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28/06/2003
-
02h40
Crítico da Folha de S.Paulo
Eu fazia assistência de montagem para Sylvio Renoldi quando Walter Hugo Khouri fez "As Deusas". Renoldi, grande montador, porém um tanto impaciente com o detalhismo do diretor, deixava-me a horas tantas trabalhar sozinho com o diretor.
Khouri, ou Walter, como preferia ser chamado, não economizava trabalho. A cada cena que não lhe parecia bem elaborada, abríamos a lata com o material cortado, buscávamos fotogramas, acrescentávamos alguns centímetros de imagem até que a cena ficasse a contento.
Na época, 1970, pesava sobre Khouri a acusação de "alienado". Houve várias outras acusações semelhantes a essa, que tendiam a diminuí-lo: burguês, imitador de Antonioni etc. O certo é que, burguês ou não, Walter Khouri fez os filmes que quis e como quis. Isto é: tinha completo controle sobre a técnica de um filme. Sabia que efeito pretendia obter da imagem de um rosto e de sua duração, de um acorde musical, de uma determinada luz, de um corte.
Pessoalmente, o trabalho com ele em "As Deusas" foi o mais instrutivo de meus anos de cinema. Não espanta que Glauber Rocha, ainda iniciante, fizesse questão de mostrar um curta-metragem que havia feito a Khouri, que tinha na conta de maior diretor brasileiro.
É verdade que no futuro os dois estariam em campos opostos. Glauber era o líder do cinemanovismo. Khouri, o mais talentoso herdeiro da Vera Cruz. Glauber, o revolucionário, o renovador. Khouri, o reacionário, o imitador de Bergman. Os clichês pegam. Mas é preciso não ter olhos para não enxergar a beleza de "Noite Vazia" (e até mesmo o tanto de crítica social ali). Ou para não se surpreender com a atmosfera fantástica de "Estranho Encontro".
Walter Khouri fez alguns outros filmes notáveis: "As Amorosas", "O Anjo da Noite" e "As Filhas do Fogo". Seu favorito talvez fosse "Corpo Ardente".
À medida que o sexo se tornou assunto mais frequente nos filmes brasileiros, nos anos 70, Khouri não se apertou: esse era seu território desde os anos 50. Adorava as atrizes, de preferência as bonitas. Adorava colocá-las em destaque, mimá-las. Elas também o adoravam: Odete Lara, Norma Bengell, Liliam Lemmertz, Adriana Prieto, Anecy Rocha.
Muito atacado ao longo dos anos 60, aos poucos Khouri foi sendo aceito pela crítica, talvez até pela sua coerência: apesar dos ataques, apesar das mudanças que o tempo impõe, Khouri era de uma fidelidade canina a seus temas, a suas obsessões.
Para quem o conheceu, Khouri foi um mestre generoso, sempre pronto a ensinar algo e conversar sobre cinema. Para quem não o conheceu, seus filmes restam como lição: embora tivesse um domínio técnico completo, nunca permitiu que a técnica fosse o fim último de seus filmes.
Em resumo, Khouri foi um mestre e um dos maiores cineastas brasileiros desde os anos 1950.
Comentário: Cineasta fez o que quis, como quis
INÁCIO ARAUJOCrítico da Folha de S.Paulo
Eu fazia assistência de montagem para Sylvio Renoldi quando Walter Hugo Khouri fez "As Deusas". Renoldi, grande montador, porém um tanto impaciente com o detalhismo do diretor, deixava-me a horas tantas trabalhar sozinho com o diretor.
Khouri, ou Walter, como preferia ser chamado, não economizava trabalho. A cada cena que não lhe parecia bem elaborada, abríamos a lata com o material cortado, buscávamos fotogramas, acrescentávamos alguns centímetros de imagem até que a cena ficasse a contento.
Na época, 1970, pesava sobre Khouri a acusação de "alienado". Houve várias outras acusações semelhantes a essa, que tendiam a diminuí-lo: burguês, imitador de Antonioni etc. O certo é que, burguês ou não, Walter Khouri fez os filmes que quis e como quis. Isto é: tinha completo controle sobre a técnica de um filme. Sabia que efeito pretendia obter da imagem de um rosto e de sua duração, de um acorde musical, de uma determinada luz, de um corte.
Pessoalmente, o trabalho com ele em "As Deusas" foi o mais instrutivo de meus anos de cinema. Não espanta que Glauber Rocha, ainda iniciante, fizesse questão de mostrar um curta-metragem que havia feito a Khouri, que tinha na conta de maior diretor brasileiro.
É verdade que no futuro os dois estariam em campos opostos. Glauber era o líder do cinemanovismo. Khouri, o mais talentoso herdeiro da Vera Cruz. Glauber, o revolucionário, o renovador. Khouri, o reacionário, o imitador de Bergman. Os clichês pegam. Mas é preciso não ter olhos para não enxergar a beleza de "Noite Vazia" (e até mesmo o tanto de crítica social ali). Ou para não se surpreender com a atmosfera fantástica de "Estranho Encontro".
Walter Khouri fez alguns outros filmes notáveis: "As Amorosas", "O Anjo da Noite" e "As Filhas do Fogo". Seu favorito talvez fosse "Corpo Ardente".
À medida que o sexo se tornou assunto mais frequente nos filmes brasileiros, nos anos 70, Khouri não se apertou: esse era seu território desde os anos 50. Adorava as atrizes, de preferência as bonitas. Adorava colocá-las em destaque, mimá-las. Elas também o adoravam: Odete Lara, Norma Bengell, Liliam Lemmertz, Adriana Prieto, Anecy Rocha.
Muito atacado ao longo dos anos 60, aos poucos Khouri foi sendo aceito pela crítica, talvez até pela sua coerência: apesar dos ataques, apesar das mudanças que o tempo impõe, Khouri era de uma fidelidade canina a seus temas, a suas obsessões.
Para quem o conheceu, Khouri foi um mestre generoso, sempre pronto a ensinar algo e conversar sobre cinema. Para quem não o conheceu, seus filmes restam como lição: embora tivesse um domínio técnico completo, nunca permitiu que a técnica fosse o fim último de seus filmes.
Em resumo, Khouri foi um mestre e um dos maiores cineastas brasileiros desde os anos 1950.
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