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30/11/2003
-
08h41
BIA ABRAMO
colunista da Folha
Marília Gabriela entrevista Sandy, no "De Frente com Gabi". Pergunta: "O que é [ênfase no "é", seguida de pausa] ser famosa desde os seis anos de idade?". E Sandy solta lá o repertório ensaiado de "sinceridade": "Na verdade, sempre sonhamos com isso... Já estávamos acostumados... Nunca soubemos como é uma vida normal, portanto não sentimos falta...". Gabi aceita: não retruca, não pressiona, não contesta; o programa deve prosseguir. E prossegue.
Gabi entrevista Júnior. Pergunta: "Você joga futebol? É perna-de-pau ou é bom?". E lá vai o Júnior contar sobre estrelas da seleção brasileira como Denílson, Roberto Carlos. Ele diz, sorrindo muito: "Naquele dia, eu joguei bem e, no dia seguinte, encontrei o Denílson num programa de TV e ele disse que eu jogava um bolão etc.". Gabi observa: "Você é metido, hein?", ao que Júnior sorri mais ainda e, tentando se justificar, explica: "É que naquele dia eu estava bem". Gabi tenta a piada, a provocação, mas a isca fica no ar.
Eles têm um novo CD, "Identidade", e lançam um filme, "Acquaria", e é por isso que estão ali, diante das câmeras, diante de Gabi. Que usa sua proverbial simpatia intimidatória, suas habilidades (que não são poucas) de entrevistadora, mas não arranca nada de Sandy, nem de Júnior, além daquilo que já se sabia anteriormente. Que ela é uma moça boa, empenhada sinceramente em se tornar uma cantora, depois de ser por anos uma máquina de fazer dinheiro. Que ele se ressente um pouquinho de estar à sombra da irmã mais talentosa, mas resolveu isso virando uma espécie de músico. Que eles, apesar de tudo, são pessoas normais e sinceras.
Num ambiente profundamente midiatizado, ninguém mais é surpreendido por nada. A entrevistadora --na verdade, qualquer um que esteja em posição semelhante-- sabe o que esperar, assim como os entrevistados. Por sua vez, eles já vão com uma espécie de script mental, preparados de antemão até mesmo para os assuntos considerados espinhosos. A audiência, então, engole tudo, as mesmas histórias de sempre, os mesmos falsos confrontos, o acordo tácito de hipocrisia que está implícito nessa relação. Sandy, pela enésima vez: "Não sou uma santinha, não entendo por que só me perguntam sobre a virgindade". (Não? E não foi essa uma peça promocional cuidadosamente burilada alguns anos atrás?)
O mais assustador parece ser o fato de que ninguém está, de fato, mentindo, só obedecendo à implacável lógica do showbiz. No novo mundo do entretenimento, rigidamente controlado por estratégias de marketing, os discursos, tanto do lado dos entrevistados quanto do lado daqueles que entrevistam, estão dominados pela eterna repetição de temas e de falas. E os programas de entrevistas acabam sendo a ante-sala do tédio absoluto.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
Crítica: Entrevistas mostram hipocrisia do showbiz
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colunista da Folha
Marília Gabriela entrevista Sandy, no "De Frente com Gabi". Pergunta: "O que é [ênfase no "é", seguida de pausa] ser famosa desde os seis anos de idade?". E Sandy solta lá o repertório ensaiado de "sinceridade": "Na verdade, sempre sonhamos com isso... Já estávamos acostumados... Nunca soubemos como é uma vida normal, portanto não sentimos falta...". Gabi aceita: não retruca, não pressiona, não contesta; o programa deve prosseguir. E prossegue.
Gabi entrevista Júnior. Pergunta: "Você joga futebol? É perna-de-pau ou é bom?". E lá vai o Júnior contar sobre estrelas da seleção brasileira como Denílson, Roberto Carlos. Ele diz, sorrindo muito: "Naquele dia, eu joguei bem e, no dia seguinte, encontrei o Denílson num programa de TV e ele disse que eu jogava um bolão etc.". Gabi observa: "Você é metido, hein?", ao que Júnior sorri mais ainda e, tentando se justificar, explica: "É que naquele dia eu estava bem". Gabi tenta a piada, a provocação, mas a isca fica no ar.
Eles têm um novo CD, "Identidade", e lançam um filme, "Acquaria", e é por isso que estão ali, diante das câmeras, diante de Gabi. Que usa sua proverbial simpatia intimidatória, suas habilidades (que não são poucas) de entrevistadora, mas não arranca nada de Sandy, nem de Júnior, além daquilo que já se sabia anteriormente. Que ela é uma moça boa, empenhada sinceramente em se tornar uma cantora, depois de ser por anos uma máquina de fazer dinheiro. Que ele se ressente um pouquinho de estar à sombra da irmã mais talentosa, mas resolveu isso virando uma espécie de músico. Que eles, apesar de tudo, são pessoas normais e sinceras.
Num ambiente profundamente midiatizado, ninguém mais é surpreendido por nada. A entrevistadora --na verdade, qualquer um que esteja em posição semelhante-- sabe o que esperar, assim como os entrevistados. Por sua vez, eles já vão com uma espécie de script mental, preparados de antemão até mesmo para os assuntos considerados espinhosos. A audiência, então, engole tudo, as mesmas histórias de sempre, os mesmos falsos confrontos, o acordo tácito de hipocrisia que está implícito nessa relação. Sandy, pela enésima vez: "Não sou uma santinha, não entendo por que só me perguntam sobre a virgindade". (Não? E não foi essa uma peça promocional cuidadosamente burilada alguns anos atrás?)
O mais assustador parece ser o fato de que ninguém está, de fato, mentindo, só obedecendo à implacável lógica do showbiz. No novo mundo do entretenimento, rigidamente controlado por estratégias de marketing, os discursos, tanto do lado dos entrevistados quanto do lado daqueles que entrevistam, estão dominados pela eterna repetição de temas e de falas. E os programas de entrevistas acabam sendo a ante-sala do tédio absoluto.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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