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22/05/2003
-
09h01
da Folha de S.Paulo
É difícil desvincular qualquer produção artística norte-americana feita de 2000 para cá da onda de neoconservadorismo que assola os EUA desde que George W. Bush "ganhou" as eleições presidenciais daquele ano.
Há os que incorporam e então refletem docilmente a nova realidade, caso das comédias de segunda linha "Sou Espião" (o primeiro filme da Doutrina Bush) e "Encontro de Amor" (que "prova" que nos republicanos também bate um coração).
Há os anticristos, como Michael Moore e seu "Tiros em Columbine". E havia --pelo menos é o que se pensava-- os que eram maiores do que o seu tempo, como os irmãos Andy e Larry Wachowski, dois nerds trintões que mudaram de novo a ficção científica ao lançarem "Matrix" em 1999.
Infelizmente, também a dupla se deixou contaminar pelo clima "ou nós ou eles" que toma o país do ataque terrorista de 11 de setembro, da guerra do Afeganistão e da invasão do Iraque. A prova é "Matrix Reloaded", que estréia com barulho hoje no Brasil.
Enquanto o primeiro contava a saga de uma turma de revolucionários que ousava partir para a guerrilha armada de um jeito tão romântico que era quase hippie, esse mostra o mesmo grupo de pessoas, mas inserido num militarismo totalitarista. O que misturava com sucesso conceitos religiosos, filosofias orientais e uma pitada transcendental no original, agora virou puro quebra-pau.
A certa altura, Morpheus (Laurence Fishburne) faz um discurso para as massas que poderia ter sido dito por Bush a bordo do porta-aviões Abraham Lincoln; além disso todos o tratam por "sir"; e o roteiro tem aqueles cacoetes chatos de "Guerra nas Estrelas", com conselhos e conselheiros.
Só faltou o Jar Jar Binks.
Não dá para deixar de fazer o paralelo também --tenha sido ele intencional ou inconsciente por parte dos diretores-- quando o tal conselheiro-mor fala da diferença entre as máquinas "do bem", que fazem o serviço sujo para os humanos, e as máquinas "do mal", que os querem destruir. Troque máquinas por imigrantes e humanos por norte-americanos, e eis um retrato do atual estado das coisas nos EUA.
Assim, é natural que o que mais se destaca agora seja a evolução técnica, realmente impressionante, principalmente na cena em que Neo (Keanu Reeves) luta com dezenas de Agentes Smith e na já tão falada rodovia, em que acontece a perseguição principal.
(Mesmo aqui, cabe um parênteses desconfiado: a maior parte dessas cenas foi atuada por simulações digitais de atores, e não atores em si, assim como a câmera que as filmou não era sempre uma câmera, mas outra simulação digital. É mesmo arte ou "Matrix" virou uma matriz?)
Pela revolução tecnológica (e é o caso mesmo de usar a palavra "revolução"), "Matrix Reloaded" mereceria avaliação máxima; pela história, a mínima.
Fica então com duas estrelas.
Avaliação:
Matrix Reloaded (The Matrix Reloaded)
Direção: Andy e Larry Wachowski
Produção: EUA, 2003
Com: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss
Quando: a partir de hoje, no Eldorado 5, Ibirapuera 1 e circuito
Especial
Veja o trailer, galeria de fotos e saiba mais sobre "Matrix Reloaded"
Doutrina Bush contamina irmãos Wachowski em "Matrix Reloaded"
SÉRGIO DÁVILAda Folha de S.Paulo
É difícil desvincular qualquer produção artística norte-americana feita de 2000 para cá da onda de neoconservadorismo que assola os EUA desde que George W. Bush "ganhou" as eleições presidenciais daquele ano.
Há os que incorporam e então refletem docilmente a nova realidade, caso das comédias de segunda linha "Sou Espião" (o primeiro filme da Doutrina Bush) e "Encontro de Amor" (que "prova" que nos republicanos também bate um coração).
Há os anticristos, como Michael Moore e seu "Tiros em Columbine". E havia --pelo menos é o que se pensava-- os que eram maiores do que o seu tempo, como os irmãos Andy e Larry Wachowski, dois nerds trintões que mudaram de novo a ficção científica ao lançarem "Matrix" em 1999.
Infelizmente, também a dupla se deixou contaminar pelo clima "ou nós ou eles" que toma o país do ataque terrorista de 11 de setembro, da guerra do Afeganistão e da invasão do Iraque. A prova é "Matrix Reloaded", que estréia com barulho hoje no Brasil.
Enquanto o primeiro contava a saga de uma turma de revolucionários que ousava partir para a guerrilha armada de um jeito tão romântico que era quase hippie, esse mostra o mesmo grupo de pessoas, mas inserido num militarismo totalitarista. O que misturava com sucesso conceitos religiosos, filosofias orientais e uma pitada transcendental no original, agora virou puro quebra-pau.
A certa altura, Morpheus (Laurence Fishburne) faz um discurso para as massas que poderia ter sido dito por Bush a bordo do porta-aviões Abraham Lincoln; além disso todos o tratam por "sir"; e o roteiro tem aqueles cacoetes chatos de "Guerra nas Estrelas", com conselhos e conselheiros.
Só faltou o Jar Jar Binks.
Não dá para deixar de fazer o paralelo também --tenha sido ele intencional ou inconsciente por parte dos diretores-- quando o tal conselheiro-mor fala da diferença entre as máquinas "do bem", que fazem o serviço sujo para os humanos, e as máquinas "do mal", que os querem destruir. Troque máquinas por imigrantes e humanos por norte-americanos, e eis um retrato do atual estado das coisas nos EUA.
Assim, é natural que o que mais se destaca agora seja a evolução técnica, realmente impressionante, principalmente na cena em que Neo (Keanu Reeves) luta com dezenas de Agentes Smith e na já tão falada rodovia, em que acontece a perseguição principal.
(Mesmo aqui, cabe um parênteses desconfiado: a maior parte dessas cenas foi atuada por simulações digitais de atores, e não atores em si, assim como a câmera que as filmou não era sempre uma câmera, mas outra simulação digital. É mesmo arte ou "Matrix" virou uma matriz?)
Pela revolução tecnológica (e é o caso mesmo de usar a palavra "revolução"), "Matrix Reloaded" mereceria avaliação máxima; pela história, a mínima.
Fica então com duas estrelas.
Avaliação:
Matrix Reloaded (The Matrix Reloaded)
Direção: Andy e Larry Wachowski
Produção: EUA, 2003
Com: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss
Quando: a partir de hoje, no Eldorado 5, Ibirapuera 1 e circuito
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