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26/08/2003 - 07h31

Série de entrevistas quer introduzir universo teatral aos jovens

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Entre a banda pop da vez e o astro da novela da oito, uma tolerância para as idéias de Freud, Jung, Nietzsche, Brecht, Oswald de Andrade, Antunes Filho, Augusto Boal, José Celso Martinez Corrêa e Gerald Thomas.

O teatro, quem diria, visita a programação da Rede Globo por meio da série de entrevistas individuais com quatro importantes diretores que o programa "Altas Horas" exibe a partir da madrugada do próximo domingo.

Zé Celso é o protagonista do primeiro encontro, sempre gravado com o apresentador Sérgio Groisman e a atriz convidada Camila Morgado.

Na sequência, vão ao ar Antunes Filho (6/9), Augusto Boal (13/ 9) e Gerald Thomas (20/9).

São rostos desconhecidos da maioria dos estudantes adolescentes do auditório.

Mais: o universo de espectadores da Globo raramente (ou nunca) viu esses diretores dando o ar da graça na emissora. Via de regra, são vozes críticas sistemáticas ao nível da programação televisiva do país. Dois exemplos.

Entrou para o anedotário do embate das artes cênicas e televisivas a forma como Antunes Filho replicou, em 1995, a saída de seu ator principal, Luís Melo, do Centro de Pesquisa Teatral (CPT do Sesc São Paulo).

"Fama, dinheiro. Ele sonha em distribuir autógrafos, comer de graça nos restaurantes da moda e comprar uns eletrodomésticos", despachou. Vã profecia.

Em seu livro mais recente, "O Teatro como Arte Marcial" (ed. Garamond, 2003), Augusto Boal desanca "a fábrica de vacuidade que é a TV": Escreve: "A TV tem um caráter policial e normativo com suas imagens imperativas. Nós, ao contrário, temos que oferecer ao público imagens subjuntivas que permitam a invenção, a fuga das trilhas aceitas e cansadas, controladas!".

Não houve resistência dos diretores ao convite de Groisman. "Gostei muito do Sérgio. Fico contente que isso possa ser divulgado pela Globo. Geralmente não sou do oba-oba, não gosto de fazer esse treco [TV]. Mas a molecada deve gostar", diz Antunes, 73.

"O Serginho e a Camila me deram total liberdade. Com todos aqueles equipamentos da Globo, parecendo superprodução, eles me trataram com amor. Só espero que a edição seja boa", afirma Zé Celso, 66.

O tom ideológico é perceptível nas entrevistas ao "Altas Horas", que duram entre 18 e 20 minutos, ininterruptos, plenos em inserções de imagens de arquivos pessoal e artístico, além do império da língua das mãos dos encenadores. A reportagem teve acesso às pré-edições.

"O objetivo é falar desses diretores para o nosso público, mas não de maneira facilitadora. Os entrevistados citam Freud e Stanislaviski sem ficar o tempo todo explicando quem foram eles. O público tem que correr um pouco atrás, senão seria preciso fazer um telecurso", diz Groisman, 53, apresentador e co-diretor do programa.

As entrevistas abrem com a mesma pergunta: "Qual o significado do teatro para você?".

Sentado numa cadeira colocada no chão de terra do teatro Oficina, Zé Celso discorre sobre o seu entendimento de teatro carnavalizado, "teatro de terreiro", cujo ator deve se apropriar, por exemplo, do rebolado na sua expressão corporal como o brasileiro o faz na música e no futebol.

Com sua vasta barba branca, Zé Celso conclama forças para vingar o projeto da montagem integral do épico "Os Sertões", de Euclydes da Cunha, "O Homem", ora na segunda parte. Descreve ainda sua prisão pelo Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), em 1974, durante o regime militar.

Antunes pincela seu método de ator ao abrir para a televisão uma das salas de ensaios do CPT, coisa que só o faz raramente, como no longo documentário produzido pela Rede SescSenac no ano passado.

Explica porque prefere o inconsciente coletivo de Jung ao individual de Freud. Dá o exemplo da sua releitura da obra de Nelson Rodrigues, nos anos 80, sob a ótica dos arquétipos, retirando-lhe o decalque de "tarado".

Em seu apartamento, no Rio, Augusto Boal, 72, não dissocia seu discurso do conjunto de técnicas e reflexões do Teatro do Oprimido "e outras poéticas políticas" amadurecidas nos anos 60 e 70, período de exílio em países latino-americanos.

Questionador constante da chamada sociedade do espetáculo, Boal entende o teatro como um exercício de cidadania. Para ele, todo anônimo pode ser um ator. Daí a mirada para a população marginalizada.

As poltronas vermelhas aveludadas do Teatro Municipal do Rio servem de cenário para a conversa com Gerald Thomas, 49, num intervalo dos preparativos para a encenação da ópera "Tristão e Isolda", de Richard Wagner.

Thomas, que enfrenta polêmica por ter mostrado o traseiro para o platéia ao final da estréia da ópera, faz uma exegese da vaia. "A vaia significa que houve reação orgânica nas pessoas. Eu irritei, movi alguma coisa ali. Eu signifiquei alguma coisa naquele momento. E o sujeito vai sair chutando pneu, cachorro, árvore", afirma.

Como militante de grêmio estudantil, na juventude, ou apresentador do programa de rádio "Matéria-Prima", na Cultura AM, nos anos 80 (depois adaptado para a TV), Groisman sempre cultuou a interseção das artes.

Caminhando para o terceiro ano no ar, o "Altas Horas" cada vez mais incorpora "avis rara" entre as atrações globais de praxe, como os músicos Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal.

Além da série com os encenadores, que deve ser formatada para entrevistas de uma hora para o canal a cabo Futura, Groisman quer estender a incursão pelo teatro ao cinema, artes plásticas, literatura etc. Quer instaurar "alta cultura" por volta de 1h de domingo, com média de 11 pontos de audiência (517 mil domicílios da Grande São Paulo).
 

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