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17/08/2000 - 19h23

"Eu Tu Eles": "Faria tudo de novo", diz a Marlene da vida real

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MARCELO BARTOLOMEI
enviado especial a Morada Nova (CE)

Uma mulher forte e determinada, mas polêmica. Marlene Sabóia, que tem sua vida mostrada no filme "Eu Tu Eles", de Andrucha Waddington, disse que faria tudo de novo se sua história acontecesse hoje em dia.

Ela viveu com três maridos sob o mesmo teto em Morada Nova, no interior do Ceará. Neste trecho da entrevista, ela conta como os maridos a tratavam e que eles nunca a disputaram.

Folha Online - A sra. faria tudo de novo?
Marlene -
Rapaz, é o seguinte: eu poderia não fazer, mas sou capaz de dizer que faria, sim. Eu tenho coragem, eu tenho espírito para fazer. Mas se eu achasse o Zé, se o Zé voltasse eu ficava com ele para ganhar dinheiro mais ele no meio deste mundo.

Folha Online - Mas em momento algum, por causa da sua consciência ou das pessoas que comentavam algo, a sra. se arrependeu de algo?
Marlene -
Não me arrependo. Uma vez, de tanto falarem de mim e para mim destas coisas, eu fui perguntar para um padre que veio até Quixelô se ele achava que era pecado viver com três maridos. Eu cheguei lá e perguntei a ele: "Seu padre, o sr. acha errado eu viver com meus três maridos?". E ele me disse que quem haveria de perdoar meus pecados seria Deus, não ele. E que se não havia mal nenhum entre todos nós, que eu seria perdoada.

Folha Online - A sra. ainda deve muito por aqui?
Marlene -
Eu devo muito, eu queria arranjar um dinheiro pra pagar minhas coisas, ficar com meu nome limpo nos cadernos. Não devo bastante, devo três prestações de R$ 49 da minha parabólica e devo R$ 150 do armário. Queria arranjar metade, pelo menos, para aliviar. O armário foi R$ 200, mas já dei três prestações de R$ 25.

Folha Online - O que a sra. já ganhou depois de ter contado sua história para o filme?
Marlene -
Me prometeram uma geladeira. O Andrucha (Waddington, diretor do filme) me perguntou o que eu mais tinha vontade de ter na minha casa. Eu disse que era muita coisa, porque eu não tenho nada. Tenho vontade de uma televisão, de uma geladeira, minha casa tem muita gente e se estraga muita coisa. Eu estou sem carroça, comprando água por R$ 5 a mamona de 200 litros. E ele ficou calado. E eu pedi um dinheiro para ele. Ele me disse que não era ele quem daria o dinheiro, que era o festival do filme (Festival do Ceará, realizado em julho, onde "Eu Tu Eles" foi exibido). Daí a gente foi até Morada Nova um dia para pagar tudo que eu devia lá e comprar algumas coisas. Fui ao banco, abri uma conta, paguei a minha conta no mercantil, mas ficou a do Chico ainda. A minha era de R$ 360 e a do Chico, R$ 218. Pagamos tudo e fizemos compras, pediram para eu comprar tudo que eu precisava, arroz, macarrão, farinha, rapadura, óleo. A Marclene, menina minha, estava lá, e pediu papel higiênico, perfume, desodorante. Mas eu disse que não. E me disseram para eu comprar mais. E peguei. Tudo deu R$ 220. O total, então, deu R$ 798, fizeram um cheque. Compraram também bola, ferramentas e fitas para o meu menino. Tudo isso eles compraram. E me entregaram R$ 900 que o Andrucha tinha mandado, o tal dinheiro do festival. Daí comprei minha carroça e minha antena. Mandei fazer a carroça por R$ 300, dei R$ 100 para minha menina que está desempregada em Fortaleza e estou pagando a parabólica à prestação. Tenho fé em Deus que eu chego lá. (Marlene assinou um contrato com os produtores do filme para ganhar 3% sobre o faturamento da bilheteria do filme em sua exibição do filme).

Folha Online - E o que a sra. tem em casa?
Marlene -
Tenho meu fogão, uma TV, uma parabólica e as estantes.

Folha Online - Eu vi um aparelho de som ali na sala...
Marlene -
É do meu menino, do Erasmo, mas ele vai casar com uma moça daqui de perto e vai levar. É dele. E o Chico disse que vai mais ele para lá depois que tiver sua casa.

Folha Online - A sra. trabalha ainda?
Marlene -
Na roça? Trabalho, trabalho de segunda, terça, quinta e sexta. Aqui a gente trabalha com as coisas que a gente come agora. A gente tem milho, feijão, algodão, o que mais dá aqui é só isso. Algodão está difícil de plantar, porque dá peste e se perde tudo. Não tenho mais vontade de plantar algodão.

Folha Online - A sra. tem algum sonho?
Marlene -
Sonho de realização? Eu tenho sim, mas... o meu sonho é... eu vivo uma vida maravilhosa. Melhor do que isso eu não acho. Tenho tudo que eu quero, tudo o que eu preciso, se eles puderem eles me dão. Tenho vontade de viver com meu nome tranquilo, sem dever para ninguém. Mas eu chego lá. Sou uma pessoa muito estragada. Trabalhei muito na roça. Eu cansei de sair daqui todo dia às 6h só com a merenda e a água da cabaça, e trabalhar mais os homens no mato, dar duro o dia inteiro. Depois que meus filhos nasceram eles cresceram.

Folha Online - A sra. estudou?
Marlene -
Eu saí daqui já fazendo a terceira série (do primeiro grau). Fiz a quarta e a quinta depois. Quando eu ia passar para a sexta, deixei o colégio, lá em Fortaleza. Naquele tempo os estudos eram diferentes de agora. A gente aprendia muito mais coisa. Agora você bota um filho no colégio e eles perdem o interesse. As professoras botam o dever na lousa e se quiser fazer, faz, elas não dedicam mais e não têm paciência mais com eles. Depois de casada, já velha, eu até que frequentei umas escolas que apareceram para ir à noite. Mas depois que eu quebrei meus óculos de grau eu não dei mais conta. Começo a escrever aqui em baixo (mostra um papel) e termino lá em cima. Brigo para estes meninos irem para a escola, mas não adianta. Este menino aí (Erasmo) não se interessa muito, mas ele é inteligente. O branco, Edcarlos, tem raiva de quando a gente fala de ir para a escola.

Folha Online - A sra. tem medo de ficar sozinha?
Marlene -
Acho que nunca vou ficar sozinha. Tem muita gente aqui em casa. Mas é claro que um dia todo mundo morre. Se meus velhos morrerem, tenho coragem de tocar a vida, como sempre tive, e começar de novo, ao lado dos meus filhos, aqui na minha casa.

Folha Online - A sra. é feliz?
Marlene -
Sou, e muito.

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