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19/04/2003 - 04h05

Antologia da revista "Rattapallax" é poesia sem juízo final

MANUEL DA COSTA PINTO
Colunista da Folha de S.Paulo

Algumas das melhores antologias de poesia brasileira contemporânea têm sido publicadas fora do Brasil. Foi assim com "Nothing the Sun Could Not Explain" (lançada nos EUA por Michael Palmer, Nelson Ascher e Régis Bonvicino), "Correspondencia Celeste" (coletânea espanhola de Adolfo Montejo Navas) e "Poesia Brasileira do Século 20 dos Modernistas à Actualidade" (editada em Portugal pelo paraense Jorge Henrique Bastos).

O caso mais recente é a antologia da revista "Rattapallax", de Nova York, que chega simultaneamente às livrarias de EUA e Brasil e inclui um CD com leituras de poemas de autores brasileiros e norte-americanos, além de músicas de Caetano Veloso, Arto Lindsay, Bebel Gilberto e do grupo Zuco 103.

É difícil avaliar esse fenômeno editorial. Tal profusão talvez se deva à necessidade de buscar um território neutro, distante das querelas de grupos que insistem em ressuscitar disputas estéreis entre credos tardo-vanguardistas. Talvez seja, pelo contrário, um fenômeno de internacionalização da poesia brasileira, semelhante ao que aconteceu com as artes plásticas a partir dos anos 50/60, quando o legado modernista deixou de ser um interlocutor compulsório para nomes como Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape, que abriram um canal com vertentes de outros países.

Parece ser esta a proposta de Flávia Rocha, jornalista e poeta responsável pela seleção publicada na "Rattapallax": "Se no berço do modernismo brasileiro os antropofágicos deitavam um apetite voraz sobre as culturas estrangeiras, tomando-as como ingrediente para uma refeição de caráter nacional, os poetas de hoje tratam o estrangeiro como ente menos estranho, de fácil acesso".

Obviamente, não se pode comparar a recepção externa de nossa poesia com o modo pelo qual artistas plásticos como Cildo Meireles, Waltércio Caldas e Vik Muniz se impuseram no circuito internacional. No caso da literatura, a língua é e será sempre um obstáculo, não obstante a proposta da "Rattapallax" de incluir em seus próximos números uma seção dedicada à poesia brasileira. O fato é que essa antologia bilíngüe tem um significado muito maior aqui do que lá.

"Rattapallax" reuniu trabalhos de 22 poetas. Muitos deles estão presentes em coletâneas semelhantes e representam algumas linhas de força da poesia contemporânea.

Arnaldo Antunes mantém viva a experimentação concretista em seus poemas impressos e na oralidade de suas participações no CD, em que o vocal espasmódico se transforma em ícone sonoro.

Claudia Roquette-Pinto tem um lirismo disciplinado, dentro da melhor tradição modernista, consignado pela imagem do "poema-lucidez".

E Tarso de Melo sustenta um diálogo pessoal com a Language Poetry que confirma a proposta dos poetas dessa antologia: "a apropriação do que quer que esteja disponível", segundo expressão de Flávia Rocha que também vale para as correspondências entre Rodrigo Garcia Lopes e a poesia norte-americana.

O grande mérito da coletânea, contudo, está em enfatizar a importância de autores cuja produção mereceria maior atenção da crítica: a dicção intensa e melancólica de Fabio Weintraub, a poesia voluptuosa de Donizete Galvão, o surrealismo de Ruy Proença, a expressividade precisa de Fabiano Calixto, os silogismos poéticos de Paulo Ferraz e as fantasias pop de Joca Reiners Terron. Outra virtude é divulgar nomes pouco conhecidos, como Rodrigo Petrônio e Dirceu Villa.

Estou omitindo muitos poetas importantes, que todavia já circulam há mais tempo em revistas, sites e coleções de livros. O que importa, aqui, é salientar que a "Rattapallax" conseguiu um difícil equilíbrio ao apostar na diversidade.

Nesse sentido, a feliz inclusão da canção "Fora da Ordem" no CD é não apenas o reconhecimento de Caetano Veloso como um de nossos grandes poetas, mas também uma apologia dessa liberdade pós-moderna de escolher seus interlocutores poéticos: "Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem/ Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final".

Rattapallax
Autor: Vários
Editora: Editora 34
Quanto: R$ 23 (112 págs.)

Avaliação:
 

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