Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
29/11/2003 - 08h53

Nelson Rodrigues investiga limites do amor

Publicidade

MARCELO RUBENS PAIVA
articulista da Folha

"A Mulher que Amou Demais" é um romance tão deslumbrante quanto o seu título. Lúcia, 18, é a protagonista e está para se casar com Paulo, um diplomata em começo de carreira.

Porém, 24 horas antes da cerimônia, ela cruza, acidentalmente (esperava cruzar uma rua), com Carlos, um desconhecido que passa a dizer, do nada, que ela não ama seu noivo.

O mencionado a empalidece. E quem é este estranho a provocar isto? Carlos vai mais longe. Diz que também é noivo e que está já apaixonado por Lúcia, quer se casar com ela. Acabaram de se conhecer. É doido?

Este é o primeiro e o único romance de Myrna, colunista dos anos 40 do jornal "Diário da Noite", de quem a Cia. das Letras já havia publicado as crônicas em "Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo", no resgate coordenado por Caco Coelho.

Na verdade, Myrna, assim como Suzana Flag, era um pseudônimo de Nelson Rodrigues (1912-80). No romance, primeira vez publicado em livro, há a tinta dele. Na trama, o seu segredo.

Nelson faz a loucura parecer normal, e seus personagens debatem sobre ela sem parar. Ele cria personagens cuja impulsividade nos é familiar. Pior ainda. Acaba nos convencendo de que tais atos impulsivos poderiam acontecer com qualquer um de nós.

O inacreditável acontece, sim. Lúcia descobre, naquela instante, que não ama seu noivo. E acredita ser possível se apaixonar por Carlos. Vão juntos tomar um sorvete.

E ele confessa, para aumentar tamanha aflição, que irá matar alguém e que precisa de um álibi. O crime será cometido no dia seguinte. Ela não pode ajudar. No mesmo horário, ela se casará. Chegando em casa, Lúcia sente saudades de quem? De Carlos. E anuncia a decisão: não haverá casamento.

Gente maluca? Não. Porque é possível alguém desistir, de uma hora pra outra, de um projeto de vida, especialmente sob a sombra da pressão. No mais, uma mulher, para se casar, precisa amar demais. E a própria autora, na sua coluna "Myrna Escreve", de 18 de julho de 1949, em que anuncia o livro a ser publicado em capítulos, antecipa sua teoria. Há quem pergunte: pode-se amar de menos? Ninguém ama de menos, sempre se ama demais.

Apesar da ciência de que não há medida para o amor, Myrna afirma: "Pouco amor não é amor". Se uma amorosa tem consciência de um limite qualquer que seja do seu amor, é porque não ama. É no amor que o sacrifício deixa de ser. Tal descoberta cai como um piano na cabeça de Lúcia.

Dividido em capítulos, na era anterior à telenovela, o livro sempre atinge um ápice dramático no final de cada um. Leitoras do "Diário da Noite" foram envolvidas numa trama que só crescia; o lançamento do folhetim foi capa do jornal.

As revelações de que Paulo é um rapaz fino, controlado, que não se exaltava e beijava mal abrem a narrativa, o que, para o atento leitor, indica: algo não vai bem. E acontece o inesperado. Um pedestre aparece do nada e diz: "A verdade é que nós estamos errados: minha noiva não é para mim; seu noivo não é para si".

Lúcia compreendeu que estava diante de uma catástrofe. "Pode-se não conhecer uma mulher, mas saber que ela existe e desejar encontrá-la", provoca o desconhecido Carlos.

"Que que há comigo, mamãe?", pergunta Lúcia. Sim, ela não é maluca de pedra, sabe que sua decisão, 24 horas antes da cerimônia para a qual o ministro fora convidado, não faz sentido.

O absurdo passa a não ser. O noivo confessa que pensa mais na carreira que na noiva --seria nomeado embaixador de Alexandria. E assim, aos poucos, Rodrigues constrói a trama que pode parecer inaceitável. Mas assim a vida é.

Avaliação:

A Mulher que Amou Demais
Autor:
Nelson Rodrigues (sob o pseudônimo Myrna)
Editora: Cia. das Letras
Quanto: R$ 29,50 (181 págs.)
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página