em livro de sua morte prematura, colecionou adjetivos e críticas que poucos prosadores igualaram. Sua ficção de estilo enxuto, calcada no modo de falar do imigrante italiano de São Paulo, foi examinada pelos principais analistas do primeiro momento modernista.

A despeito da fama em vida, o alcance de seu trabalho estacionou no tempo. Com a intenção de tirar do gueto a obra do autor de "Brás, Bexiga e Barra Funda", cujo centenário de nascimento é comemorado amanhã, está sendo montada uma verdadeira operação de guerra.

Por trás dela, está o cientista social Djalma Cavalcante, que coordena, a partir do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros da USP), uma equipe de pesquisadores ávidos por lançar o autor nos braços de quem há muito tempo está separado: o público leitor.

Entre as frentes de batalha, duas ganham as prateleiras a partir do segundo semestre. A organização, pela primeira vez, de suas obras completas, em sete volumes, numa co-edição entre Studio Nobel, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e IEB, e uma biografia escrita pelo próprio Cavalcante, "António... Paulistano e Brasileiro", ainda sem editora.

Uma megaexposição, programada para acontecer em setembro no Memorial do Imigrante, completa a linha de frente, com hologramas e reconstituições de época para atrair o público para o universo do autor.

Na retaguarda, há ainda o lançamento popular de suas obras de ficção pela editora Ática, um projeto com contadores de história em itinerância por 500 escolas da Grande São Paulo encenando seus contos e um seminário percorrendo 12 universidades brasileiras, a começar pela USP, a partir de agosto.

"Ao contrário de outros colegas de modernismo, António não teve como divulgar seu trabalho. Acho que o momento é agora. Existe um clima de nacionalismo no qual cabe um herói anônimo, como são seus personagens", aposta Cavalcante. Para o pesquisador, os motivos para o ocaso de sua obra passam, necessariamente, por sua peculiar biografia.

Aristocrata de berço, Alcântara Machado se dividiu com igual paixão entre jornalismo, literatura e política. A morte prematura, a marginalização social de sua figura pública a reboque de um relacionamento afetivo interdito com uma mulher mais velha e o engajamento com o movimento constitucionalista de 1932 contribuem, segundo Cavalcante, para seu processo de isolamento literário nos últimos anos de vida.

"Isso em um contexto no qual a presença do autor era essencial na divulgação de seu trabalho".

Depois de sua morte, em 1935, vítima de um apêndice supurado, a irradiação de sua obra emperra. "Quando sai "Mana Maria" [romance publicado postumamente em 1936], ele surge numa época em que estavam saindo romances importantíssimos da segunda fase do regionalismo." Pela primeira vez, se frustra a tentativa de restauração de sua obra.

Há outras tentativas, nunca com o sucesso almejado. "Em 1940, saem as crônicas de "Cavaquinho e Saxofone". Aí é a pouca penetração do gênero que impede o sucesso", diz Cavalcante.

No início dos anos 60, o volume "Novelas Paulistanas" é publicado, reunindo sua produção ficcional. "O momento, mais uma vez, não é propício. É quando entram com força no Brasil a literatura engajada, o existencialismo, os beats. Não havia espaço para um regionalismo paulistano".

É nessa fase que a obra do autor começa a se infiltrar no ambiente acadêmico, habitat ao qual está mais ou menos restrita até agora. Data dessa década e da seguinte o início do trabalho pioneiro da pesquisadora Cecília de Lara, que primeiramente se debruçou sobre os textos de ficção, cotejando suas versões em jornal e livro para uma tese de livre-docência.

A professora se depara então com outra face do multiforme autor: a de crítico teatral. Desdobra as descobertas no livro "De Pirandello a Piolim" (1987), no qual advoga para Alcântara Machado o título de "crítico teatral que faltava ao modernismo", muito por causa de ensaios publicados sob o pseudônimo de J.J. de Sá.

Entre as propostas que levantou do ideário do crítico e teórico de teatro, ressalta a importância dada à encenação e à busca de uma dramaturgia com temática brasileira apoiada em técnicas de ponta européias, notadamente de Pirandello, autor de sua predileção.

"Ele foi um precursor. Só a partir dos anos 40 vão acontecendo os movimentos que ele reivindicava nos seus textos".

O próprio Alcântara Machado se dedicou à dramaturgia em dois textos esparsos, "A Ceia dos Não-Convidados" e "O Nortista" (este publicado em jornal), que saem pela primeira vez em livro nestas edições de suas obras completas.

Curiosamente, Cecília, atualmente "mergulhada" no trabalho de organização dos textos para publicação, não enxerga na produção dramatúrgica a mesma força que vê no crítico e prosador. "Ele tinha muita cultura teórica, mas não acertou".

O ficcionista, no entanto, continua carente de interpretações de fôlego mais atualizadas. O crítico Davi Arrigucci Jr. endossa a idéia. "Seria necessário ver como a produção resiste hoje, pois há praticamente só textos de época".

Esperançoso dos frutos de seu trabalho de divulgação, Djalma Cavalcante aposta: "Em dez anos teremos respostas para essa pergunta".
 

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