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01/03/2003 - 03h37

Marilyn Monroe inspira "épico americano" de tonalidade trágica

MARCELO PEN
crítico da Folha

Magérrima, com um olhar profundamente perscrutador, Joyce Carol Oates, 63, pode ser considerada a antípoda de Marilyn Monroe (1926-62). Mas a premiada escritora, autora de mais de 30 títulos, várias vezes cogitada para o Nobel, não só escolheu a vida da atormentada atriz como matéria-prima ficcional, mas também a transformou no romance mais ambicioso de toda a sua carreira.

Com mais de 700 páginas, "Blonde", que será lançado pela Globo este mês, foi inicialmente concebido como uma pequena novela, que se encerraria quando a aspirante à atriz Norma Jeane Baker tivesse recebido o nome de Marilyn Monroe e começasse sua trilha rumo à fama. "Mas à medida que escrevia o romance e fazia minhas pesquisas", diz Oates, "fui tomando consciência dela como um ser humano concreto e não pude mais parar naquele momento artificial".

O resultado é, como define a autora, um grande "épico americano" de tonalidade trágica. Da infância ao primeiro casamento com dezesseis anos, do relacionamento com a mãe esquizofrênica e a experiência como "pin-up" até o estrelato, as drogas e o caso com John F. Kennedy, que pode ter-lhe custado a vida: está tudo ali, embora nem tudo possa ser tomado ao pé da letra.

Em nome da arte, Oates toma imensa liberdade com o material. Sua Marilyn também lê Freud e Schopenhauer. Escreve poesia. Oates descreve as fantasias e os delírios da atriz. A certa altura, mostra Marlon Brando, um dos supostos amantes de Marilyn, desacordado numa banheira em meio ao próprio vômito.

Publicado nos EUA em 2000, "Blonde" foi adaptado como minissérie pela TV americana em 2001, com a australiana Poppy Montgomery no papel de Marilyn. Oates também já teve lançado no final do ano passado, nos EUA, seu mais recente romance, "I'll Take You There" (eu te conduzirei até lá), previsto para sair em 2004 no Brasil. Leia a seguir trechos da entrevista que a escritora norte-americana deu à Folha, por telefone, de Nova Jersey.

Folha - A sra. foi muito criticada por misturar fato e ficção em seu romance.
Joyce Carol Oates -
Acho que este é um problema perene na arte. Em suas peças históricas, Shakespeare, por exemplo, mostra muitos eventos históricos transformados em símbolos, em lendas. Quando vemos uma peça de Shakespeare, sabemos que não estamos diante da história. Ao criar um romance, ao contrário de uma biografia, temos de ser seletivos. Escrevi sobre uma fatia muito pequena da vida de Marilyn Monroe. Mas críticos sempre estão dispostos a criticar algo. Se houvesse mais sexo no romance, teria sido isso.

Folha - Mesmo assim, há coisas que nos deixam curiosos. Marilyn leu realmente todos os livros mencionados em "Blonde"?
Oates -
Ela foi uma leitora contumaz. Vi a biblioteca dela, que estava à venda em Nova York, numa casa de leilão. Surpreendentemente, havia livros de Freud, de Faulkner...

Folha - De Schopenhauer?
Oates -
Na verdade, o que sabemos é que um fotógrafo amigo dela é quem estava lendo Schopenhauer. Ela não teve uma educação formal, o que talvez fosse mais comum no passado do que hoje. Mas, de um modo bastante esperançoso e ingênuo, fez questão de manter-se instruída. Lia o tempo todo, mesmo sem entender.

Folha - E peças?
Oates -
Ela leu todas as de Tennessee Williams e estava interessada em Tchekhov.

Folha - A senhora descreve Marilyn como alguém ao mesmo tempo brilhante e ingênua. Qual desses lados da personalidade da atriz mais contribuiu para sua tragédia?
Oates -
A ingenuidade. Ela queria ser confiável. Tentou muito ser reconhecida como boa atriz. Queria acreditar no que lhe diziam. Mas não saberia dizer se foi brilhante, não no sentido de ter sido cética ou curiosa. Acho que tinha uma inteligência inata, mas tinha limites.

Folha - Em "Blonde", a senhora sugere que Marilyn foi assassinada. Por quem?
Oates -
O final do romance é ambíguo. Não há uma certeza real se foi assassinada ou se imaginou isso, pois tinha ingerido drogas. Na pesquisa que fiz, depende de quem você lê. Há pessoas que crêem na hipótese de crime, por alguém associado aos Kennedys. Outros autores acham que ela cometeu suicídio. Há ainda a suposição de uma overdose acidental.

Folha - E a senhora, o que pensa?
Oates -
Todas as hipóteses são plausíveis. Mas acho estranho que, após ter morrido, alguém tenha entrado na casa dela. Ela sofreu uma lavagem estomacal e seus registros telefônicos foram apagados. Alguns objetos sumiram. Tudo antes de a polícia chegar. Há sempre um mistério quando o FBI interfere nos assuntos dos cidadãos.

Folha - Marilyn foi obrigada a matar Norma Jeane, para ter sucesso?
Oates -
Marilyn foi um papel público desempenhado por Norma Jeane. Mas Norma Jean sempre esteve lá, mesmo quando o público esperava Marilyn Monroe. Ao nos tornarmos célebres, ficamos mais isolados. Por isso, muitas pessoas famosas preferem ficar com a família e os amigos, em vez de sair. Conheço muitas celebridades assim, que se sentem mais à vontade privadamente do que em público.


 

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