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06/12/2003 - 05h47

Autor ganha fama ao retratar dia-a-dia da guerra em diário on-line

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da Folha de S.Paulo

Às 5h35 do dia 20 de março (23h35 de 19 de março em Brasília), os primeiros Tomahawks lançados pelos navios norte-americanos ancorados no golfo Pérsico e no mar Vermelho atingiram o complexo presidencial de Saddam Hussein em Bagdá, dando início assim à Guerra do Iraque.

O conflito duraria 43 dias, durante os quais 180 jornalistas estrangeiros permaneceriam na capital iraquiana o tempo todo --pela primeira vez na história recente, repórteres ficariam tanto tempo seguido num fronte.

Menos de 30 minutos depois de iniciada a guerra, via conexão por satélite clandestina, a Redação da Folha em São Paulo recebia os primeiros textos e fotos do bombardeio --o jornal foi o único órgão de imprensa do Brasil com repórter e repórter fotográfico em Bagdá durante o conflito.

Pois bem.

Às 5h56 daquela mesma madrugada, portanto menos de 20 minutos depois de deflagrado o caos, um blog muito particular registrou uma "entrada": "Sirenes de bombardeio em Bagdá, mas os únicos sons que dá para ouvir são as metralhadoras antiaéreas".

(Para os não-iniciados, blog é abreviatura de "weblog", ou diário da rede, um espaço on-line que virou coqueluche há dois anos na internet e pelo qual anônimos fazem na maioria das vezes diários mas também divulgam informações e idéias. Já "entrada" é um novo texto colocado no blog.)

Seu autor assinava Salam Pax ("paz" em árabe e latim, respectivamente), se dizia iraquiano e vivendo em Bagdá e mantinha o blog desde 2002. Com a guerra, passou de curiosidade de poucos a fonte fundamental de informação para muitos, não a informação estritamente jornalística, mas a do dia-a-dia daquele povo invadido, tão em falta na maioria dos meios naqueles momentos.

Por exemplo, a entrada de sexta, 21 de março: "A noite passada foi muito quieta em Bagdá. Hoje pela manhã, saí para comprar pão e outros comestíveis. (...) Apenas as padarias abrem, além de algumas mercearias, que cobram quatro vezes o preço normal".

O inglês correto, o estilo irônico e direto e a improbabilidade de um bagdali normal ter acesso periódico à internet, burlando não só a censura da mukhabarat (a polícia secreta de Saddam) como as constantes faltas de energia, levantaram todo tipo de especulação sobre quem seria Salam Pax.

Os jornalistas discutíamos no lobby do hotel Palestine se ele não seria um de nós. Internautas pelo mundo todo atribuíam seus textos a agentes da CIA ou dos filhos de Saddam Hussein, dependendo da sala de bate-papo.

Temendo pelo burburinho envolvendo seu nome e vivendo num país que, afinal, ainda era comandado por um ditador, Salam Pax parou de "blogar". Em vão: seu silêncio começou a ser discutido nas salas. Morreu? Foi assassinado? Ou (pausa) se suicidou?

Até que em junho, num artigo para a revista eletrônica "Slate", o jornalista Peter Maass aparentemente resolve o mistério. Salam Pax não só existia como tinha sido seu guia --é prática dos jornalistas contratarem locais que falem inglês por seu conhecimento de árabe, das ruas e da burocracia.

Ele seria um arquiteto iraquiano que havia estudado em Viena, falava um inglês perfeito, adorava a "The New Yorker" e lia e relia "O Homem do Castelo Alto", ficção científica de Philip K. Dick (1928-1982), o autor cult cujo conto daria origem ao clássico longa "O Caçador de Andróides" (1982).

O mesmo Maass, autor de "Love Thy Neighbor - A Story of War" (Ama Teu Vizinho - Uma História da Guerra), sobre a Bósnia, cunhou a definição perfeita do fenômeno: "Salam é a Anne Frank da Guerra do Iraque".

Guardadas as proporções, seus escritos realmente podem ser comparados aos da menina judia que, escondida dos nazistas com a família num cubículo durante a Segunda Guerra Mundial, deixou um diário em que narra o dia-a-dia de todos que comove pela simplicidade e pungência.

Diferentemente de Anne Frank, porém, que morreu antes de ver a guerra acabar, Salam Pax virou em vida um ídolo pop --e isso talvez diga mais sobre a diferença entre as épocas do que propriamente entre os dois diários.

Continua não revelando quem é ou seu nome, mas há alguns meses vem escrevendo uma coluna para o diário britânico "The Guardian". Na última, de 10 de novembro, anuncia que seu blog virou um photolog e que o filme que fez quando saiu pelas ruas de Bagdá, registrando o que via, iria ao ar naquele dia, pela BBC2.

Mais: tudo o que foi registrado no seu blog entre 7 de setembro de 2002 e 28 de junho de 2003 virou livro, "O Blog de Bagdá", que está saindo agora no Brasil.

Como livro, não vale grande coisa --a transferência para o papel de textos produzidos especificamente para a internet lembra o esforço vão e de certa forma infantil de tentar segurar a água que jorra da torneira. Além do mais, "O Blog de Bagdá" limita-se a transpor uma coisa a outra, sem nenhuma reflexão ou intervenção. Mas como experiência e, mais, como "zeitgeist" (o espírito de um tempo), é sensacional.

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