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01/07/2000 - 03h12

Filme "Mater Dei" mostra calvário de cineastas trapalhões

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MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha de S.Paulo

Já ouviu falar daquele cineasta que vai de mesa em mesa em busca de patrocínio, que faz acordos escusos e até muda o roteiro do filme para mimar o investidor?

Essa é a história de alguns cineastas e também a de "Mater Dei", roteirizado pelo escritor Diogo Mainardi ("Polígono das Secas", "Contra o Brasil"), dirigido pelo seu irmão, Vinícius Mainardi, e ainda sem data de estréia.

A dupla, que já havia realizado "Dezesseis Zero Sessenta", em 1995, inspirou-se nela mesma para criar os personagens Diogo (Dan Filip) e Vini (Gabriel Braga). O segundo disputa o amor de Maria (Carolina Ferraz, que é co-produtora do filme).

As gravações (o filme foi gravado em vídeo e depois será transformado em película) aconteceram em junho e duraram três semanas _começaram no dia 3 e terminaram no último dia 24.

Os personagens querem fazer um longa e aceitam qualquer parada. Então, vão captar dinheiro com uma espécie de gângster (Celso Frateschi), um sujeitinho de quinta envolvido no superfaturamento da obra de um tribunal.

Vini se apaixona por Maria, mulher do gângster. "A gente se conhece quando eu vomito nele", explica Ferraz. Maria está grávida e fica sabendo que seu filho será oferecido a uma família rival, para ser sacrificado. "Fico sabendo da situação e vou ajudá-la", diz Gabriel Braga.

"O acordo é inquestionável, pois tem sua lógica. É mais sensato sacrificar o recém-nascido do que continuar a história de guerra entre duas famílias, que ficam tentando convencer a pobrezinha a doar seu filho", explica Diogo.

Existe uma guerra entre duas famílias. Uma forma de selar a paz é entregar o filho de Maria, que será esquartejado, à família inimiga, para ressarcir uma dívida. Paralelamente, dois irmãos se envolvem no pacto, pois estão em reuniões com o marido mal-intencionado de Maria, investidor que dará o dinheiro para um longa.

"Eles são os caras mais incompetentes. O Diogo é um mau-caráter e seu irmão é um palerma. O Diogo só pensa em grana e ainda entrega o irmão para o inimigo. No filme, a gente piorou o nosso caráter, mas melhorou o nosso aspecto físico", brinca Diogo.

"Sou mesmo um palerma, tenho 43 anos e ainda sou pobre. Mas, no filme, nós somos lindos", diz Vinícius.

O roteiro é fruto do calvário de Vinícius Mainardi, que ficou cinco anos tentando arrumar dinheiro para dois projetos; um deles, baseado em um conto de Machado de Assis, "Pai contra Mãe". A trama de fundo é inspirada num trecho do livro "Polígono das Secas" (Companhia das Letras).

"É uma história de uma página e meia de meu livro, com duas famílias nordestinas em guerra. Sempre soube que era uma das coisas minhas que poderiam virar um filme. Mas isso é pano de fundo. O filme mesmo é sobre dois patetas que tentam fazer um longa", diz Diogo.

Pergunto se o filme retrata picaretagens de parte do cinema brasileiro. "As que eu conheço, sim. Os caras são mais espertos do que eu conheço. Tem muito orçamento milionário. No cinema nacional, todo mundo é rico", debocha Diogo.

Os personagens de "Mater Dei" pedem R$ 1 milhão ao investidor e prometem devolver R$ 500 mil. "O roteirista Diogo manipula o irmão, tem o desejo e a fantasia da grana, e o outro tem o desejo e a fantasia do cinema. Como nós, eles já tinham feito um filme, que havia sido um tremendo fracasso comercial", resume Diogo.

Financiamento

Diferentemente do modelo atual de cinema, que usa recursos de leis de incentivo, os irmãos Mainardi autofinanciam seus filmes. Foi assim com "Dezesseis Zero Sessenta", está sendo assim com "Mater Dei", orçado em R$ 100 mil (sem contar o cachê dos atores) e locado em casas de amigos.

"Depois de cinco anos de Lei do Audiovisual, tramóias e falcatruas do cinema, descobrimos que o nosso filme, que é independente, é o único jeito de fazer cinema no Brasil. Vamos gastar R$ 100 mil, pensando em arrecadar R$ 200 mil. A maioria gasta R$ 1,5 milhão e não arrecada", diz Diogo.

Na ponta do lápis, as explicações parecem razoáveis. Mas como explicar o fracasso comercial do primeiro longa?

"A gente ficou com uma má fama na imprensa. Acho que o fato de termos autofinanciado o filme, em 1995, foi quase ofensivo para os críticos", conta Diogo.

"Reunimos toda a grana que tínhamos. Era dinheiro da mãe, do meu irmão, que fez propaganda. A gente tem fama de 'filhinho de papai'. Todos acham que somos bem mais ricos", completa Diogo.

Internet
"Mater Dei" será pós-produzido no estúdio Mega, no Brasil. Tom Zé foi convidado para a trilha. As cenas estão sendo gravadas com duas câmeras. Em muitos momentos, duas imagens aparecerão na tela. A câmera é fixa. Não há gruas ou trilhos. O motivo tem um nome: Internet.

"A Internet abomina movimento de câmera. Pensamos em deixar no gatilho, para depois lançarmos pela Internet. Vi alguns filmes do John Ford. Ele não fazia movimento de câmera. Ele se recusava, como os antigos cineastas japoneses", conta Vinícius.

"A estética da câmera parada torna a história mais transparente, porque o filtro, que é o ponto de vista do diretor, não fica tão determinante", diz Gabriel Braga.

Os Mainardi fizeram um acordo com a Fábrica, instituição cultural da empresa italiana Benetton, para a criação de um site dedicado ao cinema alternativo brasileiro.

"Queremos estimular a produção de material barato. Os filmes vão gerar conteúdo e terão seriados cômicos, no formato da Internet; câmera parada e episódios de cinco minutos. Vamos tentar encontrar a linguagem desse meio novo", diz Diogo.

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