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08/11/2002
-
02h33
da Folha de S.Paulo
O ator Lázaro Ramos, 24, é Madame Satã, personagem-título do longa de estréia do diretor cearense Karim Aïnouz, 36, que chega hoje às telas brasileiras.
O filme é lançado com o respaldo de três prêmios em festivais internacionais -um deles para a excelência do ator na interpretação do papel baseado na vida de João Francisco dos Santos (1900-1976), misto de artista, malandro e contraventor carioca.
A conclusão é indesviável: "Madame Satã" deve muito do que é a Lázaro Ramos. O intérprete diz ter certeza de que a grandeza do personagem o ultrapassa e afirma ter desistido de tentar decifrá-lo.
"Não posso compreender alguém que foi trocado por uma égua quando criança e que se transformou numa pessoa violenta e carinhosa ao mesmo tempo. Para mim, é mais importante entender o que ele significou -a resistência de uma pessoa que nasceu 12 anos após a libertação da escravatura; que tinha como única arma o próprio corpo e que o utilizou para sobreviver, seja lutando, seja dançando, seja explorando sua sensualidade."
"Madame Satã" é o quarto trabalho de Ramos no cinema e o primeiro como protagonista. Em 2003, ele estará nas telas como "O Homem que Copiava", de Jorge Furtado, e será visto também em "Carandiru", de Hector Babenco, e "O Homem do Ano", de José Henrique Fonseca.
No teatro, está em cartaz, no Rio, com "Mamãe Não Pode Saber", comédia dirigida pelo mesmo João Falcão que o revelou nacionalmente, em 99, com a montagem de "A Máquina".
Ramos tem convites para voltar a filmar no ano que vem, mas não os revela. Superstição de quem nasceu na Bahia, numa família de origens encravadas num vilarejo do Recôncavo.
Vêm desse povoado as primeiras memórias do que se consolidou para o ator como definição ideal do fazer artístico: "Divertir e conscientizar ao mesmo tempo".
"Na ilha em que meus parentes moravam havia apenas 300 habitantes, e eles faziam uma festa linda todo ano, quando cada um criava o seu próprio número e apresentava nos caramanchões."
Numa espécie de citação às cozinheiras da ilha, Ramos escreveu e dirigiu há três anos a peça infantil "Paparutas", que hoje pode ser compreendida como um prenúncio de "Madame Satã".
"Cada cozinheira preparava um prato e criava uma música para falar de suas qualidades", lembra o ator. Ele via na atitude das quituteiras um convite "à valorização das diferenças". Lição que considera também a principal do filme.
"Paparutas" foi encenado na Bahia, com três atores do Bando de Teatro Olodum, grupo em que Ramos ingressou aos 15 anos de idade e do qual ainda se sente parte. "Não atuo mais, mas estou sempre com eles. Sei o que estão montando e dou até opinião por telefone."
Desde 99, Ramos não vive mais na Bahia. "Agora sou do mundo", diz. Que a frase não se confunda com algum traço de soberba. "Essencialmente, continuo sendo o Lazinho do Garcia [bairro de Salvador onde morava]."
E, se a sedução do aplauso ameaça fazer crescer a vaidade, ele tem seu antídoto: "Boto uma sandália, ando pelo bairro e vejo que tem um cara passando fome do meu lado". O bairro em questão é Laranjeiras, no Rio, endereço atual do Lazinho do Garcia.
Filme de estréia de Aïnouz conta a história de Madame Satã
SILVANA ARANTESda Folha de S.Paulo
O ator Lázaro Ramos, 24, é Madame Satã, personagem-título do longa de estréia do diretor cearense Karim Aïnouz, 36, que chega hoje às telas brasileiras.
O filme é lançado com o respaldo de três prêmios em festivais internacionais -um deles para a excelência do ator na interpretação do papel baseado na vida de João Francisco dos Santos (1900-1976), misto de artista, malandro e contraventor carioca.
A conclusão é indesviável: "Madame Satã" deve muito do que é a Lázaro Ramos. O intérprete diz ter certeza de que a grandeza do personagem o ultrapassa e afirma ter desistido de tentar decifrá-lo.
"Não posso compreender alguém que foi trocado por uma égua quando criança e que se transformou numa pessoa violenta e carinhosa ao mesmo tempo. Para mim, é mais importante entender o que ele significou -a resistência de uma pessoa que nasceu 12 anos após a libertação da escravatura; que tinha como única arma o próprio corpo e que o utilizou para sobreviver, seja lutando, seja dançando, seja explorando sua sensualidade."
"Madame Satã" é o quarto trabalho de Ramos no cinema e o primeiro como protagonista. Em 2003, ele estará nas telas como "O Homem que Copiava", de Jorge Furtado, e será visto também em "Carandiru", de Hector Babenco, e "O Homem do Ano", de José Henrique Fonseca.
No teatro, está em cartaz, no Rio, com "Mamãe Não Pode Saber", comédia dirigida pelo mesmo João Falcão que o revelou nacionalmente, em 99, com a montagem de "A Máquina".
Ramos tem convites para voltar a filmar no ano que vem, mas não os revela. Superstição de quem nasceu na Bahia, numa família de origens encravadas num vilarejo do Recôncavo.
Vêm desse povoado as primeiras memórias do que se consolidou para o ator como definição ideal do fazer artístico: "Divertir e conscientizar ao mesmo tempo".
"Na ilha em que meus parentes moravam havia apenas 300 habitantes, e eles faziam uma festa linda todo ano, quando cada um criava o seu próprio número e apresentava nos caramanchões."
Numa espécie de citação às cozinheiras da ilha, Ramos escreveu e dirigiu há três anos a peça infantil "Paparutas", que hoje pode ser compreendida como um prenúncio de "Madame Satã".
"Cada cozinheira preparava um prato e criava uma música para falar de suas qualidades", lembra o ator. Ele via na atitude das quituteiras um convite "à valorização das diferenças". Lição que considera também a principal do filme.
"Paparutas" foi encenado na Bahia, com três atores do Bando de Teatro Olodum, grupo em que Ramos ingressou aos 15 anos de idade e do qual ainda se sente parte. "Não atuo mais, mas estou sempre com eles. Sei o que estão montando e dou até opinião por telefone."
Desde 99, Ramos não vive mais na Bahia. "Agora sou do mundo", diz. Que a frase não se confunda com algum traço de soberba. "Essencialmente, continuo sendo o Lazinho do Garcia [bairro de Salvador onde morava]."
E, se a sedução do aplauso ameaça fazer crescer a vaidade, ele tem seu antídoto: "Boto uma sandália, ando pelo bairro e vejo que tem um cara passando fome do meu lado". O bairro em questão é Laranjeiras, no Rio, endereço atual do Lazinho do Garcia.
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