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21/07/2000 - 04h41

Millôr Fernandes estréia coluna domingo no caderno Mais

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ALCINO LEITE NETO, da Folha de S.Paulo

O dramaturgo, humorista, tradutor e jornalista Millôr Fernandes, 75, passa a escrever na Folha a partir do próximo domingo. Sua coluna será publicada semanalmente na contracapa do Mais!.

A nova coluna segue o estilo consagrado de Millôr -que um dia autodefiniu-se como "um escritor sem estilo"- e traz à Folha todo o arsenal criativo que ele utiliza para bombardear consensos, idéias feitas, ridículos cotidianos e descalabros políticos: charges, máximas, aforismos, fábulas morais e poemas satíricos.

Millôr é um dos principais nomes do jornalismo brasileiro. Iniciou sua carreira aos 13 anos, na revista "O Cruzeiro". Foi um dos fundadores do "Pasquim". Escreveu no "Correio da Manhã", entre vários outros jornais, e também nas revistas "Senhor", "Veja" e "IstoÉ".

É autor de 24 peças, entre elas "Flávia, Cabeça, Tronco e
Membros", "É..." e "Liberdade, Liberdade". Deve-se a ele a tradução no Brasil de importantes clássicos do teatro e de algumas das peças centrais da dramaturgia contemporânea, como "Sr. Puntila e Seu Criado Matti", de Brecht, e "Gata em Teto de Zinco Quente", de Tennessee Williams.

Recentemente, inaugurou sua home page no UOL -uma verdadeira "enciclopédia millloriana", que recebeu uma média de 23 mil visitas por dia no primeiro mês (http://www.uol.com.br/millor).

Na entrevista a seguir, feita por e-mail, a seu pedido, Millôr Fernandes fala sobre jornalismo, teatro, o Rio de Janeiro e o Brasil. E explica porque prefere "Caras" a "Bundas".

Folha - Por que o sr. preferiu que fizéssemos esta entrevista por escrito?
Millôr Fernandes - Está fora de moda a expressão, acredito mesmo que poucas estagiárias a conheçam, mas "verba volant script manent" (a palavra voa, a escrita permanece). Eu mesmo, ouvindo os outros, "interpreto". Imagina o que interpretam de mim.

Folha - Estive folheando os meus arquivos e os do jornal e observei que sempre lhe perguntam mais ou menos as mesmas coisas. É o jornalismo ou o mundo que se repete?
Millôr - A pergunta toca num ponto verdadeiro e, ficando sobre ele, perguntando sobre o que já tanto se pergunta, não se repete. Brilhante. Quem reconhece o lugar-comum já o está evitando.

Folha - O que nunca perguntaram a Millôr Fernandes?
Millôr - Ah, tanta coisa! Talvez quem já tenha me perguntado tudo e, claro, não respondido nada, tenha sido eu mesmo.

Folha - Como sr. descreveria o Brasil de hoje para um bando de extraterrenos?
Millôr - Moço, eu amo este país, não patrioticamente (já no século 18 o Dr. Johnson dizia que o patriotismo é o último refúgio do canalha. No Brasil é o primeiro), mas humanamente, geograficamente.

Folha - O sr. lamentou em um pequeno texto ("Ecmnésia - Decadência") que o Méier, o bairro onde nasceu, no Rio, esteja decadente. A que atribui esse declínio?
Millôr - Ao mundo de modo geral -à explosão populacional. E no caso do Méier, do Brasil, ao extraordinário espírito público (no pior sentido) dos administradores brasileiros.
Que nenhum deles jamais tenha entendido que o urbanismo (meio ambiente) é a causa primeira da vida e da felicidade humanas, bastaria para desclassificá-los como membros da espécie. O Rio não tem urbanismo, tem canalhice como traçado urbano.

Folha - O sr. estenderia essa sua impressão de decadência para o país inteiro?
Millôr - Claro. Dê uma olhada na Barra da Tijuca, Rio. Uma sub-Miami. Mas parece o paraíso terrestre diante das edificações de São Paulo capital.
Alguns lugares, como João Pessoa, me dizem, ainda não fui lá ultimamente, parece que aprenderam a lição.

Folha - Em algum momento o sr. teve a impressão de que o Brasil pudesse se tornar um país com alguma dignidade?
Millôr - Alguma tem. Sempre tem. Vivo num meio e com pessoas cheias de defeitos, ou com bastante defeitos, como eu, mas, ao fim e ao cabo, deliciosas de conviver.

Folha - Parece-me que, em toda a sua vida, o sr. sempre se manteve a uma boa distância tanto da imprensa quanto da arte, tanto dos "profissionais da profissão" jornalística quanto do establishment artístico -artista demais para o jornalismo, jornalista demais para a arte. O sr. concorda comigo? Foi uma estratégia de sobrevivência ou um ato de liberdade?
Millôr - Não gosto de classificar. Faço o que meu útero manda. Sou visceral -de vísceras mesmo. Detesto "princípios", sempre castradores. E ideologias, então, cáspite! A verdade é que isso -que não é uma conquista minha, é, de novo, visceral, e minha permanente saúde (sem falar de senhoras, que me protegeram em toda a existência) me faz indecentemente feliz.

Folha - O que mais o incomoda no jornalismo? E na arte?
Millôr - O jornalismo melhorou -todos sabem- no sentido investigativo. É bom, mesmo quando injusto. "Eles" também não são? Também no resto melhorou com os tempos e piorou em comparação (relativamente a) com outros tempos.

Folha - Estive contando as traduções de peças que fez, e elas são mais de 80! Há um bom número de clássicos, mas impressiona como o sr. se interessou por traduzir alguns dos mais notáveis autores "experimentais" deste século, como Pirandello, Beckett, Heiner Mueller e Edward Albee. Dos autores modernos, quais acha que irão permanecer e serão nossos "clássicos futuros"?
Millôr - Quem responder a essa pergunta é um saudável debilóide. Mas posso te dizer que tenho um razoável desagrado por Brecht -o rei do marketing- e a imagem de genial, líder revolucionário, o homem que confundiu a comissão MacCarthy, todas essas odiosas mistificações.
Pra mim o melhor autor deste século, quer dizer do século passado, ainda não me acostumei -dificílimo de traduzir e quase impossível de ser levado no Brasil- é Tom Stoppard.

Folha - Os "vanguardismos" e a "experimentação" no teatro são mais toleráveis do que no cinema, na literatura ou na poesia?
Millôr - Os vanguardismos, até mesmo, ou sobretudo, os mais medíocres, ajudam a estender as fronteiras da arte.
Na pintura, porém, tudo somado, o desastre foi total. Não se estendeu porra nenhuma. O revolucionário hoje -e daí poderia vir a salvação da pintura- seria voltarmos a pintar "Preto véio cum taxo de cobre".

Folha - O teatro brasileiro parece se resumir a uma meia dúzia de bons autores, ou menos. O sr. poderia indicar aqueles que acha relevantes?
Millôr - Não vou a teatro. Fico horrorizado com a possibilidade de ver a "montagem" de qualquer coisa minha. O último grande espetáculo que vi foi "Macunaíma". Mas isso foi quando ainda não tinha acabado a Primeira Guerra Mundial.

Folha - Tendo traduzido algumas tragédias, mas sobretudo dramas de grande intensidade psicológica, como "Hedda Gabler" (Ibsen) ou "O Jardim das Cerejeiras" (Tchecov), o sr. nunca se sentiu tentado, em suas peças, a mergulhar no estilo dramático como fez no cômico?
Millôr - A intensidade psicológica de "Hedda Gabler" é uma invenção de Bernard Shaw, inventor de Ibsen. "Hedda Gabler" não resiste a uma análise, mesmo vista sob a psicologia da época.
"O Jardim das Cerejeiras" é o Tchecov de sempre. Saudosista, romântico, penetrante. Mas nada impede que você se levante depois de ter visto 30 minutos do espetáculo.
As minhas peças são o que sou e não poderiam ser outra coisa. Com raras exceções não são comédias. "Antes pelo ao contrário." Mas tem sempre humor daquele tipo clássico entre os humoristas -o carrasco dizendo pro torturado ou o torturado dizendo pro carrasco: "Ainda vamos nos rir muito disto".
Minha melhor peça, a melhor que se escreveu neste país (e não me fale em modéstia ou vaidade, digo o que penso e os outros que digam o que pensam de mim), não tem nada com os autores citados ou outros quaisquer (palavra extraordinária, faz plural no meio!): é "Flávia, Cabeça, Tronco e Membros". Foi escrita em 63 e só representada em 88. Não fui ver o espetáculo.

Folha - Vamos ao humor. O sr. prefere "Caras" ou "Bundas"?
Millôr - "Caras", evidente. Não estou brincando. É a revista que mais representa o Brasil, no momento. Tanto que, se você anotar as personalidades ali presentes e der dez anos de cadeia pra cada uma, estará cometendo muito pouca injustiça...

Folha - Recentemente, o sr. se posicionou contra um certo humorismo escatológico, "no mau sentido", disse. Qual é o mau sentido do humor escatológico?
Millôr - Deve ser o mau cheiro. Quando Benjamim Franklin escreveu "Peide com Orgulho" ("Fart Proudly"), estava fazendo escatologia (tratado acerca dos excrementos e similares genéricos) no melhor sentido.
Quando Glauco Mattoso escreve seus cem sonetos barrocos, faz uma escatalogia extraordinária, quase alcançando o outro sentido da palavra (doutrina sobre a consumação do tempo e da história, sobre os fins últimos do homem. E da mulher também, ora!, ora!).

Folha - O sr. nunca se interessou por trabalhar na televisão?
Millôr - Já trabalhei. Até com muito prazer. Também, era ao vivo, Record, Rio, 1965. Ninguém sabia o que a gente ia dizer. Ó só, meus companheiros no "Programa de Vanguarda", diabo de palavrinha! -dirigido por Fernando Barbosa Lima- eram Luis Jatobá, Borjalo e Sérgio Porto. Nos divertíamos. O programa durou três meses e teve muito sucesso. "De estima", claro. Depois trabalhei várias vezes, inclusive no "famoso", na época, "Treze Lições de um Ignorante". Juscelino censurou-o. Liberalismo tem hora.

Folha - Como o sr. descreveria a cultura brasileira atual?
Millôr - Eu vivo muito bem aqui, estou muito satisfeito com toda a nossa cultura -e hoje até a maneira de descascar banana eles chamam de cultura- porque se ela não fosse o que é quem iria me dar emprego? Ninguém acharia que eu sou bom. Tem uns -melhor, tem umas- que até estão dispostas, para provar isso, a provar aquilo.

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