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06/11/2003 - 03h32

Seres criados por Patricia Piccinini questionam manipulação genética

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FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo

Quando Dr. Frankenstein criou seu monstro, de acordo com o romance escrito por Mary Shelley, em 1816, sua reação foi rejeitar o "novo filho". Era impossível para o médico relacionar-se com um ser artificial, gerado apenas pelo uso da tecnologia.

Quase 200 anos depois, quando a engenharia genética já deu mostras que o sonho de Frankenstein não está tão longe, a artista plástica Patricia Piccinini recoloca o drama do monstro: pode-se amar tais criaturas?

Para tanto, Piccinini cria seres híbridos em esculturas hiper-realistas expostas em situações familiares e banais, impossíveis de deixar o público passível. Foi assim na Bienal de Veneza, encerrada no último fim de semana, onde a artista ocupou o pavilhão australiano com uma série de obras que lidavam com essas idéias e tinha filas permanentes na abertura da mostra.

Coração

"Plasmid Region", o vídeo que constava da mostra na Itália, pode agora ser visto em São Paulo, pois faz parte da exposição "Metacorpos", inaugurada na última segunda, no Paço das Artes, na Universidade de São Paulo, ao lado de trabalhos de Nan Goldin, Cindy Sherman e Alair Gomes.

"Esse vídeo representava o coração de minha exposição na Bienal de Veneza, pois era o único elemento que se movia e tinha som. Ele é uma metáfora sobre a biotecnologia, que é capaz de criar seres em linha industrial", disse Piccinini à Folha, durante a montagem de sua obra no Paço, na semana passada.

Em "Plasmid Region", estranhos corpos multiplicam-se de forma lenta e ao som de uma composição lírica.

"Poderia ter alterado completamente a percepção da obra se tivesse colocado uma música com mais tensão, aí viraria um filme de horror", afirma a artista, que pretendia também trazer as bizarras esculturas para São Paulo, mas "a falta de patrocínio" inviabilizou sua iniciativa.

"Família"

Piccinini nasceu em Freetown (Serra Leoa), filha de italianos, e há 30 anos vive na Austrália, o que a torna, aos 38 anos, um dos destaques de sua geração na terra dos cangurus.

Além de ter representado o país em Veneza, Piccinini participa agora da Bienal de Havana, aberta na última semana em Cuba, e toma parte de uma mostra de artistas australianos em Berlim, na mais importante casa de arte contemporânea da cidade, a Hamburger Banhof.

"Em minhas obras não me interessa a humanidade das criaturas que realizo, tampouco busco realizar um julgamento moral sobre os transgênicos. O que me interessa é debater qual a nossa responsabilidade sobre eles. Estamos prontos para admiti-los como parte de nossa família?", questiona Piccinini.

O nome da exposição na Itália era justamente "We Are Family" (Somos Família).

Para comprovar que seus seres não estão tão distantes da realidade, Piccinini fez uma montagem fotográfica na qual dispõe o famoso rato com uma orelha humana no ombro de uma linda modelo, com contornos perfeitos criados digitalmente, recurso usado por muitas revistas atualmente.

"Meu trabalho é sobre o mundo em que vivemos. Quando vi o rato, em 1997, achei que tinha que dar uma resposta. Já lidamos com o artificial em nossos próprios corpos e foi isso que busquei apontar ao contrapor as duas imagens."

A inspiração para suas obras vem declaradamente da leitura da obra-prima de Shelley. "Li o livro há dez anos e nunca entendi porque Dr. Frankenstein nunca amou o mostro, sequer deu um nome a ele", diz Piccinini.

A artista também compara o presente com o período em que Mary Shelley escreveu o livro: "Creio que vivemos em momentos muito parecidos. No início do século 19, havia todo um deslumbramento com a tecnologia, a partir do início dos processos industriais e da invenção da eletricidade, muito parecido com o que existe hoje em dia, em relação ao universo digital".

Zoológico

A família da foto no alto desta página foi pensada, segundo a artista, como seres transgênicos que forneceriam órgãos para humanos. "Mas, ao contrário do monstro de Frankenstein, é uma criatura que deu certo, pois procriou", afirma Piccinini.

A idéia de seres que convivam bem com o ambiente é também importante para a artista. Em 2000, ela chegou a colocar uma de suas esculturas ao lado de "wombats", um tipo de canguru gordo, no zoológico de Melbourne. As obras simulavam respirar, mas especialistas contaram à artista que tais seres jamais poderiam sobreviver, pois tinham dimensões que não se adaptariam ao ambiente. "Fiquei muito frustrada ao falhar em minha primeira criatura, adoro tentar criar seres que poderiam sobreviver", explica Piccinini.

Em "Metacorpos", a obra da artista assume justamente a função de apontar para onde pode caminhar a manipulação genética. A questão é se estamos preparados para viver com seres como os das fotos.

METACORPOS
Curadoria: Daniela Bousso
Onde: Paço das Artes (av. da Universidade, 1, USP, tel. 0/xx/11/3814-4832)
Quando: de ter. a sex., das 11h30 às 18h30; sáb. e dom., das 12h30 às 17h30. Até 3/12.
Quanto: R$ 1 (sugestão)
 

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