Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
30/05/2001 - 03h45

Artistas atacam instalações de arquitetos na mostra 50 anos da Bienal

Publicidade

MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo

É um lixo. Patética. Amadora. Constrangedora. O zunzunzum começou logo na abertura da mostra sobre os 50 anos da Bienal, na última quarta-feira. Os adjetivos eram sussurrados, como se as pessoas não acreditassem no que estavam vendo. O que elas estavam vendo era uma tentativa de mesclar arte, arquitetura e design para debater o caos das cidades.

O alvo dos comentários eram as instalações criadas por arquitetos e designers. Não eram exatamente instalações porque não propunham embate estético algum; pareciam ilustrações. Se a idéia é discutir o descaminho das cidades, está lá um trilho de trem descarrilhado. Guerra urbana? Ergue-se uma trincheira. Favelização? Está lá uma favelinha de brinquedo.

"Fiquei meio desconcertado. O que aquilo tem a ver com a Bienal? Achei uma coisa descabida", diz José Resende, artista plástico e professor aposentado da USP.

"Foi a pior exposição que vi na Bienal. Parece o Hopi Hari", compara a escultora Márcia Pastore.

Aguinaldo Farias, professor de história da arte e de arquitetura da Faculdade de Arquitetura da USP em São Carlos, diz que a idéia de misturar arte, arquitetura e design é "estimulante", mas o resultado revela a pobreza do debate arquitetônico no Brasil.

O arquiteto Carlos Bratke, presidente da Fundação Bienal, diz que discussão era tudo o que ele queria. Mas não concorda com as críticas aos arquitetos, "sinal de preconceito", como ele define na entrevista a seguir:

Folha - Patética, constrangedora e amadora foram adjetivos que ouvi na abertura da mostra dos 50 anos da Bienal. O que deu errado?
Carlos Bratke -
Não deu nada errado. É uma experiência. Estamos muito preocupados com a 25ª Bienal. Vamos lidar com um tema que diz respeito a toda sociedade: a urbanidade. Foi muito importante ter feito uma exposição multidisciplinar porque você vê como a arquitetura, o design e as artes plásticas reagiriam ao tema. Na 25ª Bienal, não vamos fazer só mais uma exposição de qualidade, mas que trate da questão urbana, o problema mais candente que a humanidade atravessa.

Folha - Essa mostra é um rascunho da próxima Bienal?
Bratke -
Não é um aperitivo. É como soltar um balão de ensaio.

Folha - O sr. não acha que a participação de arquitetos e designers foi muito escolar, ingênua?
Bratke -
Essa é uma idéia preconceituosa. Existem trabalhos de artistas que não são tão maduros. Essas pessoas não tiveram a oportunidade de ver a última Bienal de Arquitetura de Veneza, onde os arquitetos fizeram instalações com críticas às cidades. A instalação dos trilhos é uma crítica sutil ao descaminho das cidades.

Folha - Não seria pueril demais?
Bratke -
Acho que é simplória, é muito fácil de entender. Mas é uma das instalações em que o visitante mais identifica o problema das cidades. Todas as TVs filmam essa instalação.

Folha - A idéia era fazer uma mostra para aparecer na TV?
Bratke -
Do ponto de vista da crítica, é um erro medir o sucesso de uma obra pelo sucesso que ela faz na TV. Só que eu acho que a Bienal é entretenimento também.

Folha - O sr. considera que arquitetura e design são arte?
Bratke -
Essa é uma discussão que tem 20 mil anos. Mas acho que sim. Se você encara artes visuais como uma maneira de transmitir uma crítica, um pensamento, é difícil encaixar arquitetura e design. Mas, do ponto de vista mais amplo, arquitetura e design são artes utilitárias. Arquitetura sem arte é construção.

Folha - De onde viria o preconceito contra arquitetos e designers?
Bratke -
Acho que é coisa de reserva de mercado, não dos artistas, mas da periferia das artes: curadores, críticos. Os arquitetos não estavam lá para fazer coisas vendáveis. É sinal de preconceito, é quase xenofobia.

Folha - Por que misturar arte, design e arquitetura?
Bratke -
Era uma idéia romântica: como é que o Ciccillo [Matarazzo" faria hoje uma Bienal? Como ele mesclou artes visuais, cenografia e teatro nas primeiras bienais, decidimos incluir arquitetura porque ela esteve presente em algumas bienais de arte. Eu, inicialmente, imaginava que arquitetos levariam obras que já tivessem feito ou projetos.

Folha - Não é um equívoco convidar arquitetos e designers para criar instalações?
Bratke -
A Bienal de Veneza de arquitetura abriu um caminho fantástico para os arquitetos, as instalações. Na época gótica, você não conseguia diferenciar quem era o arquiteto, quem era o artista, quem era o escultor. Todos faziam tudo. Hoje, sinto que é preciso integrar arte, arquitetura e design. Não sou o pai da criança, não sou curador, mas no mundo inteiro estão fazendo esse esforço.

Folha - Por que a exposição é tão criticada?
Bratke -
O que está havendo é um espanto porque é uma exposição completamente nova. O pessoal que critica está extremamente velho e preconceituoso.

Folha - Mas o sr. mesmo disse que há trabalhos primários dos arquitetos e designers.
Bratke -
Mas há também dos artistas, coisas extremamente fúteis.

Folha - O sr. se considera artista?
Bratke -
Considero. Minha formação é de artista. Estudei artes plásticas, participei da 9ª Bienal, fiz exposições individuais e, depois, percebi que a arquitetura era um universo muito mais denso do que as artes plásticas porque incorpora outros conhecimentos que desafiam a gente: física, estática, a questão da utilidade, do custo, o desafio social.

Folha - O sr. não teme que essa mistura seja vista como uma espécie de vale-tudo?
Bratke -
Os designers e os arquitetos da exposição fizeram universidade. Não peguei gente da rua e disse: "Você vai bolar aí...". Muitos estudaram história da arte. O arquiteto estuda seriamente, às vezes mais do que o artista, que conta só com o talento.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página