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08/09/2002 - 02h41

Gente que não vê televisão fala da vida sem o eletrodoméstico

MARCELO BORTOLOTI
free-lance para a Folha

Existe vida sem televisão. Mesmo numa época em que é cultuada na maioria das casas -pelo último censo do IBGE, há televisores em cerca de 87% (38.906.707) dos domicílios brasileiros-, a TV não tem vez em muitos lares, seja por motivos religiosos, ideológicos ou financeiros.

A cineasta Suzana Amaral, diretora do premiado "A Hora da Estrela" (1985) e que recentemente lançou "A Espera de uma Vida", tem aversão à televisão. "Não suporto ficar parada em frente a alguma coisa que não estimule minha imaginação", diz. Suzana mora sozinha. Quando os filhos aparecem para uma visita e ligam o aparelho, ela se isola no quarto atrás de um livro: "Se ainda fosse uma televisão que desse alguma contribuição pelo menos estética ou social...".

"Não assisto por achar os programas horrorosos", diz o escritor João Ubaldo Ribeiro, que teve duas obras -"O Sorriso do Lagarto" e o conto "O Santo que Não Acreditava em Deus"-, adaptadas para a TV. Habituado a dormir cedo, ele lê ou trabalha na parte da noite em que a família se reúne na frente da televisão.

"Encontro em festas algumas estrelas famosas e, como não as reconheço, elas ficam ofendidas", diz. "A melhor coisa que existe na TV é o botão de desligar", concorda o cartunista Jaguar, que nunca teve televisão; prefere a leitura. "A televisão até seria interessante se eles não decidissem que as pessoas que assistem são um bando de retardados", afirma.

O auxiliar de hotelaria Josualdo Souza Santana, morador de Caraíva, no litoral sul da Bahia, não tem televisão há sete anos. "A questão da gente é desligar do mundo. A TV só dá notícia ruim", diz. A cidadezinha não tem luz elétrica e, segundo Josualdo, das 300 famílias que moram ali, apenas cinco possuem televisores, alimentados por gerador.

Overdose

O último censor do regime militar, Coriolano Fagundes, passou 35 anos vendo cinema e televisão por conta de seu ofício. "Eu via por obrigação profissional e acabei tendo uma overdose", conta o aposentado.

Fagundes virou pastor evangélico. Agora , gasta seu tempo ouvindo música clássica ou evangélica e lendo a Bíblia. "A TV é um fator de desagregação da família. Hipnotiza as pessoas e ninguém se comunica. As novelas passam mensagens torpes", censura o ex-censor.

Laura Bacelar, editora do selo GLS, também não assiste: "Sou lésbica e acho os programas insuportavelmente heterossexuais". Ela gasta suas noites fazendo cursos ou, no máximo, assistindo a um filme no videocassete. "Tenho uma conversa mais inteligente com a minha pizza", critica.

"A TV é diabólica", radicaliza o devoto da Assembléia de Deus Jorge Reis. Aposentado, ele mora com a mulher, duas filhas e dois netos, e, há 23 anos, não possui televisão. "Aqui ninguém assiste. Quem quiser, tem de assistir em outro lugar", impõe o religioso. Na casa dele, todos dormem antes das 22h, e o lazer é a música ou o diálogo. "No ritmo em que a TV se encontra, está como "Sodoma e Gomorra", uma verdadeira baixaria", afirma Jorge.

Ideologia

O militante anarquista Robson Achiame acha que "a TV expande a ideologia capitalista no mau sentido, aquele capitalismo selvagem e maluco". Ele acredita que a televisão tira de muitos o tempo para namorar, ler ou se divertir. "É tudo conduzido para uma burrificação geral", discursa.

A lavadeira Maria José da Silva, moradora da favela da Maré, no Rio de Janeiro, até gosta de televisão, principalmente do "Programa do Ratinho" (SBT). Entretanto, há quatro anos, seu barraco foi inundado, e a TV não resistiu. Como não gosta de incomodar a vizinhança, à noite Maria prefere ficar em casa com os três netos. "Ligo o meu radinho, coloco o cachimbo na boca, e ficamos contando histórias; depois, vamos dormir", diz. No barraco, todos dormem às sete da noite e acordam às cinco da manhã. Quando sobra um tempo, Maria José aprecia uma novelinha. No rádio. "A vida é assim: a gente se acostuma com tudo", diz.

Culpa

"Ficar paralisado na frente da TV gera um constante sentimento de culpa por não estar fazendo nada", afirma o guitarrista Rafael Bittencourt, do grupo Angra. Além da falta de interesse, ele não assiste por estar constantemente em shows ou gravações: "Até em países desenvolvidos a TV aberta é muito ruim".

O "base jumper" Luiz Tapajós, o Sabiá, é um esportista radical que salta de penhascos e edifícios, já teve um quadro no "Domingão do Faustão" e, atualmente, é cinegrafista do ESPN Brasil. Mas, apesar de gostar de TV, não assiste por falta de tempo. "Não me imagino sentado assistindo a uma novela", diz.

A atriz Cristiane Torloni, que já atuou em 15 novelas e vai protagonizar a trama que substituirá "Esperança" na Globo, se diz orgulhosa do seu trabalho na teledramaturgia, mas só assiste à televisão homeopaticamente.

Ela reconhece que sua profissão exige que veja TV e acha até que o meio está mais democrático, entretanto não consegue ficar sentada por muito tempo diante do aparelho. "Quando chego em casa, tenho milhares de outras coisas para fazer: ouvir música, ver os meus bichinhos, tomar um drinque, ligar para os amigos...", conta a atriz. "Hoje em dia, é preciso ser muito seletivo com a TV, porque senão você acaba sendo abduzido por ela", alerta a heroína da próxima novela de Manoel Carlos.
 

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