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09/02/2003 - 03h44

Escritores falam das mudanças que suas obras sofrem na TV

FERNANDA DANNEMANN
da Folha de S.Paulo

Apesar das "mulheres absolutamente liberadas sexualmente", como diz, a escritora Letícia Wierzchowski, 30, autora do livro que deu origem à minissérie "A Casa das Sete Mulheres", exibida pela Globo atualmente, afirma estar feliz com a adaptação de seu livro. "O romance é mais fiel à época, quando as mulheres não iam para a cama com qualquer homem com tanta facilidade. Mas entendo a dinâmica da TV", diz.

Embora muita gente reclame que as adaptações são diferentes dos originais, autores e adaptadores dizem que a fidelidade total é impossível. "O compromisso do adaptador é com a eficiência", afirma Maria Adelaide Amaral, que, ao lado de Walter Negrão, adaptou "A Casa...".

Negrão, que transformou "Os Miseráveis", de Victor Hugo, em novela da Band, afirma que a liberdade é essencial. "O livro tem 300 páginas; a novela, 6.000. Ele é uma sinopse com muitas descrições psicológicas. TV precisa de mais ação."

Ao converter "Sinhá Moça", de Maria Dezonne Pacheco Fernandes, em novela, Benedito Ruy Barbosa mudou tudo. "Dei ênfase à abolição da escravatura. No livro, era pano de fundo." Quando a obra literária foi relançada, na época da novela, Benedito lembra que houve decepções. "Teve gente que reclamou, porque queria ler a história da televisão", diz ele, às risadas.

Fidelidade

Com vários romances adaptados, Jorge Amado ficou conhecido até numa longínqua vila portuguesa por causa de sua "Gabriela", levada à TV por Walter Jorge Durst. Zélia Gattai, viúva do escritor, conta que, quando a novela foi veiculada em Portugal, conheceu num vilarejo um menino, dono de um gato chamado Nacib. "Por que esse nome?", ela quis saber. "Porque é macho. Se fosse fêmea, seria Gabriela", foi a explicação. "A novela foi perfeita, não mudaram nada", diz.

Ao contrário de Amado, que não gostava de assistir às adaptações de suas obras, Zélia não perdeu nada de "Anarquistas, Graças a Deus", baseada em livro seu e veiculada na Globo em 1983. "Claro que não deu para ser 100% fiel, mas adorei".

Agnaldo Silva, que adaptou três obras de Amado, diz ter sido fiel ao pensamento do autor. "Na TV, a linguagem tem que ser repetitiva e sem sutilezas. A minissérie é um desafio, não podemos errar e consertar depois. Se o livro for antigo, a adaptação tem que ser do ponto de vista contemporâneo", explica.

Foi o que Manoel Carlos fez com sua "Presença de Anita", inspirada no livro de Mário Donato. "A história se passa em 1946, e, ao trazê-la para os dias de hoje, refiz os perfis dos personagens". Mas o público também se emociona com histórias de época. "Éramos Seis", romance de Maria José Dupret, adaptado pela Tupi, em 1977, e depois pelo SBT, em 94, tornou-se um marco da teledramaturgia brasileira.

Autor da versão de "O Primo Basílio", de Eça de Queiroz, para a Globo, em 1988, Gilberto Braga diz que, com Leonor Basséres, buscou a fidelidade. "A adaptação fiel é um exercício de humildade. Tentei imaginar como o Eça contaria aquela história na TV", diz ele. "Escrava Isaura", baseada em obra de Bernardo Guimarães, Braga não vê como adaptação: "Tomei muitas liberdades, a novela teve cem capítulos, dos quais inventei uns 90. O bom é que muitos foram estimulados a ler o romance".

Luis Fernando Veríssimo, cujas crônicas deram origem a "Comédias da Vida Privada", só vê benefícios na adaptação. "É bom para a TV, que pega um texto pronto como base; para o autor, porque o livro é promovido; e para o público." Fã de "O Tempo e o Vento", exibida em 1985 e inspirada na obra de seu pai, Érico Veríssimo, o escritor achou "Incidente em Antares" (94), do mesmo autor, muito "caricata".

Vendas

A dramaturgia inspirada na literatura tem o mérito de movimentar as livrarias. "A Casa das Sete Mulheres", lançado em abril de 2002, vendeu, até a estréia da minissérie, menos de 13 mil exemplares. Após chegar à TV, ultrapassou os 30 mil em três semanas.

No mês em que a minissérie "Agosto" (93) foi exibida pela Globo, o livro de Rubem Fonseca teve mais 30 mil exemplares vendidos. "Memorial de Maria Moura", da imortal Rachel de Queiroz, lançado em 1992, havia vendido 5.000 exemplares até maio de 94. Durante a minissérie, a vendagem dobrou. Hoje, está em mais de 40 mil.

Apesar das modificações -inclusive no desfecho, já que, no livro, Maria Moura é vitoriosa na batalha final, e, na TV, leva um tiro fatal-, Rachel adorou.

"Eles não mudaram a história; adaptaram, e muito bem. O texto escrito diverge frontalmente daquele destinado à imagem. Mas tudo o que divulga o trabalho de um autor deve ser recebido com agrado", afirma.

Nem todos concordam. Lygia Fagundes Telles, também imortal, se diz frustrada com a versão de "Ciranda de Pedra", seu livro de 1954 que virou novela em 1981. "Tiraram os elementos mais fortes. Uma personagem lésbica declarada acabou até se casando. Mas também ativou a vendagem. Televisão é uma divulgação extraordinária", diz ela.

Sobre os valores pagos pela Globo, que mantém segredo, Lygia afirma: "Pagar bem, eles não pagam". "Pagam super pouco", diz Letícia Wierzchowski. "Alegam que vamos ganhar bastante com a venda nas livrarias."

E há os retumbantes fracassos. "Brida", best-seller de Paulo Coelho, foi o maior fiasco da extinta TV Manchete: apesar das chamadas com a informação - falsa - de que a adaptação televisiva também era obra de Coelho, o novelão não chegou ao fim. A emissora morreu antes.
 

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