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06/08/2002 - 04h06

Astor Piazzolla ganha biografia dez anos após sua morte

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Quando tinha oito anos, Astor Pantaleón Piazzolla ganhou de seu pai um pacote de presente grande e pesado. Esfregou animado as mãos de dedos curtos. Afinal ganharia os patins tão esperados. E veio a decepção.

Descascado o embrulho, nada de patins. Lá estava aquela sanfona esquisita que ele vira uma vez na vitrine de uma loja de artigos de segunda mão.

Ali, no encontro desajeitado do garoto com o instrumento, começava a trama de uma das grandes revoluções da história da música latino-americana. O vizinho Brasil criaria a bossa nova. Astor Piazzolla gestaria o tango novo, a elevação do gênero popular argentino ao campo das sonoridades mais sofisticadas do planeta.

A história que começa com um menino e um bandônion em um casebre em Nova York, onde Piazzolla passou a maior fatia da infância, teve ponto final em 1992, com a morte do músico nascido em Mar del Plata, safra 1921. Em respeito aos dez anos de silêncio, o tango volta a ser novo em homenagens aqui e acolá.

São Paulo, por exemplo, dá largada hoje a um ciclo de concertos que transpõem ao Centro Cultural Banco do Brasil as principais facetas da caudalosa sonoridade do instrumentista.

É na Argentina, porém, que a história ganha ímpeto piazzolliano. Suas livrarias exibem nas prateleiras de lançamentos a biografia mais extensa já feita do músico: "Astor Piazzolla - Su Vida y Su Música", da antropóloga argentina María Susana Azzi e do historiador americano Simon Collier.

O trabalho, que vem sendo recebido com vivas da imprensa argentina, impressiona antes de tudo pelo fôlego. Fruto de cinco anos de trabalho, suas 530 páginas trazem o suco de 240 entrevistas feitas em 13 países com músicos, parentes, amigos e outras testemunhas: do garçom dos restaurantes prediletos de Piazzolla ao astro do violoncelo Yo-Yo Ma, que homenageou o compositor com o vigoroso CD "The Souls of Tango" (entrevista essa oportunisticamente anunciada na capa como um "prólogo").

Os detalhes expostos no livro são suficientes para os piazzollianos mais ferrenhos. No primeiro capítulo, por exemplo, estão impressos todos os endereços do menino Astor, o número de sua primeira carteira de identidade e até a opinião de um guia de Nova York de 1939 sobre uma casa noturna em que o garoto assistia recitais de bandônion.

O excesso de dados não chega a estragar o desenrolar saboroso das histórias da agitada vida do músico. Moleque, passeava pelo nova-iorquino Rockfeller Center quando um artista jovem resolve fazer um desenho de sua face. Era Diego Rivera, o célebre muralista mexicano.

Ainda garoto, na mesma Manhattan, Astor também encontra o já célebre tangueiro Carlos Gardel. E lá vai Piazzolla mirim fazer uma ponta no filme "El Día que me Quieras", estrelado pelo ídolo. E as histórias se multiplicam nas andanças Nova York-Buenos Aires-Paris-Roma, cidades em que ele viveu.

"Ele foi uma pessoa muito intensa, na música e fora. Era do tipo que, se fosse pescar, não apanhava peixinhos, pescava tubarões", diz à Folha a biógrafa de Astor Susana Azzi. O balanço entre Piazzolla homem e músico e a vastidão dos dados são os pontos fortes que a integrante da Academia Nacional do Tango sublinha de seu trabalho. "Não fizemos a biografia de um bronze. É um homem completo o da biografia."

Homem de 1,70 m, atarracado, de humor inconstante e capacidade criativa explosiva. Pelos cálculos da pesquisadora argentina, Piazzolla compôs nada menos que 3.500 peças musicais, menos de um terço delas gravadas.
É a pluralidade da obra, porém, e não sua extensão, que faz com que a biógrafa trate o músico com o qualificativo "gênio".

"Ele fundiu o tango, a música clássica contemporânea e o jazz em uma música original, que foi tocada pelos melhores instrumentistas de seu tempo, sejam jazzistas ou eruditos", afirma. "Levou o tango, então uma sonoridade simples para dançar, ao status de música de câmara."

Azzi sustenta que a Argentina, que nem sempre recebeu as mudanças de Piazzolla de braços abertos, hoje vive lua-de-mel com sua música. Em meio ao momento de crise, a única coisa a fazer é tocar um tango argentino. O tango de Piazzolla.
 

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