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24/12/2002 - 02h40

"Ter Nova York como tema é orgânico", diz Martin Scorsese

SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S. Paulo, em Nova York

Leia a seguir os principais tópicos da entrevista de Martin Scorsese à Folha.

ORIGEM DE "GANGUES DE NOVA YORK" - "Por onde começar [risos]? Achei o livro de Herbert Asbury no primeiro dia de 1970, na casa de um amigo. Li de uma vez, e isso me deu uma base histórica aos rumores que eu ouvia desde minha infância, de que Nova York havia sido criada entre guerras de gangues.

Ninguém ensinava isso na escola nos anos 50 e 60. Eu tinha aprendido a história da Guerra Civil, mas como se uma linha dividisse os EUA em norte e sul, e era isso. Nova York nunca fazia parte dessa história.

"Gangues de Nova York" foi o livro que me mostrou a formação da mitologia da cidade. Fui criado numa área bem próxima aos Cinco Pontos.

Meu pai me falava das brigas e das histórias, porque ele havia ouvido pessoas contarem, mas era somente isso".

CRIME ORGANIZADO EM NY - "Durante a minha vida, a natureza do crime organizado foi mudando muito em Nova York. Ficou de fato muito organizado, e os italianos passaram a fazer parte.

Não tinha idéia de que tudo começou com as gangues do passado e de que, apesar de gangues, eram políticas, apoiavam um candidato, tinham um ponto de vista. Na minha cabeça, os Cinco Pontos eram um lugar anárquico".

ORIGEM DE NY - "Como nasce uma civilização de um lugar tão bagunçado? Creio que tudo começou de maneira meio tribal, com líderes e comandados. Você tinha de matar por seus direitos.

Não estou elogiando isso, apenas examinando a história. O que mais me interessou é que essa é a história de um tempo e lugar que, combinados, não tinham sido mostrados pelo cinema".

VIOLÊNCIA - "A violência do filme é a violência da época. Se você tem um pedaço de pão e preciso dele para viver, vou lhe matar por ele. O que importa é sobreviver.

Não adianta argumentar pelo pedaço de pão. Eu preciso, você tem, e o único jeito de conseguir é matando você. O século 19 foi o mais violento da história dos Estados Unidos.

Não é o caso também de apenas condenar as gangues. Pense nos meios que se tinha para ser ouvido na época: não havia sindicato, você era demitido e acabou. Então as pessoas começam a se juntar aos seus iguais, seja quem for, e formam as gangues".

LEONARDO DI CAPRIO - "Quem me falou dele pela primeira vez foi Robert de Niro, quando eles fizeram "Despertar de um Homem" (1993) e o Leo tinha 16 anos. Eu e De Niro somos muito amigos, mas ele nunca me fala sobre atores ou diretores com quem trabalhou. Sempre ligo pedindo conselho ou opinião sobre um câmera, um diretor de arte, um ator, mas ele não faz isso espontaneamente.

E ele fez isso com o Leonardo. Depois, fui vê-lo em "Gilbert Grape" [em que ele interpreta um deficiente mental] e pensei que fosse um semidocumentário. Eu me recusava a achar que aquele menino de 16 anos estivesse interpretando, pensei que ele fosse assim.

Então, teve "Titanic", que é uma outra história, não é cinema e atuação como estamos acostumados. Mas Leonardo é um grande ator, tem um rosto ótimo, uns olhos sinceros".

IMIGRANTES - "É o principal assunto do filme. Em algum ponto, o personagem Bill the Butcher diz: "OK, os imigrantes irlandeses podem votar, mas em quem eles vão votar, já que não sabem ler? A quem eles vão obedecer? Ao arcebispo. E a quem o arcebispo vai obedecer? Ao papa. Isso significa que você tem o papa e o Vaticano se metendo na política norte-americana".

A imigração continua a suscitar questionamentos semelhantes ainda hoje. Veja os problemas na Europa, os turcos na Alemanha, a Itália e os albaneses. John Fitzgerald Kennedy (1917-1963) foi o único presidente católico e de origem irlandesa dos EUA e não durou muito, como se sabe".

CINCO PONTOS HOJE - "Estive lá recentemente, porque uma emissora de TV quis fazer a entrevista enquanto andávamos pelo lugar que um dia foi a região. O governo e o Departamento de Justiça realmente quiseram apagar os Cinco Pontos do mapa. É sintomático.

Hoje estão instalados lá os maiores prédios federais da cidade. Minha visita não foi boa, porque nevou e eu estava sem chapéu. E, com o frio, o vento e os prédios federais, parecia Stalingrado".

NY COMO TEMA - "Ter a cidade como tema de meus filmes é algo orgânico para mim. Gostaria de ter feito expressionismo alemão em Hollywood, westerns, musicais, sei lá, filmes de pirata [risos]. Mas não consigo. Quando começo a produzir, o que me dá prazer mesmo é a cidade de Nova York".
 

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