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06/01/2003 - 05h16

Grandes gravadoras abdicaram de investimento em novos artistas

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

A julgar pelas listas de lançamentos das grandes gravadoras do Brasil em 2002, no ano que passou não houve novos talentos na música brasileira. O segundo ano do século 21 foi, aqui, o ano dos relançamentos. Para quem sonhasse ser revelado, o sinal permaneceu fechado, a não ser no mercado independente.

Num ano em que as companhias enxugaram elencos e dispensaram artistas, o vácuo foi preenchido, em parte, por exceções como a pop Kelly Key, 19.

A partir de um disco lançado ainda em 2001, a estrelinha pop-dance não saiu do rádio e da TV e vendeu 310 mil cópias (número pequeno se comparado com os milhões de quatro anos atrás, mas expressivo no atual cenário de terra arrasada), mesmo sob protestos de que sua "Baba Baby" fosse um estímulo explícito à pedofilia.

O presidente da gravadora Warner, Cláudio Condé, defende sua artista: "Isso é uma visão particular de algum indivíduo específico. Não vejo essa conotação de pedofilia. Ela tem muito talento, é consciente e faz boa música".

Mas ele admite a fase de seca de renovação de valores: "Acho que na última década houve uma tentativa grande de descobrir o que é a nova MPB. Foram feitos esforços louváveis, mas não apareceu um grande nome da nova MPB".

Não é bem assim. Sem disco gravado e sem exposição de mídia, uma artista nova causou rebuliço em 2002: Maria Rita Mariano, 25, filha de Elis Regina. Até a conclusão desta reportagem ela não havia assinado o contrato que a ainda emergente Trama, co-presidida por seu meio-irmão João Marcello Bôscoli, lhe propôs.

"Já participei do disco de Milton Nascimento [o recém-lançado 'Pietá'], agora é a minha vez. Eu quero o meu", brinca Maria Rita.

A Sony Music preferiu apostar no "girl group" televisivo do SBT Rouge, que chegou ao final de 2002 quase batendo 1 milhão de cópias vendidas. Mas o presidente José Antonio Eboli também lamenta: "Nesse ano só tivemos a revelação do Rouge, o que é muito pouco para a tradição do nosso mercado. A realidade é que os novos artistas não estão surgindo, e as consequências são bastante severas para todos nós. Estamos vivendo uma entressafra".

A Trama também desacelerou no ano passado, dedicando-se aos volumes 2 de seus "artistas reunidos". Bôscoli comemora, mesmo assim. "Quando 2002 começou estávamos preocupados, mas acabou que as coisas foram dando certo e foi um ano muito bom para a Trama. Tivemos o estouro da Fernanda Porto, que já vendeu mais de 50 mil discos", afirma, exagerando no termo "estouro".

Ano de reedições
A gravadora Universal, autodescrita como a "número 1" do Brasil, liderou o contrafluxo do mercado de novidades em 2002. Iniciou um programa inédito de reedições que começou a revolver o imenso acervo histórico da casa e puxou outras gravadoras a fazerem o mesmo.

O ambicioso plano anunciado há um ano foi apenas em parte cumprido. A Universal adiou para este ano projetos relativos aos selos históricos Elenco e Forma, a Pixinguinha, Baden Powell, Tom Jobim, Jorge Ben Jor e Maria Bethânia. Foi adiada para fevereiro a segunda caixa de Nara Leão, inicialmente planejada para dezembro do ano passado, na esteira do sucesso da primeira (que foi lançada em maio de 2002 e vendeu 3.000 exemplares).

Ainda assim, a gravadora produziu caixas históricas de Raul Seixas, Erasmo Carlos e Caetano Veloso e recuperou a íntegra de obras de artistas como Gal Costa, Angela Ro Ro, Zizi Possi etc.

O investimento inicialmente previsto na reativação do catálogo _R$ 300 mil_ foi superado em 40%, principalmente pelo alto custo da caixa de luxo de Caetano. A Universal diz que o gasto com catálogo foi 35% maior que em anos anteriores; e calcula que em 2002 se dividiu entre 50% de relançamentos e 50% de novidades.

Para o presidente Marcelo Castello Branco, a febre das reedições não rouba o espaço que seria dedicado a novos artistas e a novos discos de artistas já conhecidos, como 2002 faz suspeitar.

Dá outras explicações: "Com o ciclo do axé e do pagode agonizando, infelizmente não houve substituição. Não está acontecendo nada de tão expressivo, que chame atenção. E foi um ano atípico, com Copa, crises econômicas, eleição, disparada do dólar".

Quem não tem catálogo antigo para relançar, como a jovem Abril Music, colabora com avaliações contrárias à da relação entre aumento de reedições e queda de novidades. Diz o presidente da Abril, Marcos Maynard, que "em um mercado retraído, é difícil investir em novos talentos, que requerem esforço, concentração e um mercado em expansão".

Ele explica por outro prisma o reequilíbrio entre reedições e inéditos: "Se investimos em um artista novo, o retorno não é imediato. Quando começa a vir, a pirataria fica com a maior parte do resultado. Quando se lança um artista consagrado, aí então é pior. Ele já é pirateado no primeiro dia, e as vendas estancam. Para quem tem catálogo, é melhor relançá-lo do que investir para o pirata. A Abril não tem opção, tem que investir".

E Castello Branco dá outras das senhas possíveis para 2003: "A pirataria continua sendo o grande problema, mas ela trouxe o lado bom de fazer a indústria tentar soluções menos imediatistas. Não há mais grandes vendagens, a possibilidade de investir não é a mesma. A presença dos selos independentes aumentou em 2002, e isso deve se intensificar. Não existe volta ao mesmo lugar, mas a ida a outro, que ainda não conhecemos". Com a palavra, 2003.
 

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