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30/11/2003 - 08h35

Ariano Suassuna relança "A Pedra do Reino"

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FÁBIO VICTOR
da Folha de S.Paulo, no Recife

Criador de alguns dos mais cômicos personagens da literatura brasileira e um confesso palhaço frustrado, Ariano Suassuna, 76, faz troça da demora em torno de sua aguardada próxima obra.

"Já marquei tantas vezes que não quero me desmoralizar mais", diverte-se, ao evitar previsões sobre o lançamento do livro, iniciado em 1981 e que reunirá em vários volumes elementos de teatro, prosa, poesia e artes plásticas.

A mais nova pausa na execução do "livrão", como ele se refere à obra, tem uma causa nobilíssima: o escritor paraibano vai revisar o clássico "A Pedra do Reino", que será relançado pela José Olympio.

Na quinta-feira retrasada, Suassuna recebeu a Folha em sua casa, no Recife, e desvelou um pouco do misterioso romance. Entre outras coisas, que um dos nomes do protagonista será Antero Savedra, claro tributo a um dos seus mestres, Miguel de Cervantes Saavedra, autor de "Dom Quixote".

O dramaturgo cedeu uma gravura inédita que estará na obra, um retrato de sua mulher, Zélia.

Com a habitual eloquência, Suassuna, que pediu para ser tratado por "você", falou por quase duas horas. Fez uma defesa calorosa do governo Lula. Questionado sobre a gestão de Gilberto Gil, resumiu-se a dizer que aconselhou o ministro a revalorizar a cultura brasileira e que é possível fazê-lo mesmo sem dinheiro --citou o exemplo das aulas-espetáculo que criou quando secretário do governo Arraes (95-98).

Uma cena rara precedeu a entrevista: Suassuna trepou-se numa cadeira para tirar jambos de seu quintal para uma jornalista da TV Globo que foi à sua casa gravar o programa "Canto de Ariano", veiculado todo sábado no telejornal local da emissora.

Antes de iniciar a gravação, Suassuna, um fanático torcedor do Sport que dribla a família e vai sozinho de táxi ao estádio da Ilha do Retiro ver seu time, repetiu as frases que diz toda semana para testar o microfone de lapela: "Viva o povo brasileiro", "Viva o glorioso Sport Club do Recife".

Folha - Quando sai a reedição de "A Pedra do Reino"?

Ariano Suassuna -
Está muito dependendo de mim. A José Olympio até já mandou um exemplar em xerox ampliado, para facilitar meu trabalho. Já devia ter começado, mas não comecei. Quando penso em parar o livro me dá um desgosto... Para fazer um trabalho mecânico, que é o de revisão.

Folha - Mas "A Pedra do Reino" não estaria dentro do livrão?

Suassuna -
É, estaria... Olhe, o livrão é muito grande, é muito grande, e a "Pedra do Reino" só iria entrar lá adiante. Aí eles fizeram esse apelo para reeditar, e eu concordei. Porque vi que no livrão eu poderia botar só a continuação d'"A Pedra do Reino".

Folha - Você vai reescrever "A Pedra do Reino", como tem feito com algumas obras recém-reeditadas?

Suassuna -
Não, nesse eu não quero mexer muito, não.

Folha - É uma obra sagrada?

Suassuna -
Dos trabalhos mais caros a mim, é o último. Quando o escrevi já era um adulto.

Folha - Todos os seus livros estarão integralmente no livrão?

Suassuna -
Houve um momento em que pensei nisso, mas mudei o plano. A mudança é que permitiu a reedição d'""A Pedra do Reino".

Folha - Resolveu a primeira parte, tida por você como a mais difícil?

Suassuna -
Na minha cabeça está resolvida. É uma espécie de rapsódia introdutória ao conjunto. Ela vive por si só.

Folha - Quantos volumes serão?

Suassuna -
Só posso decidir depois. Outra coisa que me atrapalhou muito foi que eu falo demais, sou prolixo escrevendo. Aí decidi dividir em vários romances curtos. Mas não estou conseguindo. Só sai grande. Aí disse: sabe o que mais? Isso não é problema meu, é problema do editor e do leitor. Se vou ter quem leia, não sei.

Folha - Mas você segue trabalhando nele? Tem idéia de...

Suassuna -
...De quando termino? Eu já marquei tantas vezes que não quero me desmoralizar mais. Em 8 de dezembro de 2002 eu iniciei a redação da primeira parte, a última que falta. Pensei que ali seria o fim, mas ficou como o começo, o começo do fim.

Folha - O narrador é Quaderna (de "A Pedra do Reino")?

Suassuna -
Não. Nos romances havia a tradição, vinda da crítica literária, de ter o protagonista e o antagonista, são os dois personagens mais importantes. No "Auto da Compadecida" o protagonista é João Grilo, o antagonista é Chicó. Normalmente são pessoas de temperamento oposto. Pois bem, o protagonista é esse narrador, o antagonista é Quaderna.

Folha - O que é que pode ser dito sobre o narrador?

Suassuna -
É um escritor frustrado que se torna encenador e ator.

Folha - Qual o nome dele?

Suassuna -
Eu dou, vou dar, porque ele tem dois nomes, eu posso dar um: Antero Savedra.

Folha - Você diz que escreve todos os dias. Também lê?

Suassuna -
Muito. Sou um leitor inveterado, desde muito menino. E talvez goste mais ainda de reler. Leio poucos autores muitas vezes.

Folha - O que tem lido?

Suassuna -
Reli um livro de Dostoiévski, "Os Irmãos Karamazov", e estou relendo outro, "Os Demônios". Reli as obras completas de Gogol em francês. De Tolstói reli uma novela da qual gosto muito, "O Divino e o Humano".

Folha - Lê mais em qual língua?

Suassuna -
Leio em português, espanhol e francês.

Folha - E inglês?

Suassuna -
Leio com dificuldade. O inglês comum dá para ler, mas o inglês literário leio com certa dificuldade. E não gosto muito de ler em inglês. Acho uma língua muito bárbara, para mim não é feita para a literatura, não. Faça a exceção de Shakespeare, que eu respeito e gosto muito.

Folha - Você nunca viajou para fora do Brasil. Por quê?

Suassuna -
É por isso que sou um viajante imaginário, como o narrador do meu romance. Não tenho que viajar, não. Conheço a Rússia melhor do que muito russo, através simplesmente de Dostoiévski, Gogol e Tolstói.

Folha - Certa vez uns colegas queriam mandá-lo para a França...

Suassuna -
Foi, foi. Eles conseguiram uma bolsa do governo francês para eu estudar. Quando já estava quase tudo preparado, um deles disse: você tem que ir, porque um escritor brasileiro não conhece o Brasil se não fizer um curso na Europa. Aí eu disse: pois eu não vou mais, não. O gringo que quiser me conhecer agora tem que vir aqui, porque eu não vou lá. Eu era muito jovem quando disse isso, e não é que não se cumpriu, isso? Eu não fui lá e tem gringo que vem por aí para falar comigo. Esse orgulho eu tenho.

Folha - Existe algum país que você gostaria de conhecer?

Suassuna -
Se Portugal e Espanha fossem ali em Alagoas, eu iria. Mas são muito longe.

Folha - Qual a sua análise sobre o primeiro ano do governo Lula?

Suassuna -
Continuo muito satisfeito com o governo dele. Tem uns impacientes por aí que estão reclamando, mas querem que Lula resolva a injustiça social brasileira, que é secular. O que Lula fez que já me deixou muito contente foi devolver a altivez ao povo brasileiro, com atos como o apoio a Hugo Chávez, por meio do qual conseguiu se manter um governo legitimamente eleito. Segundo, o fato de ele recusar apoio do Brasil à invasão do Iraque. Terceiro, ele falou com o presidente dos EUA em português e disse "eu falei na língua de 170 milhões de brasileiros". E outra: já estava preparada a entrega [aos EUA] da base de Alcântara quando ele cortou.

Folha - E o fato de, no governo, o PT adotar práticas que condenava?

Suassuna -
A meu ver ele não tinha outro caminho. Fora disso aí é preciso fazer uma revolução armada no país. Não é fácil. É porque vocês são muito novos. Eu conheço esse problema desde Getúlio. Getúlio tentou muito menos do que se espera de Lula e foi forçado a dar um tiro no peito.
 

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