Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
25/03/2003 - 13h26

Parlapatões atualizam comicidade

Publicidade

VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo, em Curitiba

A gravata borboleta do palhaço cedeu para o conjunto paletó-gravata dos executivos. Mas a corrosão dos comediantes segue intacta, promete o ator e palhaço Hugo Possolo, dos Parlapatões.

O grupo paulistano estréia hoje, às 21h30, na Mostra Oficial em Curitiba com "As Nuvens e/ou Um Deus Chamado Dinheiro". Amanhã, o espetáculo faz mais duas sessões no teatro Guairinha; a segunda será extra, por conta do carisma que a trupe colhe com o público curitibano (e sem o álibi de atores globais no elenco).

De volta ao figurino, os Parlapatões trazem para o presente a verve dos personagens de Aristófanes, um ator e autor de comédias que viveu há cerca de 400 séculos antes de Cristo.

A adaptação de Hugo Possolo junta duas peças de Aristófananes em uma só: "As Nuvens", na qual o autor ataca a retórica de Sócrates, filósofo de quem foi contemporâneo; e "Um Deus Chamado Pluto", sobre os queixumes de um homem cansado de ser honesto e não lucrar nada por isso.

A atualidade se dá por meio da citação de personagens como Bill Gates ou George Walker Bush; até Wall Street surge em carne e osso. Uma nota de cem dólares, estampada com a imagem do ex-presidente norte-americano George Washington, serve de pano de fundo em boa parte do espetáculo.

Segundo Possolo, 40, a montagem apropria-se também de recursos visuais sofisticados (no desenho de luz, no palco metálico, no sistema de som com microfones em algumas cenas etc) para criticar a tendência atual de espetacularização da vida, em que tudo se transforma show.

Além de Possolo, estão em cena Raul Barretto, Hugo Stroeter, Claudinei Brandão, William Amaral e Eduardo Silva, este um comediante conhecido dos espetáculos do Ornitorrinco, pela primeira vez contracenando com os Parlapatões.

O grupo 11 anos de estrada já participou do festival com espetáculos como "Piolim" e "U Fabuliô", ambos em 1997; "ppp@WllmShkspr.br", em 1998, e "Sardanapalo", remontado em 2002. A seguir, a entrevista com Possolo realizada no intervalo de ensaio ontem à noite.

Folha - A adaptação entrecruza os dois textos, é isso?

Hugo Possolo -
Exatamente. São duas histórias. "As Nuvens" é da primeira fase do Aristófanes, daquelas premiadas nos tradicionais festivais de comédia que aconteciam na Grécia Antiga. E "Um Deus Chamado Pluto", se não me engano, é a última ou penúltima comédia dele, chamada de comédia intermediária, porque mais elaborada.

A primeira trata de um cara desesperado, o Estrepado, que precisa pagar dívidas por causa do filho, Fedepê, que está envolvido com cavalos. E a outra trata de Crédulo, um cara que está inconformado por ser honesto e não conseguir ganhar nada na vida. Ele vai atrás de uma solução e acaba encontrando o deus Pluto, o deus Dinheiro, que está absolutamente cego. Sua missão é fazer com que o deus Dinheiro enxergue os homens honestos.

Folha - E como você concebeu essa adaptação? Apesar de escritos cerca de 400 anos antes de Cristo, os textos têm sintonia com o nosso tempo?

Possolo -
É realmente uma adaptação, tive que criar histórias paralelas, trazendo-as para o mundo contemporâneo. Tirei apenas a carga histórica, as passagens de época.

No espetáculo, há uma junção de alguns aspectos da contemporaneidade que torna a coisa mais heigh tech: o cenário limpo, o chão de alumínio, a persiana com a estampa.plotada do dólar; uma trilha sonora complemente diferente do que a gente já fez; a iluminação trabalhada como se fosse um show de rock... Isso difere da linguagem característica do grupo até então, cujo tratamento era mais pueril, mambembe, aquele poético rasgado...

O fato de estarmos de terno e gravata serve também para colocar o espetáculo num patamar diferente e, ao mesmo tempo, para criticar o mundo contemporâneo. A gente não está cedendo à moda, mas se apropriando dela para jogar com o público.

Folha - Qual sua expectativa quanto ao espectador que está acostumado com o registro peculiar das encenações do grupo?

Possolo -
Às vezes as pessoas querem, por um lado, instituir que a gente tem uma fórmula, e se tivéssemos, estaríamos rico; por outro, a gente tem um investigação artística que não fica limitada a uma linguagem só. Buscamos diversos caminhos para se expressar. Esse de "As Nuvens e/ou o Deus Dinheiro" é mais um deles, e um dos mais positivos que aconteceram na história do grupo.

Houve um processo muito feliz, a aproximação do elenco e, de repente, a chegada do Eduardo Silva com toda aquela carga que ele já tinha bem antes do Ornitorrinco. É um encontro de comediantes em alto astral.

Folha - O contato com Aristófanes, um dos principais comediógrafos da Grécia, parece-me coerente com a própria trajetória dos Parlapatões

Possolo -
É coerente, sim, mas surpreendeu-me o quanto o Aristófanes era reacionário. Na verdade, ele bateu no Sócrates por reacionarismo. Ele não queria o avanço do pensamento que o Sócrates apontava. Só que a crítica que ele fazia ao filósofo era muito contundente, criticava a dominação das pessoas por meio da retórica. Esse também foi um gancho para a adaptação. Pegar o que são as retóricas de hoje (a mídia, a publicidade, os jogos de poder entre políticos etc) e transformar isso na crítica da peça. A gente tenta inverter o reacionarismo de Aristófanes para uma outra idéia, um questionamento que não se pretende nenhum pouco revolucionário, mas, como diz o próprio texto da peça, "a gente quer ver o circo pegar fogo".

Especial
  • Confira o que acontece no Festival de Teatro de Curitiba
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página