05/11/2003 - 09h04

Crítica: De volta ao paradoxo de "Televisão"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

Há um curioso paradoxo norteando o novo álbum dos Titãs, "Como Estão Vocês?". Ele pode ser ouvido particularmente em duas de suas faixas mais eficientes, "A Guerra É Aqui" e "Livres para Escolher".

A primeira é um punk rock classudo, de arranjo sofisticado, que discorre com ironia desencantada sobre a incapacidade do homem em se manter em paz. É a cara de alguma faixa de "London Calling" (79), clássico maior do grupo britânico clássico de punk rock The Clash.

A segunda é um pop rock solto, descontraído, que tenta transmitir algum otimismo do tipo "vocês ainda vão se amar". Principalmente por sua introdução, é a cara de "Lindo Balão Azul" (82), roquinho que Guilherme Arantes compôs para a criançada cantar num especial infantil da Globo.

Nada de novo na fronteira, portanto. Essa contradição em termos tem sido a tônica da banda desde pelo menos "Televisão" (85), o álbum titânico com que "Como Estão Vocês?" mais se parece.

As intervenções de Branco Mello, como em "Eu Não Sou um Bom Lugar" (dele com Bellotto), dão a medida exata da perplexidade dos Titãs de 2003: "Não quero mais ficar assim/ eu vou começar por mim".

O que acontece é que a mudança dos tempos vai tornando ocioso aquele casamento cínico. Os Titãs sabem disso, pois o tematizam obsessivamente nas cores operárias da capa do CD, no receio de "KGB", na melancolia de "As Aventuras do Guitarrista Gourmet Atrás da Refeição Ideal" e "Esperando para Atravessar a Rua", homenagens voluntária e involuntária a Marcelo Fromer.

Afastado o corpo estranho que já era Nando Reis nos Titãs, o quinteto parece intacto, pacificado --básico como "Nós Estamos Bem", polpudo como "Pelo Avesso", banal como "Enquanto Houver Sol".

Se "Como Estão Vocês?" trata de superação, como acredita Paulo Miklos, pode ser que trate, entre outras várias, da superação dos próprios Titãs --e nem isso seria mais exatamente uma novidade. Se a vida tem de ser assim, assim será.

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