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26/08/2002 - 18h53

Entenda o mecanismo de exclusão social visto em "Cidade de Deus"

GUILHERME WERNECK
da Folha de S. Paulo

Quem pensa que "Cidade de Deus" apresenta um problema apenas carioca não viu nada. O envolvimento de jovens com a violência a partir da instalação de famílias de desabrigados em um conjunto habitacional na periferia do Rio de Janeiro traduz a realidade de outros centros urbanos brasileiros.

Segundo João Sette Whitaker Ferreira, 35, professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o que aconteceu com a Cidade de Deus segue um modelo de segregação que tem origens ainda no século 19 e ganhou força no século passado.

Tomando São Paulo como exemplo, é fácil entender como os pobres foram empurrados para lugares cada vez mais distantes das regiões onde estão as elites.

No século 20, enquanto as elites se movimentam da região central para a da Paulista e, depois, para as regiões da Faria Lima e do Morumbi, as periferias vão ganhando áreas cada vez mais distantes, principalmente nas zonas sul e leste.

As primeiras ocupações de bairros periféricos ocorrem nos anos 30, acompanhando a industrialização, e se tornam mais intensas nos anos 50. Com o crescimento econômico de São Paulo, a cidade passa a receber cada vez mais migrantes e a falta de moradias se agrava.

Durante o regime militar (1964-1985) são feitos grandes investimentos em habitações populares, e as Cohabs são criadas, quase sempre distantes do centro. Porém, "como os programas de habitação baseavam-se na compra de casa própria, eles nunca conseguiram atingir quem tivesse renda inferior a cinco salários mínimos", explica Ferreira.

O resultado dessa deficiência na atuação do poder público se traduz na favelização da cidade. Nos anos 70, 1% das moradias eram favelas, hoje já são 20%.

A partir dos anos 80, uma série de favelas foi retirada da região central e seus moradores foram expulsos para regiões mais distantes. Um exemplo de como esse mecanismo funciona está no livro "Parceiros da Exclusão" (editora Boitempo), de Mariana Fix, 31, pesquisadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da USP.

No livro, ela descreve o processo de retirada dos moradores da favela Jardim Edith, na região da avenida Água Espraiada. "Só 5% conseguiram ir para conjuntos habitacionais. A maior parte foi para favelas", diz Mariana.

Ao afastar as pessoas do centro, entra em operação um sistema perverso de exclusão. "Como a urbanização das cidades brasileiras está vinculada ao crescimento econômico, a forma como a sociedade se organiza no espaço é concentradora de renda e excludente", diz Ferreira, que dá o exemplo da lei de zoneamento. "Ela é ultra-restritiva nas regiões ricas, mas, se você vai ao Jardim Ângela, não há zoneamento. Vale tudo porque o Estado não chega a essas regiões."

Faroeste

Como no filme, a quase ausência do poder do Estado na periferia acaba se transformando em violência. Segundo Marcelo Daher, 24, do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP, a dificuldade de acesso à saúde, ao lazer, à cultura e ao trabalho é um dos fatores que faz crescer a violência entre jovens na periferia. Ao lado disso, Daher diz que a situação é agravada pela dificuldade de acesso à Justiça e pela atuação da polícia.

Em relação aos homicídios de jovens, o sociólogo Jacobo Waiselfisz, 62, coordenador da Unesco em Pernambuco e um dos autores da série de pesquisas "Mapa da Violência", aponta que nos últimos 20 anos a violência homicida no Brasil avançou exclusivamente entre os jovens.
Os dados de 2000 da pesquisa mostram que o número de homicídos no Brasil sobe a partir dos 15 anos e atinge seu pico aos 20.

Com o passar dos anos, esse números ficam mais assustadores.

Considerando a população jovem como aquela que vai de 15 a 24 anos, o mapa mostra que, em 1980, havia 30 homicídios de jovens por cada 100 mil habitantes. Em 2000, esse número já chegava a 50,1.

Enquanto essa curva não parar de subir fica difícil discordar de rappers como os da Facção Central, quando cantam: "Isso aqui é uma guerra".

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