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24/05/2001 - 20h58

Na literatura, Hosmany Ramos pede liberdade e revisão do código penal

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MARCELO BARTOLOMEI
enviado especial ao Rio de Janeiro

Condenado a 21 anos, seis meses e 20 dias de prisão por ter cometido homicídio, roubo e tráfico de drogas, o cirurgião plástico Hosmany Ramos, 56, volta neste ano ao mercado editorial com "Pavilhão 9 - Paixão e Morte no Carandiru", livro em que, nas entrelinhas, pede liberdade, revisão de penas e do sistema carcerário.

Reprodução
Capa de "Pavilhão 9"
"Eu não estou denunciando o sistema penitenciário, alguém está entendendo mal. Traço no livro algumas coisas para esclarecer determinados assuntos em relação ao sistema penal", disse em uma videoconferência realizada na quarta-feira, dia 24, transmitida via satélite da penitenciária de Araraquara, onde está preso, para um auditório da 10ª Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro. Ramos não obteve autorização da Justiça para ir, mesmo que algemado, à Bienal.

Vestindo um agasalho do Corinthians -seu "time do coração" depois que deixou o Rio, onde era flamenguista- o preso mostrou estar em boa forma intelectual: citou clássicos da literatura, autores franceses e norte-americanos e também expôs suas idéias sobre o sistema prisional, além de opinar sobre política e corrupção.

Trajetória

Para quem não lembra, o cirurgião plástico Hosmany Ramos foi preso em 1981.

Joel Silva - 19.abr.2001
O cirurgião Hosmany Ramos,
na prisão de Araraquara
Ele foi condenado pelas mortes da mulher e de um aviador, além de ter cometido crimes como roubos de carros e aviões, tráfico de drogas e contrabando. Já fugiu mais de 11 vezes da prisão e participou de um sequestro em Minas Gerais depois de não ter retornado à cadeia em época de indulto.

No entanto, Hosmany Ramos diz estar "salvo" graças à literatura. O livro que ele lança na Bienal do Livro foi escrito em 1995 e traz uma reunião de contos com detalhes de sua vida e histórias que ouviu de outros presos durante os 18 anos em que perambulou de presídio em presídio do Estado.

Ramos despencou do glamour das festas da sociedade carioca -na época em que foi assistente do cirurgião Ivo Pitanguy- e dos títulos e honras para o obscuro mundo das prisões. Sabe qual sua justificativa? "Era o destino, eu era predestinado a chegar a este ponto que cheguei. Algumas pessoas têm de experimentar várias coisas na vida", disse.

Em "Pavilhão 9", Hosmany faz, logo no terceiro conto ("Escrito no Tarô", pág. 31), um dos capítulos que acha mais autobiográficos. Um médico conhece uma vidente que lhe diz que ele será preso, mas dará a volta por cima. "Eu desacreditei, mas hoje estou chegando à conclusão de que isso está acontecendo. Eu escrevi esse conto em 1995. Naquela época, eu ainda não havia recebido a proposta da Gallimard [editora francesa que publica livros de Jean-Paul Sartre e Albert Camus]. As coisas estão se encaixando."

"Volta por cima"

A "volta por cima" do cirurgião plástico começou com a publicação de sucesso do livro "Marginália" na França. E a partir daí, passou a se dedicar à literatura: já tem outros quatro livros depois de "Pavilhão 9".

Na prisão, ele lê. "É difícil encontrar alguém que leu o tanto que eu li. Aliás, eu reli, não somente li. Sou o único elemento que já leu a 'Enciclopédia Britânica' duas vezes, de A a Z. A grande riqueza do preso é o tempo. Você perde a liberdade, mas ganha o tempo. A grande riqueza do homem é o tempo, não é dinheiro, carros importados, mansões maravilhosas e sucesso", afirmou. Segundo Hosmany Ramos, o sistema prisional paulista tem ótimas bibliotecas. "Transformei o sofrimento da prisão em aprendizado."

Cadeia

Em "Pavilhão 9", segundo o cirurgião plástico, a intenção é mostrar à sociedade que o sistema carcerário é injusto. "O certo seria fazer um mutirão em todos os presídios e colocar em liberdade os presos que efetivamente merecem liberdade porque já cumpriram suas penas ou, por mérito de trabalhos dentro da prisão, merecem uma oportunidade", disse.

Segundo Ramos, metade dos presos deixaria as prisões e, com isso, o governo estadual poderia esvaziar os Distritos Policiais, que estão superlotados. Para ele, o dinheiro investido no sistema penitenciário poderia ser destinado à educação. "Vi na TV uma escola do interior de São Paulo onde a criança tem de andar 20 km para ir à escola. Eu falo como intelectual, como escritor. Se amanhã a Comissão de Direitos Humanos da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] visitar cada presídio e conversar com cada um em particular vai concluir que a metade dos presos merece estar em liberdade. Grande número de vagas será dispensada e o Estado levará vantagem com isso. É bobagem gastar dinheiro em sistema penal."

"No meu caso particular, acredito que se houvesse mérito prisional eu não estaria na prisão", afirmou o cirurgião plástico, que já cumpriu 18 anos de sua pena e reclama o período em que ficou na prisão, já que, segundo ele, a lei previa que cumprisse apenas um sexto do período, o que equivale a quase quatro anos.

Liberdade

Hosmany Ramos teve uma oportunidade desperdiçada. Ele ganharia a liberdade em 96, se não tivesse fugido durante um indulto de Natal e voltado ao crime.

"Quando eu saí da cadeia, saí revoltado. O conto 'Samurai do Asfalto' mostra exatamente o que eu gostaria de ter feito por causa da sacanagem que fizeram comigo. Meu filho não pode frequentar a universidade porque eu estava preso e não tinha condições de trabalho para pagar a faculdade dele. É por isso que eu faço essa caminhada, para que as pessoas, se tenham mérito prisional, sejam soltas da cadeia antes que fiquem revoltadas. A pior coisa do mundo é o preso sair revoltado. A primeira coisa que ele quer fazer é comprar uma arma e descontar nas pessoas porque ele cumpriu uma pena acima do que a lei determina. Não tenho nenhum interesse em criticar. Meu caso está aqui. Pretendo escrever um outro livro falando tudo isso."

Em "Samurai do Asfalto" (pág. 91), ele conta a história de um preso que saiu da cadeia com "sede" de vingança: matou o juiz, o delegado, as testemunhas e todas as pessoas que colaboraram para que ele fosse preso.

Futuro

Hosmany Ramos não quer voltar a exercer sua profissão. Segundo ele, quando deixar a cadeia irá ganhar dinheiro com literatura. "Eu não perdi a minha família, como a maioria dos presos, mas estou apaixonado pela literatura e não pretendo constituir uma família novamente, farei parte da família do meu filho, que me deu uma neta, e quero me dedicar a esta arte que salvou minha vida. Vou persistir na literatura pelo resto de vida que eu tenho, enquanto tiver saúde", afirmou o médico.

O cirurgião disse que só volta à medicina se for para se engajar em um projeto para fazer cirurgias gratuitas em crianças com problemas físicos. Ele também pretende fazer uma campanha para modificar o sistema prisional. "Tem de ter mecanismos de reintegração social e recuperação do preso. Todo trabalho que for possível vir para a prisão é bem-vindo."

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