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29/01/2003 - 02h33

Morte de Cícero Dias encerra capítulo da arte modernista

PAULO HERKENHOFF
especial para a Folha de S. Paulo

Com a morte do longevo Cícero Dias encerra-se o capítulo da arte modernista brasileira. O jovem Cícero foi um onírico (ou um proto-surrealista sem conhecer a psicanálise).

Seus desenhos, marcados por um frescor espontâneo nos anos 20 e 30, eram sonhos eróticos de um menino de engenho e registro de um tempo suspenso. É coerente que tenha ilustrado a primeira edição de "Casa Grande & Senzala" de Gilberto Freyre, marco das ciências sociais no Brasil. Eram dois sociólogos que evitavam a sociologia do conflito.

O audacioso desenho, hoje reduzido a 1,5 por 12,5 metros, "Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife", que participou do Salão Revolucionário (1931), é a obra-prima de Cícero. É sua janela para o mundo, no modo como Alberti via o quadro no Renascimento.

O artista deambulava entre a magia do Rio e o atavismo nordestino. Expressão de uma sociedade sem mobilidade social, os seres em seus desenhos só escapavam de um destino através da imaginação do artista, embora alguns tentassem os caminhos de "Vidas Secas" (Graciliano Ramos).

Seu encanto estava em ser um chagalliano de traço tosco e sensual. Cícero negava a influência de Chagall. Deve ter esquecido das gravuras do russo na casa de seu amigo Mário de Andrade. Preferia contar vantagens no arraial brasileiro, impressionando nosso provincianismo com relatos exagerados da intimidade com Picasso, cujo telefone esteve em seu nome.

Geometria

O artista menino morre quando viaja para Paris. A figura humana em sua arte era incompatível com a pintura. Cícero não compreendeu que era um sofrível pintor figurativo, salvo em raras telas.
Em meados dos anos 40, ressuscita ao adotar a geometria abstrata. É o pioneiro de fato. Queima a etapa vivida por aqui nessa época de negociação entre figuração e geometrização. A paleta evocava as cores tórridas. Conduzia nosso modernismo a um ponto radical. Integrou-se genuinamente no meio francês, atuando ao lado de Jean Arp (1887-1966) ou Auguste Herbin (1882-1960).

Participa das hesitações da abstração na Europa, entre o caráter composicional da forma e a concretude do espaço.

Foi um pioneiro frente aos concretistas. Logo sua pintura denota a falta de conceitos, colocando-o em desvantagem frente os artistas de SP e RJ. Pouco depois, morreria o geômetra espontâneo.

Agora, com sua morte, encerra-se um capítulo singular da arte brasileira.

Paulo Herkenhoff é crítico de arte e foi curador da 24ª Bienal de São Paulo

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