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18/01/2008 - 09h11

Aos 73 anos, o primeiro DJ do Brasil volta a tocar

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THIAGO NEY
da Folha de S.Paulo

O tempo do seu Osvaldo não é o do iPod, do laptop com conexão sem fio, da música eletrônica, da Britney Spears grávida e sem calcinha, da "alta definição". O tempo do seu Osvaldo é o da "alta fidelidade", da Leila Diniz grávida e de biquíni, do foxtrote, da máquina de escrever, do radinho à pilha. Em 1958, a vitrola de seu Osvaldo movimentava passos de dança em São Paulo. Há cinco décadas, seu Osvaldo se transformava no primeiro DJ do Brasil.

Hoje com 73 anos, Osvaldo Pereira voltará a pilotar um toca-discos em um baile na semana que vem, dia 25 de janeiro, em evento gratuito no Sesc Ipiranga em comemoração do aniversário da capital paulista.

"O DJ deve ter sensibilidade para saber o que o pessoal quer dançar", conta --ensinamento que não anda muito respeitado por aí... Se a popularização da dance music faz com que figurões ganhem o equivalente a um carro 0 km por parcas duas horas de labuta, a situação vivida por seu Osvaldo era bem diferente. "Ih, não dava muito dinheiro. Era apenas um extra que eu complementava com o salário de outros trabalhos."

No currículo, constam 12 anos na Philco, na fabricação de televisores, período que desembocou na aposentadoria, em 1980. Mas o pioneirismo de seu Osvaldo já estava cristalizado e consolidado há tempos e foi recuperado pelo livro "Todo DJ Já Sambou" (ed. Conrad; esgotado), de Claudia Assef.

"Foi ele quem começou toda essa história. Ele fazia as pessoas felizes e assim tornou-se uma referência nos anos 60", conta o experiente Tony Hits, que há 35 de seus 53 anos é DJ de samba-rock em São Paulo.

Não queria dançar

A figura do DJ como alguém que utiliza toca-discos para embalar festas ganhou vida com Jimmy Saville, na Inglaterra, em 1947. Nos EUA, a idéia só tomou forma na década de 50. No Brasil, até 1958 os bailes eram animados ou por orquestras e grandes bandas ou amigos dos donos de salão, que se revezavam para colocar os discos que queriam ouvir, sem critério, ordem ou constância.

Seu Osvaldo freqüentava esses bailes, mas "não me interessava em dançar. Eu queria mesmo era ajudar a escolher as músicas que iriam tocar".

Aos 22 anos, em 1954, após completar um curso por correspondência de rádio e TV promovido pela National School, dos EUA, seu Osvaldo ganhou um emprego na Elétro Fluorescentes Arpaco Ltda., loja de equipamentos eletrônicos no nº 209 da r. Guaianazes, na esquina com a r. Vitória, em São Paulo. O dono do estabelecimento, um armênio simpático que falava cinco línguas e atendia por Sharom, foi com a cara do tímido Osvaldo e delegou-lhe uma importante tarefa: "Ele queria que montássemos amplificadores de alta fidelidade, que estavam chegando ao mercado".

A abastada clientela de Sharom voltava das viagens ao exterior com equipamentos de última geração e levava à loja para que Osvaldo montasse e construísse caixas de som adequadas. "Nós aproveitávamos para tirar cópias do diagrama [a estrutura do equipamento e suas peças]. Aí fazíamos nós mesmos aparelhos iguais e vendíamos na loja."

Apaixonado por música, seu Osvaldo aproveitou o conhecimento adquirido na loja para construir seu próprio equipamento de som: um toca-discos movido a válvula.

Orquestra Invisível

Com o potente aparelho, em meados de 1958 ele foi convidado a colaborar com o som de casamentos e de aniversários na região da Vila Guilherme (zona norte de SP). Ali passou a ficar como "efetivo" no manuseio das bolachas. Era ele quem comandava as músicas do início ao fim das festas.

No ano seguinte, foi chamado para tocar em um "piquenique" em Itapevi (Grande SP) --entre aspas porque esse piquenique não envolvia cesto de comida, toalha na grama e clima romântico. "Piquenique era uma espécie de rave da época."

A fama de seu Osvaldo crescia no circuito "clubber" da São Paulo do final dos anos 50. Ganhou o cargo de DJ oficial do Club 220, que rolava nas tardes de domingo no 17º andar do edifício Martinelli, centro de SP. Batizou suas performances de Orquestra Invisível Let's Dance --depois alterada para High Fidelity Let's Dance.

O passo seguinte foi uma residência aos sábados à noite no salão Ambassador (hoje Green Express), na av. Rio Branco.

"As festas ficavam cheias, e foi aí que perceberam que se podia ganhar dinheiro fazendo bailes à noite, sem orquestra."

Com intervalo

O custo para montar uma noite com orquestra era muito mais caro do que com o som mecânico do seu Osvaldo, que levava o próprio equipamento ao local do baile com a ajuda de um táxi e de três auxiliares.

Muitos clubes da cidade passaram a promover festas que varavam a madrugada: Devaneio, Ás de Ouro (na Casa Verde), Pérola Negra (Imirim). "O número de festas aumentou muito. Eu chegava a ter a agenda lotada por três meses", lembra, saudoso, dos tempos em que o DJ tinha que se apresentar vestindo terno e gravata.

Com apenas um toca-discos, era inevitável um intervalo entre as músicas, interrompendo a dança. Seu Osvaldo então construiu um mixer para "colar" uma canção na outra, sem paradas. Mas a recepção não foi a esperada. "O pessoal não gostou da música ininterrupta. Os rapazes queriam que tivesse intervalo, para poder trocar de damas." O mixer nunca mais foi usado por seu Osvaldo.

Sem tango

Foxtrote, samba-canção, chachachá, rumba, algum bolero. Da vitrola de seu Osvaldo, saía quase tudo. Apenas tango não entrava de jeito nenhum. "Tocava tango apenas nos casamentos do bairro. Nas festas na cidade, nunca."

Frank Sinatra, Ray Charles, Glenn Miller, Benny Goodman e Ted Heath eram alguns dos hits do DJ. "Mas o que causava frisson era Ray Conniff", diz.

A carreira de DJ de seu Osvaldo durou dez anos. Em 1968, deixou os toca-discos em casa para o trabalho na Philco e o sustento da mulher e dos cinco filhos (depois, casou-se novamente e teve dois rebentos).

Após 1968, ele voltou a discotecar por duas vezes. No lançamento do livro "Todo DJ Já Sambou", em 2003, e em uma noite no extinto clube Soul Sister, no Itaim Bibi, em 2005.

Mas as lembranças de seu Osvaldo ainda permanecem fresquinhas. "Era comum os rapazes pedirem para eu 'reprisar' alguma música, porque eles queriam tentar conquistar uma mulher. Até me traziam uma cuba libre para agradecer."

 

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