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31/03/2002 - 17h01

Com programas interativos, TV recupera conceito de cidadania

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ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

Para além das páginas de jornal e dos índices de audiência, teóricos da comunicação polemizam sobre o significado dos "reality shows", relacionando o formato televisivo a novos paradigmas de sociabilidade e produção do conhecimento.

John Hartley, diretor da Faculdade de Indústrias Criativas da Universidade de Tecnologia de Queensland (Austrália), defende que esses programas realizam o que ele chama de mudança da "audiência de massas" para a "audiência interativa".

Nesta entrevista, o professor, autor de inúmeros livros como "Uses of Television", "Popular Reality: Journalism, Modernity, Popular Culture" e "The Politics of Pictures: The Creation of the Public in the Age of Popular Media" (ed. Routledge), expõe idéias desenvolvidas no contexto dos "estudos culturais", inicialmente no Reino Unido, onde lecionou, e atualmente na Austrália, país que vem se notabilizando pela produção e formulação teórica na área do audiovisual.

Como definiria os "reality shows'"?
Os "reality shows" consistem em programas de TV com pessoas comuns como personagens principais em formatos não-ficcionais, que frequentemente expõem os participantes a testes ou a situações extremas. Esses programas ajudam a forjar-vincular espectadores em "comunidades imaginárias" e, portanto, consistem em parte no que denomino "democratenimento".

O que seria "democratenimento"?
Parafraseando meu próprio trabalho, no contexto das novas tecnologias, comunicações de consumo, indústrias do entretenimento e realidade virtual, a formação da vontade democrática, o drama e a educação pública convergem. Mas, simultaneamente, há um retorno a um conceito de cidadania, derivado da teoria política da cidade-Estado grega, onde democracia, drama e didática eram uma coisa só, praticada no mesmo local e pelas mesmas pessoas, cuja assembléia face-a-face constituía a pólis e cuja ação coletiva de ouvir oradores, atores e líderes constituía a audiência.

A desarticulação dessas funções de governo, educação e mídia é recente e pode ser associada à modernidade. Ao reunir esses elementos, a TV se constitui num meio potencialmente a um só tempo democrático, de entretenimento e educativo.

Por que esses programas atraem tanta atenção nas mais diversas parte do mundo?
Desde sua formação nos anos 40, as audiências de TV vêm mostrando uma tendência bem marcada a dar preferência a conteúdos de não-ficção com manipulação mínima por profissionais. Isto é, audiências não gostam de propaganda e não gostam de especialistas, a não ser que esses especialistas estejam a serviço da pessoa comum, como em programas de jardinagem, culinária, moda ou estilo de vida. Então a "TV realidade" possui apelo porque ela promove a transparência entre o espectador e a pessoa na tela. Todas os ingredientes pertencentes às relações familiares, como emoções, tolerância, duplicidade, podem ser vistos diretamente, sem mediações.

Esses programas são os mesmos nos diversos países em que ocorrem?
Em todos os lugares há o mesmo formato e diferentes pessoas. Para dar certo, é necessário que as pessoas na tela façam parte da "nossa comunidade" -em alguns casos esse conceito se expande para incluir norte-americanos, como no caso do "Survivor", na Austrália. Mas não é possível incluir pessoas que falem línguas estrangeiras.

Em sua opinião, quais são os mecanismos de produção do significado em jogo nos "reality shows"?
Os "reality shows" situam a fonte de significado na relação com o leitor/audiência, em vez de situá-la no texto -como no modernismo- ou no autor -como no catolicismo. Esses programas são parte de uma tendência geral que se afasta da epistemologia modernista em direção a formas pós-modernas que valorizam o privado, feminizado, "comum" e "desprezado" em oposição ao mundo oficial do governo, dos negócios, dos processos de decisão e da democracia. Eles promovem identidade, estilos de vida, consumo, celebridade, que é onde nos tempos que correm devemos procurar a esfera pública.

É possível pensar "reality shows" como uma rede que conecta domicílios com mídia interativa?
Sim. Eles se constituem em parte na mudança de audiências de "massa" para "interativas". "Big Brother" foi um evento enorme aqui na Austrália, envolveu o fato de estar na TV como estrelas populares, com espectadores votando, participando no estúdio, cobertura multimídia, em revistas de fofoca, programas de notícia, shopping centers. A audiência é agora como que um "personagem" no show.

Seria possível pensar que o apelo desses programas se encontra nesse caráter de rede, e não em seu conteúdo dramático, que é fraco?
E quem disse que o conteúdo dramático é fraco?!

O sr. conhece algo da TV brasileira?
Muitas coisas. Quando morava na Inglaterra assistia novelas brasileiras que passavam no Channel 4.

Esther Hamburger é antropóloga e professora na Escola de Comunicações e Artes da USP. É editora do site "Trópico" ( www.uol.com.br/tropico).

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