Publicidade
Publicidade
23/02/2002
-
04h58
CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo
No último dia 23 o refinado ambiente literário britânico viveu mais um feitiço digno de Harry Potter. Desta vez, porém, não foi por "abracadabras" do jovem mago best-seller de J.K. Rowling.
A bruxaria ficou por conta de Philip Pullman, pacato escritor de 56 anos que abocanhou pela primeira vez na história o prestigiado Prêmio Whitbread com uma obra infanto-juvenil.
Criada em 1971, a honraria literária e seus cheques de R$ 170 mil sempre ficaram com romances adultos, poesia e minguados ensaios. Pullman dissolveu a barreira com "A Luneta Âmbar", último volume de sua trilogia "Fronteiras do Universo", recém-publicado no Brasil pela Objetiva.
Mais "Senhor dos Anéis" do que "Harry Potter", o trabalho destila um universo fantástico em uma história de uma jornada a "mundo úmido e cinzento".
Em entrevista à Folha, de sua casa, em Oxford (onde escreve com caneta e papel), Pullman explica porque suas "magias" são realistas, comenta "fenômenos" recentes da ficção infanto-juvenil e diz que não existe só preconceito contra literatura para crianças, mas sim com as próprias crianças.
Folha - O jornal britânico "The Guardian" escreveu que o sr. é uma espécie de mago e que ganhar o prestigiado Prêmio Whitbread com um livro infanto-juvenil, como o do sr., é quase feitiçaria. O sr. usou mesmo alguma poção mágica?
Philip Pullman - Eu não creio que seja um mágico. Mas quase isso. Sou um contador de histórias. Os contadores dão vida a algo que não existia até então. Transportam pessoas a lugares que elas não podiam ir antes. Mas confesso que ganhar o Whitbread teve, sim, algo de fantástico. Nunca tinha pensado nessa possibilidade.
Folha - A sueca Astrid Lindberg, considerada uma das grandes autoras infanto-juvenis de todos os tempos, morreu há poucas semanas sem ter vencido o Nobel. Existe hoje algum autor infantil em condições de receber o prêmio?
Pullman - Creio que nunca um autor infantil venceu o Nobel, o que é uma injustiça. Astrid Lindberg era qualificada para isso.
Folha - O sr. acredita que exista preconceito com relação a autores infantis ou infanto-juvenis?
Pullman - Acho que existe preconceito com crianças. Creio que os adultos imaginam que elas não são muito inteligentes ou capazes de entender coisas complicadas. Tudo o que envolve crianças é observado com um certo desdém. Professores de crianças não são valorizados profissionalmente. A pediatria, por exemplo, não é vista como uma das melhores especialidades dentro da medicina. O mais positivo de ter ganhado o Whitbread com um livro infanto-juvenil foi uma reconsideração das crianças como leitoras. Eu acho que elas podem ler livros complicados e com sutilezas.
Folha - E como fazer um livro complicado e dirigido a crianças?
Pullman - O principal é manter a história no centro. Se você conta uma história interessante, com personagens que sejam do agrado da criança e acontecimentos com um mínimo de suspense, todos vão virar a página. Crianças podem entender qualquer coisa que estiver em formato de história.
Folha - O sr. já disse que não faz "fantasia pura", mas realismo.
Pullman - Eu disse isso para retrucar os que me carimbam como um fantasista. É claro que sei que em meus livros há muito de fantasia, que não existem na realidade fadas voadoras. O que tentava dizer é que busco fazer algo com a história equivalente ao que tradicionalmente foi feito pela ficção realista, e não pela fantástica. E isso é dizer algo verdadeiro sobre como é estar vivo, sobre quais os sentimentos de um ser humano, sobre como é crescer, ver pessoas que você ama morrer, sentir os primeiros impulsos sexuais.
Folha - Como o sr. relaciona o fenômeno Harry Potter com o sucesso comercial de seus livros?
Pullman - J. K. Rowling, a autora de "Harry Potter", está fazendo um trabalho fantástico. Ela está fazendo milhões de crianças de todo o planeta lerem histórias.
Eu já havia escrito muitos livros e meu primeiro volume da série "Fronteiras do Universo" saiu um pouco antes do primeiro "Harry Potter". O nosso sucesso, porém, foi simultâneo. E devo dizer que "Harry Potter" me ajudou. Havia alguém mais estimulando o interesse do jovens. Eles terminavam os livros da série de Rowling e começavam os meus.
Folha - O sr. acha que o renascimento de "O Senhor dos Anéis" passa pela mesma rota?
Pullman - É muito interessante esse fato, não? Acho que o livro ganhou muito interesse por conta do filme, mas já vendia bem há 50 anos. É um dos romances mais influentes do século 20. O filme não faz feio. É um trabalho bastante bom, filmado com beleza, com ótimas cenas de ação.
Folha - Seus livros virarão filme?
Pullman - Os direitos foram vendidos para uma grande companhia americana, a Scholastic. Eles estão na fase de reuniões. É incrível a quantidade de reuniões por trás de um filme. Não quero me envolver. Escrevi a história e ponto. Agora vou é fazer outra.
"Mago" ganha topo literário inglês com obra juvenil
Publicidade
da Folha de S.Paulo
No último dia 23 o refinado ambiente literário britânico viveu mais um feitiço digno de Harry Potter. Desta vez, porém, não foi por "abracadabras" do jovem mago best-seller de J.K. Rowling.
A bruxaria ficou por conta de Philip Pullman, pacato escritor de 56 anos que abocanhou pela primeira vez na história o prestigiado Prêmio Whitbread com uma obra infanto-juvenil.
Criada em 1971, a honraria literária e seus cheques de R$ 170 mil sempre ficaram com romances adultos, poesia e minguados ensaios. Pullman dissolveu a barreira com "A Luneta Âmbar", último volume de sua trilogia "Fronteiras do Universo", recém-publicado no Brasil pela Objetiva.
Mais "Senhor dos Anéis" do que "Harry Potter", o trabalho destila um universo fantástico em uma história de uma jornada a "mundo úmido e cinzento".
Em entrevista à Folha, de sua casa, em Oxford (onde escreve com caneta e papel), Pullman explica porque suas "magias" são realistas, comenta "fenômenos" recentes da ficção infanto-juvenil e diz que não existe só preconceito contra literatura para crianças, mas sim com as próprias crianças.
Folha - O jornal britânico "The Guardian" escreveu que o sr. é uma espécie de mago e que ganhar o prestigiado Prêmio Whitbread com um livro infanto-juvenil, como o do sr., é quase feitiçaria. O sr. usou mesmo alguma poção mágica?
Philip Pullman - Eu não creio que seja um mágico. Mas quase isso. Sou um contador de histórias. Os contadores dão vida a algo que não existia até então. Transportam pessoas a lugares que elas não podiam ir antes. Mas confesso que ganhar o Whitbread teve, sim, algo de fantástico. Nunca tinha pensado nessa possibilidade.
Folha - A sueca Astrid Lindberg, considerada uma das grandes autoras infanto-juvenis de todos os tempos, morreu há poucas semanas sem ter vencido o Nobel. Existe hoje algum autor infantil em condições de receber o prêmio?
Pullman - Creio que nunca um autor infantil venceu o Nobel, o que é uma injustiça. Astrid Lindberg era qualificada para isso.
Folha - O sr. acredita que exista preconceito com relação a autores infantis ou infanto-juvenis?
Pullman - Acho que existe preconceito com crianças. Creio que os adultos imaginam que elas não são muito inteligentes ou capazes de entender coisas complicadas. Tudo o que envolve crianças é observado com um certo desdém. Professores de crianças não são valorizados profissionalmente. A pediatria, por exemplo, não é vista como uma das melhores especialidades dentro da medicina. O mais positivo de ter ganhado o Whitbread com um livro infanto-juvenil foi uma reconsideração das crianças como leitoras. Eu acho que elas podem ler livros complicados e com sutilezas.
Folha - E como fazer um livro complicado e dirigido a crianças?
Pullman - O principal é manter a história no centro. Se você conta uma história interessante, com personagens que sejam do agrado da criança e acontecimentos com um mínimo de suspense, todos vão virar a página. Crianças podem entender qualquer coisa que estiver em formato de história.
Folha - O sr. já disse que não faz "fantasia pura", mas realismo.
Pullman - Eu disse isso para retrucar os que me carimbam como um fantasista. É claro que sei que em meus livros há muito de fantasia, que não existem na realidade fadas voadoras. O que tentava dizer é que busco fazer algo com a história equivalente ao que tradicionalmente foi feito pela ficção realista, e não pela fantástica. E isso é dizer algo verdadeiro sobre como é estar vivo, sobre quais os sentimentos de um ser humano, sobre como é crescer, ver pessoas que você ama morrer, sentir os primeiros impulsos sexuais.
Folha - Como o sr. relaciona o fenômeno Harry Potter com o sucesso comercial de seus livros?
Pullman - J. K. Rowling, a autora de "Harry Potter", está fazendo um trabalho fantástico. Ela está fazendo milhões de crianças de todo o planeta lerem histórias.
Eu já havia escrito muitos livros e meu primeiro volume da série "Fronteiras do Universo" saiu um pouco antes do primeiro "Harry Potter". O nosso sucesso, porém, foi simultâneo. E devo dizer que "Harry Potter" me ajudou. Havia alguém mais estimulando o interesse do jovens. Eles terminavam os livros da série de Rowling e começavam os meus.
Folha - O sr. acha que o renascimento de "O Senhor dos Anéis" passa pela mesma rota?
Pullman - É muito interessante esse fato, não? Acho que o livro ganhou muito interesse por conta do filme, mas já vendia bem há 50 anos. É um dos romances mais influentes do século 20. O filme não faz feio. É um trabalho bastante bom, filmado com beleza, com ótimas cenas de ação.
Folha - Seus livros virarão filme?
Pullman - Os direitos foram vendidos para uma grande companhia americana, a Scholastic. Eles estão na fase de reuniões. É incrível a quantidade de reuniões por trás de um filme. Não quero me envolver. Escrevi a história e ponto. Agora vou é fazer outra.
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alice Braga produzirá nova série brasileira original da Netflix
- Sem renovar contrato, Fox retira canais da operadora Sky
- Filósofo e crítico literário Tzvetan Todorov morre, aos 77, em Paris
- Quadrinhos
- 'A Richard's estava perdendo sua cara', diz Ricardo Ferreira, de volta à marca
+ Comentadas
- Além de Gaga, Rock in Rio confirma Ivete, Fergie e 5 Seconds of Summer
- Retrospectiva celebra os cem anos da mostra mais radical de Anita Malfatti
+ EnviadasÍndice