Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
18/05/2002 - 08h04

"Cidade de Deus" tem recepção pouco calorosa da crítica de Cannes

Publicidade

ALCINO LEITE NETO
enviado especial a Cannes

"Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, um dos dois filmes brasileiros em Cannes, foi exibido ontem para a crítica internacional. Recebeu aplausos modestos, mas a platéia de críticos não é a melhor para avaliar o seu impacto no público, que deve ser grande.

O filme tem uma narração ágil, fácil e cheia de pequenas surpresas. Os personagens são fortes e cativantes. A maioria dos atores é excepcional. A linguagem presta menos contas à tradição do cinema do que às flexões estéticas do videoclipe. A sua distribuidora será a internacional Miramax.

A história é a de uma geração de moradores da favela carioca Cidade de Deus e sobre o modo como a pequena marginalidade dos anos 60 se transformou no banditismo profissional de nossos dias.

Baseado na obra de Paulo Lins, ele próprio morador de Cidade de Deus, o filme conseguiu condensar de modo interessante o vasto painel de vidas e situações do livro, mas ao custo de esvaziar sua densidade social e psicológica.

O filme não vai além da ilustração daquilo que já foi narrado por Lins -com sua escrita que é testemunho de uma experiência-, sem acrescentar, pelo cinema, coisa substancial à compreensão da marginalidade e dos conflitos brasileiros, como fez o livro.

Do livro, "Cidade de Deus", de fato, por não trazer experiências nem idéias próprias, parasita o universo da favela e da marginalidade para realizar uma espécie de filme de ação bastante fechado em si mesmo. Não é à toa que não existe quase nenhum mundo exterior à favela no filme, fora a polícia e alguns personagens da classe média, todos esquemáticos.

É essa uma de suas principais fraquezas: transformar a favela num sistema auto-explicativo com seus dramas engendrados uns nos outros e onde, portanto, a violência se autojustifica. Talvez seja mais fácil do ponto de vista narrativo e confortável no aspecto moral circunscrever a favela para o espectador. Mas é também um meio de não perturbá-lo em sua responsabilidade social.

Escândalo religioso

O catolicismo é impostura, a fé é investimento egoísta, a sociedade italiana é uma trama conspiratória, a Itália é um monumento destinado à ruína, por escassez de liberdade espiritual. O diagnóstico é do diretor italiano Marco Bellocchio, no provocador "O Sorriso de Minha Mãe", como é chamado no festival.

Na Itália, o filme ganhou o nome de "A Hora da Religião". Considerado blasfemo, foi proibido para menores de 14 anos, atacado pelo Vaticano, boicotado em salas de cinema de proprietários católicos, que não são poucas no país, e por conta disso tudo foi prejudicado na sua exibição na TV.

É uma obra de mestre, de uma exatidão narrativa e conceitual à toda prova. Os planos são concisos, diretos, demolidores, no limite entre o conto moral e a demonstração crítica. Os personagens transbordam de vida e veracidade, ao mesmo tempo em que funcionam como peças de um estratagema cruel que interroga sem parar o funcionamento da religião católica e da fé em geral.

A história funciona como um misto de filme de suspense e drama mafioso. Um artista plástico ateu é de repente envolvido numa trama feita às suas costas pela família e a igreja para beatificar a sua mãe, morta a facadas por um de seus irmãos, doente mental.

A família depende dele para arrancar do irmão enlouquecido a confirmação da "cena original" da santidade: a mãe gritando: "Blasfêmia, blasfêmia", com um sorriso nos lábios e o punhal atingindo-a no peito. O processo de beatificação é tratado pela família como uma conspiração para resgatar as honrarias que ela perdeu com o passar dos anos.

O artista, que considera a sua mãe uma "estúpida", tem dela a mesma forma do sorriso. "Só que o sorriso de sua mãe era passivo, o seu não", diz uma de suas tias. O sorriso restará um dos enigmas do filme, sinal tanto de submissão quanto de indiferença e liberdade.

Leia mais notícias sobre o Festival de Cannes
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página