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30/08/2002 - 06h28

Diretor de "Cidade de Deus" enfrenta críticas e minimiza a sua pretensão

da Folha de S.Paulo

"A pretensão é bem menor do que se supõe. "Cidade de Deus" é apenas um filme feito com um certo talento, com boa vontade e boas intenções", diz Fernando Meirelles, sobre seu longa-metragem que estréia hoje em 99 salas.

Para pouca pretensão, "Cidade de Deus" reúne grandezas demais. O título custou R$ 8,3 milhões. Consumiu cinco anos desde o início do projeto de transpor para a tela a obra literária homônima de Paulo Lins até sua conclusão. Foi exibido na seleção oficial do Festival de Cannes e, antes de sua estréia, recuperou o investimento financeiro que consumiu, com vendas internacionais assinadas pela grife Miramax.

Co-dirigido por Katia Lund, é um filme de Fernando Meirelles, que comanda uma das mais bem-sucedidas agências de publicidade do país, a O2 Filmes.

Rodado na periferia do Rio, levantou suspeitas na Delegacia Regional de Entorpecentes, que apura suposta negociação da produção com o traficante Mineiro, para autorização das filmagens em Cidade Alta.

Se a carreira comercial do longa é desde já um êxito, há quem faça restrições ao seu conteúdo. A antropóloga Alba Zaluar, autora de pesquisa desenvolvida no conjunto habitacional Cidade de Deus que originou também o livro de Lins, diz que o filme é "equivocado" no retrato que faz do tráfico no Brasil e nas características que apresenta da população da favela.

Estética hip hop
Zaluar afirma que "a representação do conjunto habitacional da favela como sendo um gueto negro é uma forçação de barra para se adequar à estética hip hop".

"Quiseram representar talvez para o exterior, porque fica mais fácil para o estrangeiro entender um gueto negro, já que existe o exemplo dos Estados Unidos. No Brasil é diferente, e o filme não assume a diferença brasileira", diz.

Meirelles responde que "a história do filme é sobre a guerra entre o bando do Sandro Cenoura, que é branco, e o do Zé Pequeno, que é negro". "Se ela contar, vai ver que no bando do Cenoura há muitos brancos e que o parceiro do Zé Pequeno que morre ao lado dele é ruivo. O Buscapé, na vida real, é branco. Mas preferimos que fosse interpretado por um ator negro, para não dar a idéia de que é o branco que se dá bem", afirma.

A antropóloga acha que ""Cidade de Deus" tem mensagem "esquizofrênica, ambivalente". "Ao mesmo tempo em que eles dizem que a violência é um horror, mostram ao jovem que não há outra saída, que é preciso entrar nessa mesmo. E a gente sabe que essa garotada morre antes dos 25 anos de idade. Esse é o drama. O tráfico é uma saída para a morte", diz.

Meirelles afirma: "Sim. A violência é um horror. Quanto ao resto, eu responderia com uma pergunta. Qual é a alternativa que jovens da comunidade têm à violência? Agradeço o comentário. Alba Zaluar entendeu o filme".

Revelação
O cineasta diz que seu objetivo com "Cidade de Deus" não é "a denúncia". "Meu interesse no livro também não é a história violenta, a denúncia social. Queria mostrar que nosso país é dividido e que tem um lado de cá que não conhece o lado de lá."

"O livro de Paulo Lins me apresentou isso. A única coisa que eu quis é contar aquela história e que o espectador pudesse ter a mesma sensação que eu tive com o livro, de revelação, de saber como as coisas funcionam."

O roteirista Bráulio Mantovani, que deu 12 tratamentos ao roteiro antes que "Cidade de Deus" começasse a ser filmado, faz coro à despretensão de Meirelles.

"Nunca pensamos em mudar a história do cinema. Queríamos contar essa história e tomamos decisões necessárias para isso. Não é que tivéssemos um projeto estético e escolhemos o livro de Lins para colocá-lo em prática."

Cineasta e roteirista preferem deixar afastado de si o rótulo de intelectual. "Não sei se é uma falha ou uma característica, mas não me lembro de termos grandes debates éticos ou morais na elaboração do roteiro. Tínhamos outro tipo de questionamento, que era como encontrar o ponto de vista do livro", diz Mantovani.

Meirelles acha que "Cidade de Deus" tem um só "mérito e frescor" -seu elenco e o ponto de vista narrativo. ""Cidade de Deus" é a instalação do tráfico no Rio vista por um garoto que mora na comunidade. Esse menino não tem a compreensão macro. Se ele começasse a explicar a questão da economia global e da sociedade brasileira, o apartheid social, não seria mais a visão do menino."

"Seria a visão da classe média, do sociólogo, do jornalista, e, isso, sinceramente, a gente já cansou de ver. O que o cara aqui da classe média, que sou eu, acha, não interessa a ninguém mais, a gente já sabe muito.

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