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28/05/2002 - 04h13

Antonio Candido fala sobre suas obras e a relação com outros escritores

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JOSÉ GERALDO COUTO
colunista da Folha

O crítico Antonio Candido, 83, um dos maiores intelectuais brasileiros do século 20, exerceu também -e ainda exerce- um papel decisivo sobre os estudos literários hispano-americanos.

Um mapeamento preliminar dessa influência é traçado no livro "Antonio Candido y los Estudios Latinoamericanos", que acaba de ser publicado pelo Instituto Internacional de Literatura Ibero-Americana da Universidade de Pittsburgh (EUA).

Organizado pelo crítico Raúl Antelo, 51, que nasceu na Argentina e vive no Brasil desde 1973, o volume reúne autores de diversos países, abordando aspectos variados do trabalho de Candido.

Em entrevista à Folha, o autor de clássicos como "Formação da Literatura Brasileira" e "Parceiros do Rio Bonito" fez um balanço de suas relações com a cultura do continente.

Folha - O sr. leu o livro "Antonio Candido y los Estudios Latinoamericanos"?
Antonio Candido -
Recebi um exemplar há pouco tempo, do Raúl Antelo. Não cheguei a lê-lo todo ainda. Foi uma grande surpresa, que me deixou muito desvanecido. Eu não sabia que estavam preparando esse livro. Vi que há ali estudos muito generosos, muito interessantes.

Folha - Seu interesse pela literatura hispano-americana parece ter se intensificado a partir da Revolução Cubana. É correta essa impressão?
Candido -
Não, não. Para falar a verdade, não sou um grande conhecedor da literatura hispano-americana. Mas me interessei por essa literatura antes da Revolução Cubana, que é de 1959. Eu me interessei sobretudo por causa daqueles livros mexicanos da coleção Terra Firme.
Em 1960, dei um curso na Universidade da República, no Uruguai, ocasião em que conheci o crítico Ángel Rama, e passei a me interessar bem mais pela literatura do continente.

Bem mais tarde, quando me interessei pela Revolução Cubana, eu já estava bastante integrado. Quando conheci Cuba, pude constatar o papel extraordinário que o país teve para o intercâmbio cultural no continente. Eles tiveram a iniciativa fantástica de reunir no território cubano os intelectuais latino-americanos. Antes disso, nós nos encontrávamos sobretudo na Europa e nos EUA.

Folha - No livro da Universidade de Pittsburgh é muito destacada a sua interlocução com Ángel Rama. As afinidades entre vocês parecem ter sido tanto políticas como intelectuais...
Candido -
Sobretudo intelectuais. Conheci-o em 1960, no Uruguai, e nos tornamos amigos. Depois convidei-o para dar aulas aqui na USP, ele veio. Estive com ele no México, nos Estados Unidos, na Europa. Mantivemos também muita correspondência.

Considero Ángel Rama o maior crítico literário que a América Latina teve no meu tempo.

Folha - O livro mostra que o sr. teve uma importância decisiva para o trabalho de Ángel Rama. Sua "Formação da Literatura Brasileira" influenciou muito o método de análise dele.
Candido -
Vários estudiosos de lá disseram isso. É a minha noção de sistema literário, né? No Brasil, não foi muito aceita. Foi muito combatida, inclusive. Mas fiquei satisfeito pelo fato de o Rama tê-la adotado.

Folha - E seu diálogo com a estudiosa argentina Beatriz Sarlo?
Candido -
Com ela tive menos contato, mas a considero uma estudiosa de grande importância pela combinação de crítica literária e consciência política.

Folha - Mas justamente nisso ela se diz inspirada pelo sr.. Diz que quando leu seus escritos encontrou uma resposta para o que já vinha buscando havia muito tempo, que era essa conjugação da atenção à estética e à estrutura social.
Candido -
Sempre tive uma preocupação política. Mas a crítica literária é muito variada, tem que variar conforme o texto. Tem que estar preparada para oscilar entre a pura consideração de ordem estética, de um lado, e de outro lado a inserção social da obra.

Folha - Como o sr. avalia hoje o "boom" literário latino-americano? O que havia de duradouro e o que foi só propaganda?
Candido -
Naquele momento a ficção européia estava um pouco cansada, de maneira que esse vulcão que foi o "boom" entusiasmou o mundo inteiro.
Houve muito "enchimento" no "boom", mas alguns escritores ali são realmente extraordinários. O [Julio] Cortázar, sobretudo nos contos, o primeiro livro do [Mario] Vargas Llosa, "La Ciudad y los Perros", o livro do [Gabriel] García Márquez, "Cem Anos de Solidão", Alejo Carpentier, Juan Rulfo, Carlos Fuentes... Realmente foi uma explosão literária extraordinária.

Nessa explosão se enquadra o nosso Guimarães Rosa, que a meu ver é o maior de todos.

Folha - No livro, há um ensaio da professora Celia Pedrosa que recupera um texto seu de 1941, o "Manifesto Grouchista". O sr. se lembra desse texto?
Candido -
Aquilo foi uma brincadeira que eu fiz na nossa revista "Clima", dizendo que havia o marxismo do Karl Marx e o marxismo dos Irmãos Marx (risos). Sempre fui um grande admirador dos irmãos Marx, sobretudo do Groucho. Era uma brincadeira irreverente.

Folha - Mas Celia Pedrosa tenta demonstrar que não foi apenas uma brincadeira, que aquele texto ilumina sua concepção de literatura e de arte. Ela faz até um paralelo entre o manifesto e uma tese que o sr. desenvolveria décadas mais tarde, a da "dialética da malandragem"...
Candido -
Acho que ela tem razão. Geralmente os outros têm mais capacidade do que nós para avaliar os textos que escrevemos, que estão sempre cheios de coisas inconscientes.

A minha geração sofreu muito a influência dos modernistas de 22, e sempre demos muita importância à alegria, ao riso, à irreverência. Apesar de sermos todos professores universitários, reagíamos contra a solenidade. Sempre evitamos nos levar muito a sério, para não nos tornarmos medalhões.
 

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