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05/12/2002 - 08h05

Policial ajudou a falar com instituição para fazer "Ônibus 174"

MARCELO BARTOLOMEI
Editor de entretenimento da Folha Online

O policial Rodrigo Pimentel, co-produtor do filme "Ônibus 174", ajudou o filme com uma "ponte" entre a Polícia Militar do Rio de Janeiro e o diretor José Padilha. Segundo o diretor, houve dificuldades em tomar depoimentos dos policiais que participaram da operação no dia do sequestro do veículo.

Segundo ele, nem tudo o que aconteceu naquela tarde de 12 de junho de 2002, principalmente sobre a operação policial em volta do ônibus sequestrado, foi esclarecido. Isso só deve acontecer quando o caso for julgado.

Nem todos os policiais envolvidos na ação daquele dia puderam falar com a produção e registrar seus depoimentos.

Leia, a seguir, trechos da entrevista com Padilha:

Folha Online - De quem é a culpa do que aconteceu no desfecho do sequestro do "Ônibus 174"?

Padilha -
Culpa é um conceito cristão... Não gosto desta palavra...

Folha Online - De quem é a responsabilidade do que aconteceu?

Padilha -
Melhor que saber quem é responsável é saber o que causou aquilo, sem conceito moral. Várias coisas causaram isso: o problema arbitrário e do acaso na vida do Sandro [Nascimento] o transformou em menino de rua, a maneira como o Estado trata com ele é como se ele fosse um menino de rua violento. É como se ele não fosse responsável somente por aquela violência do ônibus, mas como da violência em geral. A maneira que o Estado lida com a polícia, como instituição polícia, gerou uma série de falhas durante a ocorrência do 174. Isso é uma instância causadora para o desfecho que teve. Outra coisa é a maneira como a polícia trata com os meninos de rua ou da maneira como as cadeias do país estão estruturadas. A natureza do Sandro causou o comportamento dele diante do comportamento dos reféns. A causalidade por trás daquilo é muito complexo.

Se a gente for imputar responsabilidade, a gente está falando de pessoas. Eu acho que o principal responsável por aquele desfecho foi a polícia e o Estado em suas instâncias administrativas da polícia. Agora não estou falando da vida do Sandro, mas ao que aconteceu no ônibus. São claros os inúmeros erros policiais na administração daquilo. E esses erros, para mim, não são individuais. Não é o erro do Marcelo Santos [o policial que errou a mira e deu o primeiro tiro na refém Geísa]. O fato de o Marcelo Santos ter levantado e errado o tiro causou o desfecho, mas isso não imputa a responsabilidade a ele. O fato de ele ter errado aquele tiro não apaga os milhões de outros erros e opções que a polícia teve durante quatro ou cinco horas que a polícia segurou aquilo. Alguém telefonou para o coronel Penteado [José Penteado, comandante do Bope (Batalhão de Operações Especiais) na época e responsável pela operação] e falou para ele não fazer o tiro. Essa pessoa também é responsável, seja ela o secretário da Segurança ou o governador. Não sei quem foi e o coronel Penteado, que é a única pessoa que sabe disso, não quis falar para o filme.

Divulgação
Veja mais fotos
Cena de "Ônibus 174" em que o sequestrador conversa com a polícia; clique na foto para ver uma galeria

Folha Online - O coronel Penteado não quis falar... Você deve ter tido outras dificuldades para encontrar pessoas e entrevistá-las para o filme. Quais foram?

Padilha -
A maior dificuldade foi falar com os policiais. Elas foram muito ajudadas pelo Rodrigo Pimentel, que é co-produtor do filme e é policial. Ele fez essa ponte entre a produtora e os policiais. Eu tive uma dificuldade muito grande enquanto o governador Anthony Garotinho estava no poder. Durante esse período eu não conseguia falar com ninguém, nem com bombeiro. Havia uma grande censura na polícia. Depois que ele saiu para concorrer à Presidência e entrou a Benedita [da Silva], eu tive autorização para entrevistar o André Batista, que foi o negociador e o primeiro a chegar lá.

Você tem um policial mascarado no filme, com voz distorcida, que é do governo Garotinho. E tem um policial normal, que é do governo da Benedita.

Folha Online -Você encontrou a família do Sandro. Como você conseguiu chegar lá?

Padilha -
Tínhamos um detetive trabalhando com a gente e uma advogada. A função deles era levantar dados de delegacia, registros de ocorrência etc e levantar processos. A gente tinha umas 300 páginas de arquivo de material histórico e a gente ia checando o que era verdade e o que não era. Em uma das checagens eu encontrei um endereço e ele era real, foi quando encontramos a tia dele. Para fazer um documentário você tem tempo, já para fazer uma reportagem você tem um dia. Não é um erro dos jornais, mas das restrições de um veículo diário. Tivemos dois anos para isso.

Folha Online - Dois anos depois de um acontecimento como o do sequestro do ônibus, qual é o impacto que você espera que o filme cause no público?

Padilha -
Acho que o filme tem um valor explicativo na medida em que ele simplifica as coisas, como é a vida das pessoas. Você não pára para pensar na hora de usar um telefone. As pessoas fazem isso com pessoas também. Ah, o "Ônibus 174" é a história de um sequestro que um maluco fez e pronto. Ele vira um telefone. O que o filme faz é falar que ele não é um assaltante maluco. Ele humaniza o Sandro. Mostra os defeitos e virtudes que o Sandro tem são humanos. Aquele indivíduo é uma pessoa e aquela trajetória dele pode ser entendida assim. De uma certa maneira você entende como ele ficou e o que ele fez dentro do ônibus. Essa história passa pelo descaso do Estado, em todo o Brasil, com relação a certas coisas. O que aconteceria se o presidente dos EUA congelasse as contas das pessoas e só deixasse a população sacar um X de dinheiro do banco? O norte-americano tem uma formação que faz com que ele se indigne com certas atitudes. Já no Brasil, há uma conivência, uma aceitação, mas a gente aceita com isso cadeias lotadas, políticos que fazem isso e aquilo, e a gente tem que conviver com isso, que tem consequências como a do episódio do ônibus, de uma polícia mal-treinada, por exemplo.

  Veja fotos do sequestro do "Ônibus 174"

Assista ao trailer:
  • 56k | alta velocidade*

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