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28/11/2003 - 06h20

"Um Passaporte Húngaro" reflete saga familiar

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PEDRO BUTCHER
crítico da Folha

A inquietação que move Sandra Kogut em "Um Passaporte Húngaro" é profundamente pessoal, o que não significa que seu filme seja egocêntrico. Ao contrário, são pouquíssimas (e aparentemente acidentais) as vezes em que a câmera flagra a imagem da própria cineasta. Não aparecer parece ter sido uma das condições que a diretora se impôs, apesar de ela estar sempre presente, conduzindo o filme com sua voz em "off".

É uma opção bastante inteligente, em que a cineasta absorve as melhores características do documentário moderno (assumir a primeira pessoa, narrar o ponto de vista do documentarista) sem resvalar para aquilo que é o seu perigo maior, que é o que ocorre quando um filme acaba por transformar o realizador em algo muito mais importante do que a própria obra.

Sandra Kogut está à frente de uma investigação em torno da sua própria identidade, mas ela acaba conseguindo manter o foco de seu filme sobre o processo, e não sobre ela mesma.

Um trâmite burocrático é o fio condutor: pode uma brasileira, neta de húngaros, radicada na França, tirar um passaporte húngaro? A resposta vai sendo dada aos poucos, por meio de visitas feitas aos consulados da Hungria em Paris e no Rio de Janeiro e de pesquisas realizadas no Arquivo Nacional, onde a cineasta encontra a documentação em que está registrada a entrada de seus avós no Brasil.

Mas não é só. Sandra também vai gravar (com uma pequena câmera digital) as conversas com vários parentes, principalmente sua avó, Mathila Lajta, que narra, com minúcias, o processo de imigração dela e de seu marido durante os anos em que a perseguição aos judeus se espalhou pela Europa.

Sandra Kogut não possui uma formação de cineasta, mas é experiente na realização de vídeos. Talvez por isso ela consiga utilizar com tamanha destreza a câmera digital. Vale dizer, aliás, que o fato de o documentário ter sido realizado por meio dessa tecnologia é um dos fatores de sucesso do filme. Sem a presença de microfones e de toda a ostentação técnica dos equipamentos tradicionais de filmagem, Kogut consegue obter depoimentos mais ricos, intimistas, resultado que dificilmente seria alcançado caso não fosse utilizada a tecnologia digital.

Aos poucos, depoimentos e entrevistas vão formando uma complexa e interessante rede de informações. No Arquivo Nacional, por exemplo, ficamos sabendo como era a política de imigração do Brasil na época e a nada louvável ambiguidade de Getúlio Vargas em relação ao anti-semitismo europeu. Pela voz de Mathila Lajta, ficamos sabendo também que a proibição do governo brasileiro em receber os judeus não impediu que eles entrassem. O país continuou recebendo-os, ainda que sob a condição do suborno dos funcionários dos portos brasileiros.

"Um Passaporte Húngaro" é mais uma confirmação do ótimo momento do documentário brasileiro. É uma investigação pessoal, mas que, ao mesmo tempo, tem muito a dizer sobre este país cheio de contradições.

Avaliação:

Um Passaporte Húngaro
Produção:
Brasil, 2003
Direção: Sandra Kogut
Quando: a partir de hoje, no cine Espaço Unibanco 4
 

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