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05/09/2003
-
06h58
WALTER SALLES
colunista da Folha
Diga-se logo de cara: "21 Gramas", o novo filme do diretor mexicano Alejandro Gonzalez Iñárritu, que estréia hoje no Festival de Veneza, é uma porrada. "21 gramas" é o peso de um colibri. De um maço de cigarro.
E, segundo diz um dos personagens do filme, o peso que um corpo perde na hora da morte.
"21 Gramas" é a história de três destinos que se cruzam. Paul (Sean Penn) é um professor de matemática cardíaco. Espera pela chamada telefônica que poderá lhe salvar a vida. Está na fila para um transplante de coração. Jack (Benício Del Toro) é um criminoso regenerado. Virou evangélico, mas ainda não pagou todas as suas dívidas na terra.
Christine (Naomi Watts, no seu melhor papel desde "Mulholland Drive" ("Cidade dos Sonhos", 2001, de David Lynch) é uma mulher que se aquietou. Já foi drogada, agora é mãe de família burguesa. Têm duas filhas, um marido. Tudo certo.
Não. Como em "Amores Brutos" (2000), o primeiro filme de Iñárritu, um carro não vai parar em um sinal. Vidas são suspensas, outras se interceptam subitamente. O filme é todo construído a partir desse princípio, o da colisão. Como em uma montanha-russa, o espectador é projetado de uma família para outra, em uma narrativa fulgurante, sem concessões.
Iñárritu mescla presente, passado e futuro, sem cinto de segurança. Os tempos narrativos se chocam, sem que um código gramatical indique em que momento estamos. Nada traz conforto. Ao contrário, o que interessa ao diretor é o que é lacunar, o espaço entre as coisas. O vazio que o espectador terá que preencher.
A geografia é indistinta. Não há preocupação com o enquadramento. Vale a geografia humana, a dos sentimentos. Não há o teatrinho caro a Lars Von Trier. Não há o desejo de distanciamento nem a recusa da emoção. Vale o que você está vendo.
Sean Penn nos oferece uma das interpretações mais viscerais dos últimos anos. Del Toro e Naomi Watts também não recusam riscos. Estão constantemente à beira do precipício.
"21 Gramas" também é um filme de turma, que reúne os colaboradores habituais de Iñárritu: o roteirista Guillermo Arriaga e o diretor de fotografia Rodrigo Prieto. Os independentes Penn, Del Toro e Watts vieram engrossar o caldo.
Resta saber que tipo de reação "21 Gramas" vai suscitar em Veneza. Filme de estrutura jazzística, extraordinariamente bem filmado, "21 Gramas" não cabe facilmente em um escaninho. É radical sem pretender ser "experimental". É maior do que o território que os europeus geralmente reservam aos filmes de diretores latino-americanos. Tem um final que não vai agradar a todos. E é falado em inglês.
Aconteça o que acontecer, o filme vai longe. O primeiro filme de Iñárritu, o ótimo "Amores Perros", foi esnobado pelos comitês de seleção dos grandes festivais. Acabou sendo revelado por uma seção paralela do Festival de Cannes, a Semana da Crítica. Com "21 Gramas", ocorreu o contrário. Depois de Veneza, o filme será uma das principais atrações do Festival de Toronto e encerra o Festival de Nova York. Veio para ficar. E incomodar.
Princípio de colisão constrói estrutura de "21 Gramas"
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colunista da Folha
Diga-se logo de cara: "21 Gramas", o novo filme do diretor mexicano Alejandro Gonzalez Iñárritu, que estréia hoje no Festival de Veneza, é uma porrada. "21 gramas" é o peso de um colibri. De um maço de cigarro.
E, segundo diz um dos personagens do filme, o peso que um corpo perde na hora da morte.
"21 Gramas" é a história de três destinos que se cruzam. Paul (Sean Penn) é um professor de matemática cardíaco. Espera pela chamada telefônica que poderá lhe salvar a vida. Está na fila para um transplante de coração. Jack (Benício Del Toro) é um criminoso regenerado. Virou evangélico, mas ainda não pagou todas as suas dívidas na terra.
Christine (Naomi Watts, no seu melhor papel desde "Mulholland Drive" ("Cidade dos Sonhos", 2001, de David Lynch) é uma mulher que se aquietou. Já foi drogada, agora é mãe de família burguesa. Têm duas filhas, um marido. Tudo certo.
Não. Como em "Amores Brutos" (2000), o primeiro filme de Iñárritu, um carro não vai parar em um sinal. Vidas são suspensas, outras se interceptam subitamente. O filme é todo construído a partir desse princípio, o da colisão. Como em uma montanha-russa, o espectador é projetado de uma família para outra, em uma narrativa fulgurante, sem concessões.
Iñárritu mescla presente, passado e futuro, sem cinto de segurança. Os tempos narrativos se chocam, sem que um código gramatical indique em que momento estamos. Nada traz conforto. Ao contrário, o que interessa ao diretor é o que é lacunar, o espaço entre as coisas. O vazio que o espectador terá que preencher.
A geografia é indistinta. Não há preocupação com o enquadramento. Vale a geografia humana, a dos sentimentos. Não há o teatrinho caro a Lars Von Trier. Não há o desejo de distanciamento nem a recusa da emoção. Vale o que você está vendo.
Sean Penn nos oferece uma das interpretações mais viscerais dos últimos anos. Del Toro e Naomi Watts também não recusam riscos. Estão constantemente à beira do precipício.
"21 Gramas" também é um filme de turma, que reúne os colaboradores habituais de Iñárritu: o roteirista Guillermo Arriaga e o diretor de fotografia Rodrigo Prieto. Os independentes Penn, Del Toro e Watts vieram engrossar o caldo.
Resta saber que tipo de reação "21 Gramas" vai suscitar em Veneza. Filme de estrutura jazzística, extraordinariamente bem filmado, "21 Gramas" não cabe facilmente em um escaninho. É radical sem pretender ser "experimental". É maior do que o território que os europeus geralmente reservam aos filmes de diretores latino-americanos. Tem um final que não vai agradar a todos. E é falado em inglês.
Aconteça o que acontecer, o filme vai longe. O primeiro filme de Iñárritu, o ótimo "Amores Perros", foi esnobado pelos comitês de seleção dos grandes festivais. Acabou sendo revelado por uma seção paralela do Festival de Cannes, a Semana da Crítica. Com "21 Gramas", ocorreu o contrário. Depois de Veneza, o filme será uma das principais atrações do Festival de Toronto e encerra o Festival de Nova York. Veio para ficar. E incomodar.
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