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10/04/2003 - 19h54

"Ainda existe preconceito contra ator de TV", diz Rodrigo Santoro

CARLA NASCIMENTO
da Folha Online

Em sua estréia no cinema, em "Bicho de Sete Cabeças", de Laís Bodanzky, o ator Rodrigo Santoro chegou a ser vaiado antes da exibição do filme no Festival de Cinema de Brasília, em 2000. Terminada a sessão, no entanto, o filme foi aplaudido de pé pela platéia.

Depois disso, Santoro levou para casa o prêmio de melhor ator do festival e fez, de lá para cá, praticamente um filme por ano: "Abril Despedaçado", de Walter Salles, participação especial no filme "As Panteras 2", que será lançado em julho pela Columbia Pictures, e estréia agora nas telas com "Carandiru", de Hector Babenco, filme baseado no livro de Drauzio Varella.

Apesar da média de atuação, considerada alta no cenário nacional, o ator diz que ainda sente preconceito, principalmente por parte da mídia, pelo fato de ter sua imagem associada aos seus papéis de galã em novelas. Contudo, faz questão de destacar que não se sente "vítima". "O sistema é assim", justifica o ator.

"Quando vão se referir a mim falam do ator que está fazendo o personagem para quebrar [uma imagem]. Não existe um olhar pra um ator que está tentando contar uma história...Ainda existe um olhar de preconceito", disse.

Atualmente, Santoro interpreta o também galã Diogo na novela "Mulheres Apaixonadas", da Globo, e agora vive o travesti Lady Di no filme "Carandiru".

Sobre seu personagem no filme, o ator afirma que não houve intenção em tentar desconstruir sua imagem de galã de novela. "Eu nunca vou fazer um trabalho pensando no que eu represento."

Leia trechos da entrevista concedida em São Paulo à imprensa:

Pergunta - Como foi a experiência de fazer um filme na Casa de Detenção?

Rodrigo Santoro-
Antes de fazer a personagem eu visitei o Carandiru. Foi quando eu tive contato com aquela realidade. Depois, eu filmei duas sequências, que são as sequências finais do filme. O lugar traz uma história e, mesmo que estivesse vazio, com foi o caso, as paredes contam histórias, o cheiro do lugar... Aquilo era um presídio, um local de confinamento. Muitas coisas aconteceram ali dentro. Coisas fortes, carregadas, e isso fica no lugar. Eu senti como um acréscimo ao nosso trabalho ter feito as cenas lá dentro. Foi uma experiência única, sem dúvida alguma.

Pergunta - Você teve algum receio em fazer o papel do travesti Lady Di no filme, já que você tem feito papéis de galã na TV?

Rodrigo -
Eu nem sempre fiz o galã, não. Esse é o olhar de fora que não é o meu ponto de vista. Meu ponto de vista é o do personagem que eu faço. Eu construo o personagem, não construo a imagem. Isso [o galã] é uma imagem e é um rótulo colocado porque o cara que está na televisão e faz o triângulo amoroso... É sempre visto como o galã. Isso é uma imagem criada. Eu não tenho um controle sobre essa imagem. Como eu não tenho controle sobre isso, eu não trabalho para isso. Meu foco não está na imagem, está no personagem que eu estou construindo.

Pergunta - Mas como você encarou esse personagem?

Rodrigo -
Esse talvez seja o personagem mais distante de alguma coisa que eu represento. Sendo o mais distante, talvez ele possa ser encarado de uma forma polêmica. Para mim, que estou buscando aprender, buscando o desafio, é mais um personagem. Mas eu tive receio, sim.

Pergunta - Por que o receio?

Rodrigo -
O receio veio da falta de pudor que eu tive de ter pra poder me colocar dentro desse personagem -independente de ser a travesti, de ser homem ou de ser mulher- pra poder criar, pra vivenciar o que essa pessoa vive ali dentro, pra discutir o que ela discute. Ela discute o amor, o afeto... é uma personagem que trabalha com o ideal. A dificuldade está em fazer a personagem, em não ter o pudor de fazer isso. Sem dúvida alguma, antes de fazer, quando eu vi que a coisa ia acontecer, claro que eu tive receio, claro que eu tive dúvida, mas eu fui movido pelo estímulo de fazer um trabalho que eu considerava interessante, desafiador e, acima de tudo, uma coisa que ia acrescentar no meu trabalho como ator e ia me ensinar como ser humano também.

Pergunta - Mas o receio também não veio do fato de o personagem ser um travesti?

Rodrigo -
Meu foco não está aí. Eu fui por aquela alma, por aquela pessoa e pelo que ela me oferecia como possibilidade artística de desafio e o quanto era interessante para mim, como ator, independente do que eu represento. Eu nunca vou fazer um trabalho pensando no que eu represento. Se eu me prender à imagem que fazem de mim eu vou contra uma coisa em que eu acredito.

Pergunta - Fazer o papel do travesti é uma tentativa de desconstruir essa imagem?

Rodrigo -
Não. Eu não sugeri fazer só o papel do travesti no filme. Eu sugeri três personagens. Eu acabei fazendo o travesti depois de um longo processo. Eu nunca tomo uma atitude pensando nisso, baseado em uma imagem que eu vou quebrar, até porque eu nunca pensei em construir uma imagem. Isso não é demagogia, isso é a minha natureza. Eu não fiz televisão pra ficar famoso. Eu fiz porque foi o primeiro trabalho a que eu tive acesso. Inclusive a idéia que eu tinha era começar a fazer teatro. Eu não tenho nada contra televisão, nada. O pouco que eu aprendi foi dentro da TV. Acho um grande exercício pro ator, mas é inegável que existe um preconceito enorme com ator que faz televisão. E eu continuo vivenciando isso até agora. Eu passei por isso em "Bicho de Sete Cabeças".

Pergunta - O que te leva a pensar assim?

Rodrigo -
As perguntas [da imprensa]. Não se consegue olhar como um mero ator que está ali tentando fazer um trabalho. O que se deve analisar com relação ao ator? Ele tem que passar a verdade da personagem, construir a personagem e convencer. O que acontece é que não se vê o ator, se vê uma figura, uma imagem. Isso é injusto.

Pergunta - Você disse que passou por isso em "Bicho de Sete Cabeças"...

Rodrigo -
Antes de o filme ser exibido, só por eu ser o ator que fazia televisão, o galã, eu fui vaiado. Quando acabou [a sessão] foi uma coisa enlouquecedora... Eu fui um exemplo de uma quebra de um preconceito. Eu estou vivendo isso agora novamente, não na maioria [da imprensa], mas eu vejo focos. Quando vão se referir a mim falam do ator que está fazendo o personagem para quebrar [uma imagem]. Não existe um olhar pra um ator que está tentando contar uma história...Ainda existe um olhar de preconceito.

Pergunta - Você credita isso ao fato de você ser um ator de TV ou é pelo fato de ser um ator bonito?

Rodrigo -
Eu não sei dizer o que é. Não dá pra definir, mas eu acho que as duas coisas influenciam. Mas eu não fico lutando contra isso não. Eu só faço o que eu acredito e mais nada.

Pergunta - Como você se relaciona com seus papéis na TV? Como funcionam as suas escolhas?

Rodrigo -
No caso dessa novela ["Mulheres Apaixonadas"], eu já tinha vontade de trabalhar com o Manoel Carlos. Ele tem um texto muito bom, naturalista, realista... Era uma proposta diferente e já tinha um tempo que eu não fazia nenhum trabalho pra Globo, então as coisas calharam. Não foi planejado. O personagem é uma coisa muito normal...Achei interessante até pela simplicidade, porque, às vezes, o mais simples é o mais difícil de fazer.

Pergunta - Como espectador, como você vê o filme?

Rodrigo -
Difícil descrever. Eu acho que isso a gente sente muito mais do que racionaliza, principalmente pra quem faz parte do projeto.

Pergunta - A expectativa com relação ao filme é grande...

Rodrigo -
Não é obrigação do espectador, mas é mais rico quando ele se permite, quando ele tenta se neutralizar...ficar sem idéias pré-concebidas ou com expectativas que ele criou na cabeça dele. Por que quando ele chega, raramente vai ser exatamente como ele imaginou. Pode ser melhor ou pior, mas nunca é igual.
O Walter Salles diz uma coisa interessante sobre a pureza do olhar. Quando o espectador vai com a pureza do olhar, a experiência emocional pra ele é muito mais rica. Se for o caso ele vai ser tocado, se não for pelo menos ele se permitiu.

Pergunta - Mas você acredita que é possível essa neutralidade no caso de "Carandiru"?

Rodrigo -
Acredito. No caso de "Carandiru", que tem o livro, o fato de o massacre realmente ter acontecido, de o presídio ter existido, dos atores... tudo isso dificulta, mas não é impossível. Eu me proponho a isso e proponho isso ao espectador.

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